Quénia. Franciscanos em África empenhados na proteção dos menores
Olivier Bonnel – Cidade do Vaticano
É a primeira vez que os Franciscanos em África o fazem. De 1 a 15 de fevereiro, 55 responsáveis da Ordem dos Frades Menores de todo o Continente reuniram-se em Nairobi para uma sessão de formação destinada a sensibilizar para a proteção dos menores e das pessoas vulneráveis. Em 2021, a Ordem dos Frades Menores decidiu criar um escritório para a salvaguarda e proteção dos menores, e as conclusões do Capítulo Geral encorajaram os frades a assumir a questão.
O encontro reuniu religiosos de todas as províncias e custódias franciscanas de África. Especialistas de todo o mundo falaram sobre os múltiplos aspectos da luta contra os abusos: a escuta das vítimas, a formação, o impacto dos abusos nas famílias das vítimas e, sobretudo, a reflexão sobre os instrumentos a pôr em prática para combater mais eficazmente este flagelo. Entre eles, Augusta Muthigani, responsável pela África da Comissão Pontifícia para a Proteção dos Menores.
Redescobrir São Francisco
O que parece ter agitado as coisas foi a partilha espiritual em que a sessão foi organizada. Na introdução à sessão, o irmão Albert Schmucki, responsável pela unidade de proteção de menores da Ordem Franciscana, propôs uma reflexão sobre o testamento de São Francisco de Assis, no qual o Poverello recorda a sua conversão. "Ele escreve que ela não se deu num lugar sagrado, mas entre os leprosos", recorda o franciscano. "Sem os identificar com os leprosos da Idade Média, há semelhanças com as vítimas de abusos sexuais de hoje. Os leprosos eram segregados, excluídos da cidade e tinham de permanecer invisíveis. Foi aí que Francisco experimentou a sua conversão, experimentou a misericórdia recíproca". Esta releitura do carisma do santo de Assis levou à criação de grupos de reflexão para descobrir como criar um espaço para as vítimas. Na opinião do irmão Albert, "o clima mudou" depois desta partilha. "Descobriram a importância de escutar com o coração".
Escutar as vítimas
O testemunho de duas vítimas também foi decisivo no início da sessão. "Mudou completamente a dinâmica da sessão", diz o Padre Joulain, missionário de África e um dos organizadores do encontro, que trabalha há muitos anos com sobreviventes de agressões sexuais. Segundo o Padre Blanc, um passo fundamental é escutar as vítimas. "Vimos que escutar estas pessoas, olhá-las de frente, já não é assustador, mas tornou-se parte integrante do trabalho da Igreja missionária em África, hoje".
As resistências culturais
As duas semanas de trabalho permitiram também identificar a dimensão cultural que pode constituir um travão à perceção da crise dos abusos. "Em África, a família continua a ser uma unidade muito sólida da sociedade, razão pela qual a questão da proteção dos menores é por vezes vista como uma grande ameaça", explica o irmão Albert Schmucki. "Os próprios Irmãos sublinharam que, para não ameaçar a família, continuamos a preferir a cultura do silêncio", acrescenta. "Outro aspeto é o da liderança política, social e económica em África, mas também na Igreja, onde por vezes há falta de reflexão sobre a forma como o poder é exercido", explica o irmão Schmucki. Na sua opinião, é necessário "pôr em relação as diferentes culturas em África para pôr em prática uma verdadeira proteção; não basta resolver alguns casos isolados".
“Há resistências porque é uma questão que pode ser assustadora", diz o Padre Stéphane Joulain, "mas esta sessão mostrou que estamos a passar de uma abordagem cerebral da questão para uma perceção desta realidade que vem mais do coração", acrescenta com satisfação.
Construir sobre o que já existe
O Irmão Pierre-Auguste Kacou, de origem marfinense, é membro da Província do Verbo Encarnado. Presente em Nairobi, ele explica que um dos obstáculos à perceção da pedocriminalidade é também um ambiente onde "há outras prioridades, ligadas a questões sociais ou de segurança, ao bem-estar da população. A questão dos abusos não é, por isso, percepcionada como um problema urgente". O franciscano da Costa do Marfim sublinha também o aspeto cultural da resolução de conflitos, que se baseia frequentemente na negociação. "Mas à medida que reflectimos mais e mais, relendo o Evangelho e aproveitando a experiência de outras Igrejas, apercebemo-nos de que a questão dos abusos se tornou crucial".
O desafio é grande: para além das estruturas de acolhimento das vítimas, é também necessário formar pessoal para receber os seus testemunhos e iniciar um processo de apoio. Para muitos dos participantes na sessão de formação, a Igreja em África ainda não tem uma base concreta sobre a qual trabalhar, como os resultados de inquéritos. No entanto, os Franciscanos do continente africano não estão a começar do zero.
Uma esperança para África
Esta sessão constituiu uma oportunidade para partilhar as experiências virtuosas que já foram postas em prática para acolher a voz das vítimas. "Alguns Países já têm uma boa experiência para começar, porque as estruturas estão a ser criadas", sublinha o irmão Pierre-Auguste. É o caso, por exemplo, da Conferência Episcopal do Quénia, onde a Comissão de educação desenvolveu um programa de acompanhamento das vítimas. Em Brazzaville, foi criada uma unidade de escuta e de apoio, e o Togo foi também saudado como um País virtuoso neste domínio.
Esta sessão no Quénia permite-nos lançar sementes para o futuro. “Não estamos a pedir aos Franciscanos para que resolvam todos os problemas de África", conclui o Padre Stéphane Joulain, "mas pelo menos eles regressam mais bem equipados para construir programas de proteção. Ao seu nível, todos estes irmãos podem ser agentes de mudança". A sessão terminou com a visita do Núncio Apostólico no Quénia, Dom Hubertus van Megen, que veio saudar e encorajar os participantes.
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