Dom Erwin Krautler: os 80 anos de um dos maiores bispos brasileiros
Cristiane Murray - Cidade do Vaticano
Ainda hoje, pisando o solo brasileiro – terra escolhida para ser a sua – Dom Erwin é aguardado por dois ‘amigos’ da escolta policial com quem convive e que o protege das ameaças de morte que vem sofrendo há 30 anos. O bispo nascido austríaco completa neste dia 12 de julho 80 anos.
Juventude e formação
Aos 19, ingressou na Congregação dos Missionários do Preciosíssimo Sangue em Schellenberg, Liechtenstein. Jovem ativo, Erwin tocava violão, cantava, fazia teatro... e sonhava ser padre, missionário; queria um mundo justo, fraterno, solidário, cristão. O jovem que já conhecia Santa Teresinha de Lisieux, cuja imagem vira quando menino na Igreja Matriz da aldeia natal Koblach, a reencontrou anos mais tarde, diante de sua primeira crise vocacional, e se apaixonou definitivamente.
Estudou Filosofia e Teologia em Salzburgo, onde se ordenou padre em 1965. Celebrou sua primeira Missa em 18 de julho, com o povo de Koblach; e em 25 de novembro daquele mesmo ano já estava no Pará. Lá, no Xingu, seu tio Eurico era bispo e era para onde seus sonhos de criança o levavam, quando ouvia com a família os relatos sobre os índios Kayapó.
Embarcou em um navio cargueiro de Hamburgo, no norte da Alemanha, e desceu em São Luís do Maranhão. De lá para Belém e, em seguida, Altamira. Beirando a costa francesa, prometeu a si mesmo que voltaria ali para visitar a terra de Teresa.
Prelazia do Xingu era a maior circunscrição eclesiástica do Brasil, com 365 mil quilômetros quadrados
Lá, Padre Erwin foi vigário, pároco, reitor, professor de Filosofia Educacional e Psicologia Educacional; ecônomo ; encarregado pastoral. E descobriu que a primeira capela construída pelos Missionários do Sangue de Cristo era dedicada a Santa Teresinha. Seu primeiro barquinho também recebeu este nome.
Aos 41 anos, em novembro de 1980, Papa João Paulo II o nomeou bispo coadjutor da Prelazia do Xingu. No ano seguinte, recebeu a cidadania brasileira e foi nomeado bispo, sucedendo a seu tio Dom Eurico. Visitou comunidades em todas as partes da imensa Prelazia, viajando de barco, de jipe, de avião e a pé, onde não havia estrada nem rio. Viveu os sofrimentos do povo simples, abandonado e oprimido; à margem, excluído do “banquete da vida“. Virou ‘parente’ dos indígenas; em 1983 foi jogado no chão, humilhado e preso pela polícia militar enquanto defendia canavieiros em um acampamento na Transamazônica. Eram agricultores que haviam trabalhado e não recebiam salário. O bispo não os deixou sozinhos.
Na mira dos poderosos
De 1983 a 1991, Dom Erwin foi Presidente do Conselho Indigenista Missionário (CIMI): outros tempos difíceis. O bispo falou no Congresso, contatou deputados e senadores, tentando convencê-los de que os índios precisavam ser considerados cidadãos adultos, donos de sua história, brasileiros e brasileiras com todos os direitos respeitados, inclusive em relação às suas terras ancestrais, suas línguas, expressões culturais e tradições, suas organizações. Começaram as ameaças de morte. Em 1987, um acidente de carro suspeito quase lhe tirou a vida e provocou a morte instantânea do Padre Salvador Deiana, missionário xaveriano que o acompanhava. Dom Erwin passou 6 semanas internado, velado por Santa Terezinha.
Em 1992 foi enviado como Delegado da CNBB à IV Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe em Santo Domingo; em 1995 eleito responsável pela Dimensão Missionária da Igreja no Brasil, cargo que ocupou até 2003; em 1997, participou do Sínodo da América no Vaticano.
Martírio de Dorothy e Padre Tore
Dom Erwin acolheu a missionária estadunidense Irmã Dorothy Stang em 1982 e a sepultou em 12 de fevereiro de 2005, barbaramente assassinada por combater com o bispo pelos direitos das comunidades camponesas e indígenas e pela preservação ambiental na região amazônica.
Em 2007 foi Delegado da CNBB na V Conferência Episcopal Latino-Americana e do Caribe em Aparecida; e eleito presidente do CIMI por mais um quadriênio, missão que se renovou em 2011.
Pioneiro na denúncia da exploração sexual de adolescentes, do assassinato de meninos no estado; da ação ilegal de latifundiários, grileiros, madeireiros e fazendeiros com práticas de trabalho escravo e de destruição ambiental, Dom Erwin lutou com tudo o que lhe foi possível contra a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, que afeta comunidades indígenas e camponesas.
A trajetória de Dom Erwin é reconhecida por entidades de todo o mundo; recebeu dezenas de prêmios de direitos humanos e títulos doutor honoris causa, fala tão bem o grego clássico quanto a língua dos Kayapó, e é autor de publicações em alemão e português.
Hoje Dom Erwin Krautler é o coordenador para o Brasil da Rede Eclesial Pan-amazônica e membro do Conselho Sinodal para o Sínodo Especial dos Bispos para a Pan-amazônia, programado para outubro de 2019.
E por fim, Dom Erwin é também amigo da equipe do Programa Brasileiro da Rádio Vaticano há décadas e somos muito orgulhosos que ele seja um bispo brasileiro, por escolha.
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