Moçambique. Eleições 2023: “a paz exige a reposição da verdade”, dizem os Bispos
Padre Bernardo Suate – Cidade do Vaticano
Dom Inácio Saúre, comentando a Nota pastoral publicada pela CEM uma semana depois das eleições autárquicas de 11 de outubro, falou das muitas reivindicações sobre possíveis irregularidades, facto levou a CEM a organizar-se e falar destas eleições, certos de que, disse, o provérbio muito popular segundo o qual “não há fumo sem fogo” é bem aplicado para o contexto que se está a viver. “Pelas notícias que tenho recebido, as reivindicações que estão a ser apresentadas sobre possíveis irregularidades, mesmo feitas de propósito, parecem ter razão de ser e, por conseguinte, merecem a nossa atenção”, ressaltou o prelado.
Além disso, prosseguiu o Arcebispo para reafirmar que a CEM tem participado no Grupo dos Observadores através da sua Comissão de Justiça e Paz, e a impressão com que a Comissão ficou com tudo aquilo que se está a viver em Moçambique hoje, é que estas eleições autárquicas parece terem sido as mais problemáticas.
Dar resposta séria às preocupações apresentadas
Os Bispos moçambicanos falam de acontecimentos alarmantes na Nota pastoral e lançam seu apelo à paz. “Nós não queremos ser profetas da desgraça”, adverte o Presidente da CEM, “mas receamos um problema grave posterior a estas eleições caso não se dê resposta séria a todas as preocupações apresentadas pelos Partidos que se dizem lesados”. Daí a insistência dos apelos do episcopado para que, em base nos instrumentos legais existentes, não se minimize nenhuma queixa e se procure encontrar os elementos suficientes para se esclarecer, para se evitar o pior, reitera Dom Inácio.
Um dos principais pontos que os Bispos sugerem para a manutenção da paz em Moçambique é através do diálogo e, para o Arcebispo de Nampula, o diálogo deveria acontecer a partir das reclamações apresentadas, de modo que, tanto o Governo quanto as autoridades eleitorais, cada qual na área da sua competência, considerando este material que existe efectivamente, os órgãos competentes possam fazer as devidas pesquisas para se apurar a verdade e se dar a resposta.
Repor a legalidade, na verdade
O mais importante, reitera o Arcebispo de Nampula e Presidente da CEM, é repor a legalidade, recordando que a legalidade, por sua vez, pressupõe a verdade porque “não se pode simplesmente dizer que tudo foi conforme a lei quando, muito provavelmente, houve falsidades, não houve a verdade” – o resultado será efectivamente legal se também corresponde à verdade daquilo que aconteceu na votação, enfatiza Dom Inácio.
Porque em tudo isto, destacam os Bispos moçambicanos na sua Nota pastoral, é preciso que haja ética e justiça para que se evite o derramamento de sangue, para que se evitem mortes como, aliás, já se fala de casos de mortes nas redes sociais, observa o Arcebispo, apontando o caso daqueles responsáveis pela protecção dos eleitores mas que, pelo contrário, são eles que se envolvem em actos de violência, ou os que deveriam proteger o material da votação, e são os mesmos que supostamente enchem as urnas com boletins falsas. “Estas pessoas conhecem as normas, conhecem os procedimentos, mas muitos agem diferentemente, agem de modo contrário” – reconhece o Presidente da CEM.
E para Dom Inácio é o Governo, e mais particularmente o Ministério do Interior e da Defesa, que sabem que estas Forças não estão ao serviço de nenhum Partido, que têm as condições para formar e educar estas Corporações, de modo a trabalharem em defesa de todo o moçambicano, independentemente da sua cor política. Mas, em muitos casos, “eles fazem trabalho contrário deixando mal-estar e criando medo no povo em vez de confiança”, observa o Arcebispo.
Rever processo de apuramento dos resultados, respeitar a vontade do povo
O Arcebispo de Nampula abordou igualmente a questão do apelo aos órgãos eleitorais para que, “com sentido de responsabilidade e justiça, revejam todo o processo de apuramento dos resultados divulgados, de modo a respeitar a vontade do povo”. Para Dom Inácio Saúre isto não apenas é possível, pelo menos tecnicamente, mas é algo que seria necessário fazer porque, enfatiza, “se a vontade do povo ficou ferida, deve-se fazer tudo, mesmo se for o caso de anular as eleições, ponto extremo, para que, de facto, não fique nada por esclarecer, porque qualquer coisa não esclarecida sempre deixará mal-estar” – sublinha o prelado.
E, citando a conclusão da Nota pastoral, Dom Inácio recordou que “é nos momentos de prova que se conhece a grandeza de um povo e de seus líderes e que se trata, portanto, de uma grande interpelação, neste momento, ao povo moçambicano e aos nossos líderes, para que de facto não falte a ninguém a coragem de fazer presente a justiça que conduza os moçambicanos à concórdia e convivência saudável, como uma Nação”. E “isto só pode ser possível com a reposição da verdade, e nada mais do que a verdade”, conclui o prelado.
Apelo à paz que seja resultado da reposição da verdade
É verdade que no documento episcopal não existe nenhuma menção especial dos jovens, mas não temos a mínima dúvida que o clamor forte do povo moçambicano vem também, e sobretudo, dos jovens, pois sabemos perfeitamente que a maior percentagem da população moçambicana é jovem, observa Dom Inácio Saúre, ressaltando que a não referência explícita dos jovens não significa de nenhum modo que houve um certo esquecimento, “pois se sabe muito bem que a juventude é aquela que em todo este processo é a mais penalizada”.
A terminar, uma mensagem de esperança a toda a sociedade moçambicana que, para o Arcebispo de Nampula, se resume num veemente apelo à paz: “paz, e paz, e paz que seja resultado da reposição da verdade, sem sentimentos nenhuns de ódio, de vingança, de quem quer que seja e, uma vez descoberta a verdade, devemos aceitá-la e continuarmos a caminhar juntos para frente. “É este o meu grande apelo: apelo a uma paz que seja resultado da reposição da verdade, porque é esta reposição da verdade que, de facto, deixará as pessoas também em paz nos seus corações” – rematou Dom Inácio, em conclusão.
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