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Chike Nwoffiah (segundo da direita) num dos momentos do DIFF, em Cabo Verde Chike Nwoffiah (segundo da direita) num dos momentos do DIFF, em Cabo Verde 

Filme documentário sobre o Cardeal Francis Arinze em preparação

Já em fase de pós-produção, o filme, da autoria do cineasta nigeriano, Chike Nwoffiah, poderá estar pronto por altura da Páscoa de 2023, revelou o realizador que diz ter ficado entusiasmado com a história do Cardeal Arinze, Prefeito Emérito do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.

Dulce Araújo - Vatican News

Chiké Nwoffiah é um cineasta nigeriano a residir nos Estados Unidos. É também Diretor do “Silicon Valley African Film Festival” que fundou há 30 anos. Já foi também professor de História da África. Encontrámo-lo em novembro passado na ilha do Fogo, onde presidiu ao Júri da 2ª edição do Djarfogo International Film Festival, DIFF, criado pelo cineasta e antropólogo cabo-verdiano, Gueny Pires. Chikwe Nwoffiah revelou-nos, em entrevista, que está a fazer um filme documentário sobre o Cardeal Francis Arinze.

Sim, sim, sou cineasta e estou muito contente por estar a terminar um documentário iniciado há dois anos e meio sobre esta personalidade que designamos de Príncipe africano da Igreja católica, Cardeal Arinze, da Nigéria. Em 2019 eu e a minha família fomos da Califórnia visitar Roma e assistir à missa da Páscoa, presidida pelo Papa, no Vaticano. Nessa ocasião passamos algum tempo com o Cardeal Arinze e ele contou-nos a sua história, a sua infância e crescimento, tendo sido batizado só aos onze anos de idade. Falou-nos também do seu percurso como o bispo mais jovem do país, tendo-se tornado arcebispo três dias depois da eclosão da guerra civil. Eu pertenço ao povo igbu e ele também e somos daqueles que estavam da parte do Biafra na guerra civil. Ele contou, de facto, ter-se visto na situação de um arcebispo refugiado. Falou-nos ainda do seu trabalho no Diálogo Inter-religioso e tudo mais e eu então disse-lhe: esta é uma história incrível que não podemos perder e que, como cineasta, gostaria de saber se me dava a permissão de narrar essa história em filme. Naturalmente que, como pessoa muito reservada que é, levou vários meses para dar o seu consentimento. E, então, fui da Califórnia com a minha equipa e passamos uma semana com ele em janeiro de 2020. Quando voltamos o Covid-19 desencadeou-se e pôs o mundo em confinamento e isso atrasou alguns projetos que tínhamos. Agora, estamos a voltar em cheio às atividades e já estamos em fase de pós-produção e esperamos que o filme venha a público por altura da Páscoa do próximo ano.”

- E qual é a sua experiência no Djarfogo International Film Festival em que foi presidente do Júri, onde houve muitos filmes, sessões em escolas e universidades, mas pouca participação da população local, dos meios de comunicação nacionais e dos poderes públicos. Qual foi a sua impressão de tudo isso?

Primeiro quero dizer que Gueny Pires é um amigo, já participou no meu Festival, eu estive cá no Fogo o ano passado para o apoiar, estou aqui este ano também. Isto porque considero que é importante para quem emigrou e teve algum sucesso, recordar de onde somos. Vivemos numa época em que as histórias narradas nos filmes são vistas através de lentes que estão longe das nossas realidades; há pessoas que estão a narrar as nossas histórias no nosso lugar, com a visão deles. E o que o Gueny está a fazer com este festival particularmente no que toca às escolas, mostrando aos jovens como se usa uma câmara de filmar para narrar as suas histórias, é empoderá-los com habilidades para serem narradores das histórias de Cabo Verde com um olhar cabo-verdiano. Isto é muito importante e é por esta razão que dou o meu apoio a este projeto.

Como disse, eu conduzo um Festival de cinema desde há 30 anos em Silicon Valley e o que digo [ao Gueny] é: ouve, se tens mesmo que uma só pessoa na sala, projeta o teu filme. Vai crescer, continua, não te desencorajes. Tens um importante programa, mesmo que a sala não esteja cheia, vai para a frente e, ao mesmo tempo, procura saber o que se pode fazer para tornar as pessoas mais interessadas nisso. Um Festival sobrevive lá onde o cinema já faz parte da cultura, mas não se pode sempre dizer que onde não há isso não criamos um festival, porque é o povo que fica a perder. Então, em vez de fazer um festival lá onde todos vão ver filmes, o Gueny está a levar esta comunidade a desenvolver essa cultura de cinema, a criar o gosto pelo cinema e, talvez isso não aconteça na segunda, terceira ou quarta edição do Festival, mas sei, pela minha experiencia, que se ele continuar a fazer isto e se continuarmos a afinar alguns aspetos, com o passar dos anos, as pessoas deste lugar vão ganhar interesse. Então, não estou preocupado com isso. Também os meios de comunicação locais, por vezes ficam ao lado procurando compreender o que se está a fazer, a perguntar-se: havemos de ir ou de não ir, o que é pena porque deviam vir já e ajudar isso a crescer, mas aqui também digo: não quereis vir, ok. Continua a ir para a frente, quando o Festival chegar ao nível em que deve estar, serão eles a bater à porta para procurar, de algum modo, ser parceiros. Tenho colaborado com vários festivais no continente africano e tenho visto muitas situações deste tipo e não creio que se tenham desencorajado por causa disso.”

- E o que nos pode dizer acerca do Silicon Valley African Film Festival de que é Diretor?

O Festival iniciou há 30 anos. Tem lugar sempre em outubro. Fundei ali um Festival primeiramente porque Silicon Valley é a capital tecnológica do mundo. A poucos minutos do meu escritório, onde trabalhamos no Festival, estão as sedes da Dolby, do Face Book, do Google, da Netflix, do LinkedIn e assim por diante. E só 2% da população de Silicon Valley é negra. Mas é ali, no meio de tudo isso, que achei importante criar um fórum, uma plataforma para narradores africanos contarem as histórias da África e partilhá-las com esses gigantes da tecnologia. É isso que temos vindo a fazer desde há 30 anos. E sinto-me orgulhoso do trabalho que eu e a minha equipa temos vindo a fazer. Este ano projetamos 102 filmes de 33 países. O nosso foco é conteúdos africanos narrados por africanos ou africanos na diáspora. Então, para que um filme seja selecionado para o Festival tem de ser de alguém com ancestrais africanos. É mais que um Festival: temos projeção de filmes, desfile de moda, culinária africana, performance, enfim, é uma grande exposição da cultura africana em Silicon Valley. Tornou-se num lugar em que africanos com as suas vestes se sentem orgulhosos, podem afirmar-se e dizer “ei, estamos aqui”, e também os interessados, os amigos da África podem ver e procurar compreender melhor a África. Portanto, é essencialmente isto. Temos também programas com escolas chamado “África na Aula”, uma série de filmes escolhida para o efeito e através dos quais é enriquecido o curriculum escolar. Temos ainda um interessante programa que se chama “Cinema Café” (atualmente on line) e que nos permite usar curtas-metragens sobre determinados temas sociais para desencadear debates. Por exemplo, se um filme é sobre racismo mostrámo-lo no “Cinema Café” de forma a nos empenharmos no diálogo. Sentimo-nos, portanto, muito felizes por ter vindo a fazer este Festival há 30 anos e esperamos continuar a ir para a frente.”

- E ao mesmo tempo ensina História da África, não é?

Sim (riso), atualmente estou um pouco fora disso porque não dá para fazer muita coisa ao mesmo tempo, mas por sete anos ensinei História da África a nível universitário. Contudo, sempre fui professor e considero que em tudo o que se está a fazer há que ter em conta os jovens. O meu pai dizia sempre isto. Sim, eu gosto de ensinar.”

- Um dos grandes problemas dos africanos é que não conhecem a História da África. É o meu caso e de tantas outras pessoas. A História da África não nos foi ensinada. Qual é a situação nos Estados Unidos, como é que as pessoas reagem a isso, há interesse dos africanos e de outras pessoas pela História da África?

Bem, a questão da História da África na sua globalidade é que foi ensinada, essencialmente por colonizadores, numa ótica estranha à nossa realidade. Eles contaram “a sua” História da África e criaram aquilo que a eu chamo “Africa de Tarzan”. E essa visão das coisas continua a controlar muita coisa ainda hoje. Nos media populares, a África é sempre tratada numa ótica desoladora; é mostrada como um continente de joelhos, mendicante, destituída, desolada, sempre necessitando de algo. Mas isso não é a África que eu e tu conhecemos, nós que estamos aqui sentados com uma bela vista para o oceano e tudo isso… Mas essa é a perspetiva do mundo ocidental sobre a África e isso é intencional porque quando destituis as pessoas da sua humanidade, justificas o facto de ir para os seus territórios e apoderar-se de tudo porque não são seres humanos e convencemos toda a gente que essas pessoas não são pessoas humanas. Consequentemente, não nos podiam tornar humanos e então tentam rebaixar-nos o mais que podem. E isto continua a existir mesmo nos Estados Unidos e em todo o mundo. Infelizmente, pelo facto de terem colonizado a África, a História da África que nos ensinaram nas escolas era orientada a nos fazer sentir inferiores, disseram-nos que a s nossas culturas eram inferiores às deles, que não podíamos falar as nossas línguas porque são inferiores; disseram-nos que a nossa forma de vestir, as nossas aparências, a nossa cor são inferiores às deles e que para ter sucesso, temos de ser, parecer, falar, comer, vestir, comportar e pensar como uma pessoa branca. Sucesso é isto! Puseram isso na nossa cabeça. E é este o problema que temos em África hoje, porque a maior parte dos líderes africanos foram a essas escolas, onde aprenderam que tudo o que vem deles é inferior e errado. Por isso quando têm uma dor de cabeça vão para os países coloniais para tratar a sua dor de cabeça em vez de construir clínicas nos seus países. Isto porque algo lhes diz que nos países colonizadores são melhores. Então, é importante que educadores, historiadores, enfim, todos temos de reclamar a nossa História, temos de trabalhar afincadamente sobre isso, fazer disso um assunto nosso, procurar respostas, ler sobre a nossa própria História e ensiná-la às nossas crianças, porque a maior partes dos alunos, estudantes africanos te dirão tudo sobre reis e rainhas da Inglaterra e tudo mais, mas não sabem quem era Mansa Musa, quem era Amílcar Cabral, nada… não conhecem os nossos heróis. E isto é muito triste! E enquanto não começarmos a fazer face a esta realidade, tudo o que fazemos não ajudará muito porque quando se apoderam da tua mente, fecham-na a cadeado, possuem toda a tua vida. Então, temos de começar a abrir a nossa mente; e os adultos não podem ter a desculpa de dizer que ninguém lhes ensinou a História da África. Ok, agora procura-a. Está ali, procura encontra-la e assegura-te de que estás a proteger a tua criança. Os jovens têm de ser desprogramados. Este é o futuro da África. Doutra forma, de nada serve todo o resto.”

Oiça

Chike Nwoffiah, cineasta e educador nigeriano que vive nos Estados Unidos, onde é Director de um Festival de Cinema Africano em Silicon Valey. Está a trabalhar num filme documentário sobre o Cardeal Francis Arinze, Prefeito emérito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos. Nasceu em Eziowelle, uma pequena cidade da Arquidiocese de Onitsha, na Nigéria, no dia 1 de novembro de 1932, tendo já 90 anos de idade. 

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30 dezembro 2022, 14:26