Os Ramos da Paixão hoje
P. Tony Neves - Jancido – Foz do Sousa
Faz muitos anos que celebro a Páscoa fora das raízes que me alimentaram nos primeiros tempos da minha vida. Tive a alegria de celebrar este ano o Domingo de Ramos na minha paróquia natal. Um misto de sentimentos me invade, com a tentação de ir sempre buscar imagens e vivências ao baú das memórias, onde encontro sempre recordações de infância muito felizes. E mais: foram celebrações como a deste dia tão simbólico que me marcaram para o resto da vida e imprimiram no meu coração uma relação forte com Deus e com a Igreja.
Este Domingo, que abre as portas à grande Semana Santa, leva-me sempre de regresso ao Kuito- Bié e ao Huambo onde vivi as primeiras celebrações de Bênção e Procissão dos Ramos, nas periferias pobres destas cidades angolanas, onde a guerra dizimava de todas as maneiras. Eram tempos duros aqueles em que os jovens partiam para as linhas da frente dos combates e o restante povo era silenciado nos seus gritos de discórdia e de condenados à fome, ao abandono, à ausência completa dos mais elementares cuidados de saúde. Era assim a guerra daquele tempo, como continuam a ser hoje todas. O Papa Francisco usa palavras muito duras, chegando ao ponto de dizer que ela é sempre uma derrota da humanidade. É mesmo!
Recordo o longínquo 1991, em que a Missa durou várias horas, em que o povo cantou e dançou, sempre a rezar pela paz que tardava em chegar. Guardo nos olhos o colorido dos ramos e a coreografia das danças. Ainda leio naqueles rostos sofridos a sua enorme ânsia de paz e um grito por mais justiça. Ali, sim, celebrava-se profundamente a Paixão de Cristo, também partilhada por aquele bom povo. Escutar, de forma dialogada, em umbundu, o longo texto da paixão e morte de Jesus, fazia-nos compreender que Cristo continua a sofrer e a morrer hoje…
Vivi, nos anos que se seguiram, celebrações de Ramos muito variadas, em geografias muito diversas. No ano passado, estava em Port Gentil, no Congo Brazzaville. Tive a alegria de partilhar esta Festa (sim, ali foi uma grande festa!) com algumas dezenas de jovens e crianças de rua, acolhidos e acompanhados pelos Espiritanos no Centro que fundaram e dirigem nesta cidade petrolífera. Muitos vizinhos se associaram à festa e guardo imagens da Procissão que obrigou a assembleia a percorrer caminhos alagados de água, pois tinha chovido muito naquela noite! Havia ali alegria e sintonia com o que Cristo viveu…e também encontrei naqueles jovens uma vontade de mudar a história para melhor, fazendo a paixão e morte caminhar rumo à Ressurreição. Como Cristo…
Volto ao presente, à minha aldeia natal. Na infância e adolescência, os ramos eram religiosamente preparados, com oliveira e alecrim, a que se podia juntar uma ou outra flor. Não queríamos um ramo grande, mas tinha de ser bonito. Depois da Procissão e da Missa, o ramo benzido regressava a casa e era guardado para secar e pôr na lareira em noites de trovoada…
Hoje os tempos são outros, mas o fascínio deste dia mantém-se, para quem participa na Celebração. Li nos rostos a alegria do povo, sobretudo das crianças. Rezamos e cantamos pela paz no mundo. Trouxemos para a Igreja a intenção de muitas pessoas, sobretudo as que mais sofrem, as vítimas das paixões e mortes dos tempos que correm.
Os textos bíblicos que se proclamam nesta Festa são provocadores de reflexão e lançam um convite à ação, não deixando ninguém de braços cruzados ou indiferente. Tudo começa com a apresentação de um contraste inesperado, porque as pessoas aclamam Jesus, dançando e baloiçando ramos de palmeira, mas, dias mais tarde, gritam diante das autoridades judaicas: ‘crucifica-O! Crucifica-O!’. É um dos monumentos mais evidentes à incoerência humana, cuja construção e manutenção todos ajudamos a pagar! O profeta Isaías, na primeira leitura, mostra a coragem e a fé profunda do servidor de Deus. No salmo – tal como Cristo na Cruz – nós perguntamos: ‘meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?’. Na segunda leitura, S. Paulo pede que, em nome de Cristo, todos nos ajoelhemos diante de Deus. O Evangelho, tão longo e tão profundo, narra toda a Paixão de Cristo, desde a agonia no Jardim das Oliveiras até à Morte na Cruz.
Pela frente, temos a Semana Maior, a que gostamos de chamar ‘Semana Santa’, que passa pela instituição da Eucaristia, na Última Ceia (Quinta-feira), seguida da Paixão e Morte (Sexta-feira), mas desagua, em festa feliz, na noite de Sábado Santo e na manhã da Páscoa da Ressurreição que já viverei em Roma. Assim (e para tristeza minha!), não terei a alegria de receber na casa da família o Compasso, ou seja, a Visita Pascal que proclama, em ambiente de festa, o Cristo que portador de Vida!
Desejo a quantos me ouvem e leem, uma Páscoa cheia de Ressurreição.
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