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Cristão reza na Igreja St Andrew, em Karachi Cristão reza na Igreja St Andrew, em Karachi 

Card. Coutts: cristãos no Paquistão não são uma minoria invisível ou escondida

O cardeal Joseph Coutts fala sobre a realidade da minoria cristã no Paquistão, um país de maioria muçulmana. "Nós não somos uma minoria invisível ou escondida. Nós não somos uma minoria silenciosa. Quando temos problemas, somos capazes de fazer ouvir a nossa voz" diz o purpurado, criado cardeal no Consistório no último mês de junho!

Cidade do Vaticano

Os cristãos no Paquistão representam uma pequena minoria em um país quase inteiramente muçulmano. A vida, para eles, nem sempre é fácil, especialmente devido à progressiva difusão do integralismo e do radicalismo religioso.

«Mas não somos uma minoria invisível ou silenciosa», explica ao L'Osservatore Romano o cardeal arcebispo de Karachi, Dom Joseph Coutts - que recebeu a púrpura cardinalícia no Consistório de 28 de junho passado - reiterando a necessidade de intensificar o «diálogo cotidiano» também por meio do reconhecido compromisso da Igreja no campo da educação e da saúde.

O que significa para o Paquistão a sua criação como cardeal?

A nossa é uma grande nação com uma grande população, entre as primeiras cinco no mundo; mas metade das pessoas não é alfabetizada, portanto muitos paquistaneses nem sabem o que é um cardeal. Por isso fiquei agradavelmente surpreso pelo fato que, assim que a notícia se espalhou, muitos, mesmo entre as autoridades civis, expressaram satisfação. Eles entenderam o significado da escolha do Papa. Também um dos meus predecessores à frente da arquidiocese de Karachi, Dom Joseph Marie Anthony Cordeiro, havia recebido a púrpura. Foi o primeiro cardeal paquistanês e morreu há 24 anos, em 1994. Era pedagogo e esteve à frente de importantes escolas católicas, portanto teve um considerável número de ex-alunos que o tiveram como professor e todos recordam dele como um ótimo educador.

Como sua nomeação foi recebida pelos muçulmanos, que são a maioria no país?

Muitos deles vieram me cumprimentar e me parabenizaram, dizendo que isso também honrava o país. A tal ponto que o ministro para os Assuntos Religiosos, que foi ao Vaticano por ocasião do Consistório representando o governo, levou-me as saudações pessoais do primeiro ministro. Assim como o embaixador junto à Santa Sé, que mesmo residindo em Berna, quis estar presente junto com o encarregado dos assuntos da representação diplomática junto ao Quirinale.

O diálogo inter-religioso tem algum reflexo na vida cotidiana, ou existe somente em nível formal?

Eu diria em ambos os níveis. Obviamente, para nós, o primeiro é mais importante, o que eu chamo de "diálogo do cotidiano". Nós católicos somos entre 2 e 3% dos duzentos milhões de paquistaneses, 95% dos quais são muçulmanos. Outros são hinduístas, com alguns budistas e sikhs. Portanto, os católicos e os protestantes têm uma tarefa muito empenhativa em levar em frente este diálogo, que se dá principalmente no campo educacional, visto que as principais escolas do país continuam o trabalho dos primeiros missionários. Em algumas, há mais estudantes muçulmanos do que cristãos, assim como entre os funcionários e professores. Nós temos professores de ambas as religiões que ensinam juntos. Este é um belo exemplo. E o mesmo acontece em nossos hospitais. Em Karachi, a arquidiocese tem dois hospitais. Mas no momento não temos médicos católicos ou cristãos, apenas uma médica que veio como voluntária por dois anos. Anteriormente ambos eram dirigidos por freiras; hoje passaram para a diocese, que se serve também de médicos e enfermeiros muçulmanos. Outro exemplo: durante as festas do Islã, os cristãos enviam doces para os vizinhos muçulmanos e vice-versa. Eu diria que é um diálogo natural.

E em nível teológico?

Temos um Centro Cristão de Estudos muito bom, ativo há cinquenta anos para conhecer e compreender o Islã. Foi iniciado como uma iniciativa ecumênica com todas as outras Igrejas cristãs. Então, há anglicanos, metodistas, luteranos, presbiterianos. E todos juntos contribuímos com a gestão. Temos uma boa biblioteca sobre esse assunto. E muitas conferências, seminários ou grupos de estudo são organizados, onde os muçulmanos também são convidados a participar.

Qual é a situação da educação hoje no país?

Como eu disse, a taxa de alfabetização é de cerca de 50%. Nós não temos estatísticas exatas, mas há uma grande necessidade de educação. Muitas escolas pertencem a cristãos, com uma excelente reputação pela boa qualidade da educação, pelos valores que transmitem e também por serem mais baratas do que as instituições privadas administradas comercialmente. Em 1972, o governo socialista nacionalizou a educação. Mas depois de quase trinta anos, os sucessivos governos gradualmente restituíram essas escolas aos proprietários originais, embora as tenham devolvido em más condições. Tivemos que reformá-las, até mesmo reconstruí-las. Então, agora elas estão em nossas mãos novamente e há uma grande demanda, especialmente para as jovens, cuja educação é cuidada pelas freiras. Os pais de bom grado enviam suas filhas, porque sabem que terão uma boa educação moral. Ademais, caso se olhe para a breve história do país, também os presidentes estudaram em nossas escolas, bem como muitos funcionários públicos, soldados, embaixadores e outros funcionários.

Como vocês fazem para manter esta rede educativa?

Nós não recebemos ajuda do governo. Mas não podemos impor taxas muito altas: devemos pensar nas pessoas pobres e na comunidade cristã, mesmo porque a maioria dos cristãos provêm de um nível econômico inferior da sociedade. Há quase 300 escolas católicas em todo o país, nas 7 dioceses. Somente em Karachi são 56. Muitas delas são pequenas e surgem nas áreas mais pobres. Precisamos encontrar os fundos e também entender como podemos expandir essa rede. Sem esquecer que a questão educacional no Paquistão está ligada ao fenômeno do trabalho infantil, porque os pais pobres pensam que é melhor enviar seus filhos para ganhar algo antes que para a escola.

Qual o papel dos consagrados na evangelização e na vida da Igreja?

A liberdade de religião é sancionada em nossa Constituição: todos são livres para acreditar, praticar e propagar sua crença. Mas quando, de 1977 a 1988 tivemos a ditadura milita, que introduziu a lei da blasfêmia, a palavra "propagar" foi retirada do texto constitucional. Aqui nos perguntam por que queremos os missionários, porque a ideia de proselitismo está ligada a eles. E nós respondemos que precisamos deles para a nossa comunidade, para guiar orações, para ensinar o catecismo.

O que o futuro reserva aos cristãos no Paquistão?

Nosso compromisso desde a criação da nação em 1947 foi uma questão de identidade. Inicialmente, o fundador Mohammad Ali Jinnah tinha uma ideia muito ampla do Paquistão como uma terra para os muçulmanos, mas também como uma democracia moderna. E assim somos uma democracia e os muçulmanos moderados dizem que não ter nenhum problema. Mas ao longo dos anos tem havido uma pressão crescente de grupos fundamentalistas e partidos políticos extremistas. Se o governo proíbe uma organização extremista, esta simplesmente muda de nome e passa a operar de outra forma. Eles querem fazer do Paquistão um estado teocrático. Mas nós, como cristãos, continuamos a falar, mesmo se cada vez tenhamos que levantar a voz e nos manifestar nas ruas para nos fazer ouvir. Nós não somos uma minoria invisível ou escondida. Nós não somos uma minoria silenciosa. Quando temos problemas, somos capazes de fazer ouvir a nossa voz. Eu mesmo conduzi muitas manifestações pacíficas nas ruas, para chamar a atenção do público para os nossos direitos. É claro que o problema não vem dos muçulmanos que encontramos todos os dias, mas sim dos grupos fanáticos ou extremistas. O que está acontecendo em nível internacional também está nos afetando, como aconteceu com a guerra no vizinho Afeganistão. De resto, ao contrário do que acontece na Europa, o sentido religioso ainda está muito vivo e é parte integrante de nossa cultura. Toda a vida é intercalada pela oração. E no mês do Ramadã todos os restaurantes estão fechados durante o período de jejum do nascer ao pôr do sol.

O que se espera para o futuro?

Se prevalecer uma visão radical, será muito difícil para nós. Assim como foi quando em 1972, o governo nacionalizou todas as nossas escolas. Houve uma desilusão. Mas agora as coisas mudaram. Recuperamos a maior parte dos institutos e continuamos a servir o país nos hospitais; trabalhamos com os portadores de necessidades especiais graças às freiras, e com os toxicodependentes; nós temos a Caritas Paquistão conectada com a Caritas internationalis. Sempre que há um desastre - e temos muitas inundações e terremotos no país - estamos sempre na linha de frente da ajuda. Um trabalho que a Igreja realiza não só para os católicos, mas para todos. E a maioria dos cidadãos aprecia isto. Em nível Caritas, trabalhamos em estreita colaboração com o governo. Nós não somos uma Igreja escondida. Como demonstra a história da Irmã Ruth Pfau, a religiosa alemã das Filhas do Imaculado Coração de Maria que por mais de cinquenta anos trabalhou aqui para combater a lepra. Quando faleceu no ano passado, algo realmente encorajador e maravilhoso aconteceu: ela teve um funeral com honras de Estado. Foi a primeira vez na história da República Islâmica do Paquistão que um não-muçulmano recebeu essa honra, testemunhando o alto respeito que todos tinham por ela. A cerimônia contou com a presença do primeiro-ministro, do governador, dos três chefes do exército, da marinha e da aeronáutica. Foi realmente uma surpresa e um motivo de orgulho. O trabalho da Irmã Ruth continua em seu hospital, o Centro de Hanseníase Marie-Adelaide, e agora a lepra, embora não estando ainda completamente erradicada, está sob controle.

Qual é a melhor resposta à violência que afeta os cristãos e o que a comunidade internacional pode fazer para impedir as agressões?

Os ataques terroristas estão prejudicando não apenas os poucos cristãos no Paquistão, mas também os próprios muçulmanos. Esses grupos extremistas querem transformar o Paquistão em um estado teocrático. O país está há muito tempo entre os signatários da Declaração Universal dos Direitos Humanos. É uma democracia e também existem outros países muçulmanos democráticos. Mas os terroristas condenam a democracia como uma ideia ocidental e consideram que ela está em contraste com um sistema puramente islâmico. Eles têm uma visão em preto e branco do mundo: se você não está com eles, você está contra eles. Em dezembro de 2014, por exemplo, atacaram uma escola em Peshawar e massacraram quase 150 crianças, filhos de oficiais do exército. Foi uma represália porque os militares paquistaneses haviam lançado uma operação importante. O problema é que os extremistas não hesitam em matar ou serem mortos. Atentados suicidas são um fenômeno totalmente novo no Paquistão. Suicídio é proibido no Islã, como no cristianismo. A vida é dada por Deus, mas esses extremistas têm uma interpretação diferente.

Como as instituições públicas reagem a isso?

O governo assegura proteção para todas as nossas igrejas; de fato, os policiais continuam a nos recordar que, se houver uma grande assembleia de pessoas, devemos informá-los, porque isso pode se tornar o que é chamado de "alvo fácil" para os terroristas. Não esqueçamos que em 22 de setembro de 2013, dois homens-bomba se explodiram em uma igreja em Peshawar, causando a morte de 127 pessoas e ferindo outras 250. Esse foi o pior ataque sofrido pelos cristãos desde a independência do Paquistão. Também no ano passado houve dois ataques, mas agradecemos a Deus que a segurança foi eficaz e não conseguiram entrar na igreja, ainda que um agente de polícia que protegia o prédio, muçulmano, tenha ficado ferido, assim como alguns transeuntes.

Portanto, esse tipo de terrorismo representa um perigo também para os próprios muçulmanos?

Exatamente. E isso torna tudo ainda mais difícil também para o governo. Agora, em todo lugar, nosso pensamento constante é a segurança: uma preocupação que nunca tivemos antes. Tudo isso começou com a guerra no Afeganistão em 2001, que afetou profundamente a realidade social e religiosa da região. Segundo as Nações Unidas, no Paquistão há três milhões de refugiados afegãos. E o conflito ainda continua. Muitos não querem voltar, e assim uma situação muito complexa foi criada. Também por causa disso, a intolerância em relação aos cristãos cresceu. Ainda que a maioria dos muçulmanos pense de maneira diferente e não cause problemas. De fato, colocamos nossa esperança nessas pessoas. Temos um comitê para os direitos humanos muito válido. É um organismo independente. Também o governo tem sua própria comissão para a justiça e a paz, e conseguimos trabalhar bem com eles também. Além disso colaboramos com outros grupos comprometidos e com inúmeras ONGs. Não podemos permanecer parados e silenciosos, devemos ampliar o âmbito de nosso trabalho, falar de diálogo, ir ao encontro de nossos irmãos e irmãs muçulmanos. Observo que nos últimos anos nós, cristãos, e toda a Igreja no Paquistão, estamos saindo mais de nós mesmos, como exorta o Papa Francisco. Em muitos lugares, no mês do Ramadã, no final do jejum, quando o sol se põe, muitos grupos cristãos convidam amigos muçulmanos. E isso é bom, porque convidar alguém no final do jejum e oferecer comida é considerado algo muito nobre, como uma bênção. Eu vejo que pequenos gestos como estes estão aumentando. Mas acho que temos que fazer mais. Por exemplo, todos os anos, o Papa Francisco, por meio do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso, envia uma mensagem aos muçulmanos pelo Ramadã. Eu sempre espero para recebê-la, o insiro em um cartão de felicitações e o envio a todos os meus amigos muçulmanos, até mesmo para funcionários do governo, e tenho uma resposta muito positiva. Devo também acrescentar que o Pontífice goza de grande estima na comunidade muçulmana.


 

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20 agosto 2018, 10:17