João Pedro Bizarro: da enfermagem ao sacerdócio
Rui Saraiva – Porto
Nasceu a 22 de julho de 1973: o padre João Pedro Bizarro é da diocese do Porto, em Portugal; o escutismo lançou sementes de missão no seu coração; o seu trabalho como enfermeiro fê-lo descobrir a importância e o gosto pelo serviço.
Fez discernimento vocacional e disse sim a seguir Jesus. Ordenado em 2003, foi pároco durante 14 anos. Está agora em Roma a estudar Direito Canónico na Pontifícia Universidade Gregoriana. Concedeu uma entrevista ao programa português do Vatican News, que aqui divulgamos.
P: Da enfermagem à vocação sacerdotal: foi um caminho que vinha já antes da sua vida dedicada à saúde, ou foi um caminho que nasceu na enfermagem?
R: A vocação nasce na enfermagem, é certo, não posso dizer que não, mas nasce também num movimento da Igreja: o escutismo. Teve estas duas vias. Na última etapa dos escuteiros, os caminheiros, é-nos proposto viver uma vida de serviço, estar disponível para o outro, estar atento às necessidades dos outros. Eu tive uma boa experiência de clã, nos caminheiros, e isto despertou em mim a necessidade de servir. Depois, aliado a isto, fiz o curso de enfermagem e trabalhei no Hospital de Santo António (Porto) no serviço de medicina, um serviço bastante duro. Eu dava apoio a hematologia. E com 21 ‘aninhos’ vejo-me confrontado com a morte, com gente a morrer nos meus braços e a ter que tomar decisões que condicionavam a vida daqueles que me foram confiados. E isto fez-me refletir sobre a necessidade de haver algo mais, e a vocação vai nascendo assim: entre estar ao serviço daqueles que precisam e, este algo mais, que foi uma redescoberta de Deus. Havia também algumas inquietações pessoais que vinham de trás, nascidas no escutismo, com a necessidade de formar os miúdos que me foram confiados enquanto adulto no movimento.
Isto tudo levou-me um dia a questionar-me se não poderia ser padre. Como a minha família sendo católica não era praticante e eu também não estava muito ligado à Igreja, para além do movimento CNE (Corpo Nacional de Escutas), esta questão inquietou-me de tal ordem que fui falar com o meu pároco, que na altura era o padre António Augusto, hoje bispo auxiliar do Porto, que me apresenta ao Seminário Externo e eu fiz um caminho de discernimento vocacional. Sempre na consciência de que por mim eu não seria padre, portanto, tinha que haver aqui o dedo de Deus. E 15 anos passados da minha ordenação eu diria hoje outra vez sim: Senhor chama-me eu estou ao serviço naquilo que a diocese e a Igreja precisar.
P: A que serviços é que já esteve ligado na diocese do Porto? Sei que já teve paróquias… O que é que fez até agora?
R: Fiz aquilo que o bispo me foi pedindo… Comecei como pároco de três pequenas freguesias: Rossas, Espiunca e Canelas em Arouca. Dois anos depois por doença de um sacerdote assumi as paróquias de Rossas, Santa Eulália e a paróquia da Vila de Arouca. E assim estive cerca de 14 anos no somatório das paróquias todas, antes do senhor D. António Francisco dos Santos me enviar para Roma para fazer o doutoramento em Direito Canónico. Fui vigário da vara, fui assistente do núcleo de Terras de Santa Maria, praticamente a região Sul da diocese, nos escuteiros (CNE) e fui assistente nacional do campo base de Drave para os caminheiros (CNE).
P: E o que é que trás dessa experiência de pároco, que balanço é que faz desses 14 anos?
R: Muito positivo. Eu costumo brincar com os meus antigos paroquianos quando me perguntam se estou feliz em Roma. Eu digo-lhes: ‘Estou feliz, estou a fazer aquilo de que gosto e que o bispo me pede. Mas, um padre sem paróquia, sem gente, sem povo, é como um jardim sem flores’. Foi uma experiência muito gratificante, eu cresci muito, não só como batizado, porque um padre também cresce com o povo que lhe é confiado, mas como pessoa. Aquele é um povo muito bom (Arouca), muito franco e que muitas vezes me diziam: ‘senhor abade olhe que não é assim, o senhor está errado’. E eu pensava duas vezes e, às vezes estava errado, outras vezes nem por isso, mas é uma experiência muito gratificante poder acompanhar as pessoas, vê-las crescer, batizar-lhe os filhos, permitiu-me poder chorar com eles quando acompanhava os familiares ao cemitério, ou quando algum estava doente. Permitiu-me rir com eles quando lhes batizava os filhos, ou quando se alegravam por conseguirem um emprego novo. E ver os miúdos que me foram confiados nos escuteiros, pois fundei um agrupamento em Arouca. É divertido crescer com eles e tornar-me mais maduro na minha fé, enquanto presidente de uma comunidade dando o melhor que podia e sabia.
P: Já agora, voltando um bocadinho atrás, e já que falou no CNE, há alguma razão especial para o CNE ter dado já tantas vocações à Igreja?
R: Eu penso que há 20 anos para cá, sensivelmente, o movimento tomou mais atenção e um cuidado maior com a questão da espiritualidade e da fé. Há uma figura incontornável no movimento que é o padre José Nuno, daqui da nossa diocese, que criou umas atividades chamadas ‘Rumos’ na década de 90 que reformulou completamente a vivência dos caminheiros, os mais velhos no movimento. E isto pôs o CNE outra vez naquilo a que eu chamo ‘nos eixos’. É um movimento da Igreja, portanto, um movimento que evangeliza, e isto é fundamental para que as pessoas percebam também que os movimentos têm um papel muito importante, porque criam comunidade, criam laços, se calhar mais do que as paróquias. As paróquias são, muitas vezes, não identitárias: as pessoas vão, consomem a eucaristia, e tirando um grupinho muito pequeno que está à volta dos movimentos paroquiais, não se sentem parte de uma comunidade, infelizmente. Os movimentos fazem esta comunidade. E a comunidade é uma das peças fundamentais para despertar vocações. Porque ninguém consegue ficar indiferente a ver a sua comunidade sem pastores, sem presidente.
P: E agora o desafio romano… Foi um desafio difícil de aceitar?
R: Não. Lá está, a perspetiva do serviço com que eu construí a minha vida faz com que eu esteja disponível para aquilo que o meu bispo me pede.
P: Como tem sido esta experiência em Roma, onde está a estudar na Universidade Gregoriana?
R: Muito interessante. Primeiro porque tenho a possibilidade de contactar com todos aqueles que hoje na Igreja constroem as leis. Todas as pessoas que pensam e que fazem emanar decretos e os ‘motus próprios’ do Papa são meus professores. Com muita frequência me encontro com eles em congressos, nas salas de aula, há uma troca muito grande de ideias que fazem desenvolver o direito.
Depois este último ‘motu proprio’ sobre o direito canónico, a “Mitis Iudex Dominus Iesus”, é fantástico e penso que ainda está subaproveitado, porque o Papa faz uma reformulação do direito processual, mas, junto com isto, apresenta também a toda a Igreja a obrigação de pensar o direito e as questões do direito matrimonial com uma divisão pastoral. Ele cria e pede para criarem gabinetes pastorais nas paróquias, que se formem pessoas nas paróquias. A nível diocesano ou interdiocesano que se criem gabinetes de apoio às famílias antes de chegar aos tribunais. Isto é de uma riqueza que se for bem aproveitada vamos ter uma pastoral familiar muito mais rica. Muito mais do que pensarmos em divórcios na Igreja ou em nulidades matrimoniais, temos um instrumento que nos permite trabalhar a nível pastoral com as famílias, com famílias desavindas que, muitas vezes, estão em situações que não lhes permitem a aproximação dos sacramentos, e algumas até poderiam se tivessem este acompanhamento de gente próxima com formação no direito.
Era o padre João Pedro Bizarro da diocese do Porto, em Portugal. A sua vocação sacerdotal nasceu no trabalho como enfermeiro e nas atividades como escuteiro. Fez discernimento vocacional e disse sim ao chamamento a seguir Jesus. Ordenado em 2003, foi pároco durante 14 anos. Está agora a estudar Direito Canónico em Roma na Pontifícia Universidade Gregoriana.
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