Comentário: O desafio da paz
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
O novo ano tem a peculiaridade de renovar as esperanças e também os bons propósitos. E um dos desejos que se costuma renovar nesta época, é o da paz. Nos votos que fazemos aos nossos amigos, aos nossos familiares, costumamos desejar também a paz ao longo de todo o ano que se inicia.
Precisamente neste período, o Papa Francisco tuitou duas mensagens que falam de paz: "Nestes dias, vamos dar espaço a atitudes e gestos que favoreçam a paz" - em 30 de dezembro - e "Vamos cuidar dos brotos de paz que estão nascendo e transformemos as nossas cidades em canteiros de paz", no primeiro dia do ano.
A paz, ao mesmo tempo que é um dom - como já afirmou - também deve ser construída. Por isto a constante exortação, a sermos "artesãos de paz", promotores de paz.
Mas, onde? A começar dentro de nós mesmos, em nossas famílias, em nosso trabalho, no ambiente que nos circunda, mas também nas cidades, como recordou Francisco no primeiro tweet do ano.
Mas diante da força da violência com que nos deparamos no dia-a-dia, esta exortação pode parecer até mesmo utópica, ingênua.
A paz parece impossível. Mas é uma necessidade e uma urgência diante desta violência, quer doméstica, social, nas pequenas e grandes cidades, e também nas relações internacionais. E a construção desta paz internacional, preocupa Francisco.
Já na homilia da Missa de início de pontificado, ele exortava a sermos "guardiões dos dons de Deus", "cuidar uns dos outros", alertando que quando não fazemos isto, "então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido".
"Infelizmente - afirmou na ocasião - em cada época da história existem «Herodes» que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do homem e da mulher". E não poucas vezes, denunciou estes "senhores da guerra" modernos e os traficantes de armas.
Assim, esta poderia ser uma espécie de radiografia da "terceira guerra mundial em pedaços" em andamento, de que tantas vezes nos fala.
Quando ouvimos testemunhos de mães, pais, jovens, crianças que vivem em países assolados por guerras, o que mais sonham, anseiam, é a paz.
Quem conhece a guerra, nas suas diversas formas, sabe mais do que ninguém valorizar a paz.
Mas, como construir esta paz, como conseguir esta paz, já que "paz não é apenas a ausência de guerra entre os países?".
A paz tem muitos significados, que envolvem entre outros não agressão, perdão, diálogo, compreensão. Em nível individual, local, mas também em nível internacional.
Nossa tendência natural é responder com agressão à agressão recebida, a lei do talião. Por isto, precisamos também ser formados na "nova lei que nos foi transmitida há 2 mil anos".
Da mesma forma, se em cada época da história "existem «Herodes» que tramam desígnios de morte", também existe a Igreja que busca oferecer uma alternativa a estes ventos de conflitos.
Recordemos neste sentido os primeiros quatro anos do pontificado de Bento XV - eleito em 3 de setembro de 1914 - que foram literalmente consumidos por tentativas infrutíferas de parar uma guerra que ele condenou como “o suicídio da Europa civilizada”.
Em novembro de 1914, publicou “Ad Beatissimi Apostolorum”, a primeira de suas doze Encíclicas. As nações maiores e mais ricas - dizia ele - estão “bem equipadas com as mais terríveis armas que a ciência militar moderna havia inventado e se esforçam para destruir umas às outras com requintes de horror”. “Não há limite para a medida da ruína e do abate; diariamente a terra fica marcada com o sangue recém-derramado e coberta com os corpos de mortos e feridos”.
E Bento XVI, que explicou assim querer se chamar para relacionar-se "idealmente ao venerado Pontífice Bento XV, que guiou a Igreja em um período atormentado pelo primeiro conflito mundial. Foi valente e autêntico profeta de paz e agiu com extrema valentia desde o início para evitar o drama da guerra e depois ao limitar as nefastas consequências”.
"Desejo colocar meu ministério a serviço da reconciliação e da harmonia entre os homens e os povos, profundamente convencido de que o grande bem da paz é sobretudo dom de Deus, dom frágil e precioso que deve ser invocado, protegido e construído dia após dia com a contribuição de todos".
Em abril de 1939, ano em que teve início a II Guerra Mundial, o Papa Pio XII anunciava um plano para a paz, na esperança de mediar uma negociação entre as grandes potências europeias à beira da guerra. Uma iniciativa que não encontrou resposta, com as consequências conhecidas.
Já em 11 de abril de 1963, é publicada a "última vontade e testamento" de João XXIII, a Encíclica "Pacem in Terris" ("Paz na Terra"), cujo tema central é a "tranquilidade da ordem" na sociedade como base para a paz mundial.
As reflexões do Papa Roncalli, foram inspiradas na sua re-leitura da obra de Santo Agostinho a "Cidade de Deus", justamente em 1942, durante a Segunda Guerra Mundial.
Isto sem falar em sua mediação na crise dos mísseis, quando lançou um apelo à paz pela Rádio Vaticano, conseguindo deter os mísseis que os navios soviéticos estavam transportando para Cuba, quando estava preparado o bloqueio naval dos EUA para interceptá-los.
Boa parte dos 26 anos do Pontificado de João Paulo II, foram marcados pela Guerra Fria, com seus inúmeros apelos à paz e mediações, também nas visitas aos 129 países visitados.
"Não te deixes vencer pelo mal, vence antes o mal com o bem", foi o tema de sua mensagem para o Dia Mundial de Paz em 1o de janeiro de 2005. Ou a de 2003: "Pacem in Terris. Um compromisso permamente", que nos recorda este constante esforço pela paz.
Na guerra, todos perdem. A humanidade perde, pois somos chamados a construir, não destruir, amar, não odiar.
Na atual polarização de posicionamentos e recrudescer de conflitos, não surpreenderia se o Papa Francisco, por meio de um documento, renovasse um apelo à toda Igreja para um empenho mais efetivo na promoção da paz, acolhendo as palavras de Jesus, "Eu vou deixo a paz eu vou dou a minha paz! Não vo-la dou como o mundo a dá!".
Que não precisemos conhecer a guerra para nos tornarmos promotores de paz!
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