A Páscoa
Dom Murilo S.R. Krieger, scj
Arcebispo de São Salvador da Bahia - Primaz do Brasil
Quando as famílias judaicas se reúnem para a celebração pascal, voltam seu olhar para o passado e destacam a saída de seu povo do Egito, onde era escravo, para a Terra Prometida, onde passou a ser livre. Segundo alguns estudos, esse êxodo teria ocorrido pelo ano 1.450 antes de Cristo, e contou com uma preparação e uma celebração. Na última noite na terra dos faraós, obedecendo às ordens dadas pelo Senhor a Moisés e a Aarão, os israelitas celebraram pela primeira vez, e antecipadamente, esta passagem salvadora: “Nesta noite eu passarei pela terra do Egito e matarei todos os primogênitos no país”. Com o sangue dos cordeiros, que serviriam de refeição para os judeus, deveriam ser marcadas as portas de suas casas: “O sangue servirá de sinal nas casas onde estiverdes. Ao ver o sangue, passarei adiante, e não vos atingirá a praga exterminadora quando eu ferir a terra do Egito. Este dia será para vós uma festa memorável em honra do Senhor, que havereis de celebrar por todas as gerações” (Ex 12, 12-14).
O povo escolhido guardou com fidelidade essa ordem do Senhor. Quando já se encontrava na Terra Prometida, ao se reunir anualmente para a celebração daquele fato, daquela “páscoa” (= passagem), cada família tinha consciência de que estava fazendo “memória” da saída do Egito. “Fazer memória” era muito mais do que recordar um acontecimento passado; era torná-lo presente; era vivê-lo no momento da celebração: “Naquele dia explicarás a teu filho: ‘Isto é pelo que o Senhor fez por mim ao sair do Egito’” (Ex 13,8). Pelo que o Senhor fez “por mim...” Cada pessoa podia, pois, dizer a si mesma: De certa maneira, eu estava presente naquela noite de libertação; a salvação acontece hoje, comigo; no dia de hoje Deus está passando em meus caminhos, para me salvar!
Os apóstolos, que eram judeus, celebravam anualmente a Páscoa. Assim, diante da proximidade dessa festa, tomaram a iniciativa e perguntaram ao Mestre: “Onde queres que façamos os preparativos para comeres a Páscoa?” (Mt 26,17). Jesus lhes deu as instruções e eles as executaram.
Na noite de Quinta-feira Santa, reunido com os apóstolos, Jesus lhes abriu o coração. Em poucas oportunidades como aquela expressou tão abertamente os seus sentimentos: “Ardentemente desejei comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer!” (Lc 22,15). Mas foi além do que estava prescrito no ritual judaico: ao tomar o pão, disse: “Isto é o meu corpo, que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim”; ao tomar o cálice, completou: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,15.19-20). Jesus Cristo quis ensinar-lhes que não estava deixando à sua comunidade apenas uma série de ensinamentos e lembranças: era a sua própria pessoa que ele oferecia. Seu sangue seria derramado para a celebração de uma nova e definitiva aliança.
“Fazei isto em memória de mim”. Para os primeiros cristãos, essa ordem do Senhor se tornou uma agradável obrigação, a ponto de serem “assíduos... à fração do pão” (At 2,42). Eles entenderam que ao fazer memória da vida, morte e ressurreição de Jesus, estavam vivendo a passagem libertadora de Deus em sua vida. Sabiam que pela Eucaristia – também chamada de Fração do pão, Santa Missa, Ceia do Senhor etc. -, Deus passa no meio de seu povo, libertando-o do pecado e da morte, salvando-o e abrindo-lhe novas perspectivas de vida.
A Santa Missa é, pois, a celebração por excelência da Páscoa. Mais do que ser um dos tantos mistérios, é “o” mistério da fé; é a fonte da vida da Igreja, pois dela é que nasce a graça; ela é o ponto mais alto da vida cristã; por ela glorificamos a Deus e obtemos nossa santificação.
Chamados a participar da Páscoa do Senhor, somos convidados a nos unir a Cristo, sacerdote e vítima. Ele não é “um” cordeiro que é ofertado: é “o” Cordeiro de Deus que se oferece livremente ao Pai, por nós. Quando participamos da Eucaristia, somos convidados a nos unir à oferta de Jesus ao Pai pela salvação da humanidade. Há graça maior do que essa?...
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