Deserto sírio voltará a florescer, diz com esperança o cardeal Zenari
Gabriella Ceraso - Cidade do Vaticano
A Síria é um "mar de sofrimento", "não um inferno na terra" mas um "calvário moderno", no qual muitos SimãoS de Cirene e muitas Verônicas amparam e compartilham os pesos de um povo atormentado. Neles reside a coragem de olhar para o amanhã.
Entre a dura realidade e a esperança cristã, o núncio apostólico na Síria, em Roma nestes dias dias, fala ao Vatican News sobre a atual situação na Síria.
A terrível bomba da pobreza
Nos olhos e no coração, o cardeal Mario Zenari traz sobretudo o rosto de milhões de mulheres sírias que a guerra violou com uma sistemática "industrial" e dezenas de milhares de crianças que não podem ir à escola, que não podem ser assistidas, que estão longe de suas casas ou que morreram:
R. – Senão caírem mais as bombas - venho repetindo há algum tempo - há uma terrível 'bomba' que causa problemas e que atinge, segundo os últimos dados da ONU, 83% da população obrigada - por causa da assim chamada "bomba da pobreza" - a viver abaixo da linha da pobreza. São números muito, muito impressionantes. E depois não devemos esquecer esse desastre humanitário, o mais grave desde o final da Segunda Guerra Mundial, que de acordo com estatísticas recentes, fala de 5 milhões e 900 mil deslocados internos, às vezes deslocados diversas vezes; e 5 milhões e 600 mil refugiados nos países vizinhos, em um total de cerca de 12 milhões de pessoas, metade da população que antes da guerra totalizava 23 milhões, e hoje é forçada a viver fora de suas casas, dos povoados de sua própria terra.
Ruínas não são somente materiais
Viver é difícil, explica o cardeal Zenari, continuando a falar dos números impressionantes. As pessoas estão desiludidas, falta tudo: muitos que desfrutavam de um certo bem-estar, agora pedem esmolas por causa da pobreza galopante. Os setores mais atingidos são a saúde e a educação. Hoje, 54% dos hospitais públicos na Síria estão fechados ou funcionam apenas parcialmente, e as mortes por falta de cuidados e assistência são mais numerosas do que os mortos na guerra.
Também no lado escolar, as feridas são graves: uma escola em cada três não funciona mais e dois milhões de crianças não podem ir às aulas. A este propósito, um facho de luz vem dos frutos trazidos pela iniciativa "Hospitais Abertos", iniciada precisamente pelo cardeal com a ajuda do Papa Francisco há três anos, em três estruturas católicas entre Damasco e Aleppo, reformadas para prestar assistência aos mais pobres, de qualquer etnia ou religião.
R. - Eu já estive várias vezes nesses três hospitais e as pessoas pobres doentes são muito agradecidas e, em particular, os muçulmanos que levam seus parentes para serem tratados, porque na mentalidade deles, eles não esperam que um cristão ajude um muçulmano, e assim há bonitos gestos de gratidão. Eles reconhecem que, para além das reservas que tinham, a Igreja ajuda a todos. E então percebi que esses hospitais têm dois propósitos: tratar o físico, buscando dar alta aos doentes, mas ao mesmo tempo curar e melhorar as relações sociais, porque o que foi arruinado na Síria não são tanto os prédios destruídos que impressionam, mas também o tecido social. As relações entre as pessoas estão bastante deterioradas e as pessoas não confiam mais, e assim, nesses hospitais, tendo esses dois propósitos, se chega realmente a um grande resultado.
O acordo político, um passo encorajador
As sanções internacionais também pesam sobre as pessoas - observa o núncio Zenari – especialmente a falta de combustíveis para aquecimento doméstico, o que torna o inverno já longo e frio na Síria, mortal para muitos.
E depois há a instabilidade política: o cardeal reflete sobre o acordo que, com o apoio da ONU, levou o governo e a oposição à criação de um Comitê constitucional que deve se reunir em 30 de outubro. "Após meses de impasse, chegou-se a um acordo que é um passo encorajador, mas a situação continua difícil para milhões de sírios".
R. - No Oriente Médio, como sabemos, há um ciclone, um tornado, e não é preciso muito para demonstrar isso. É uma rivalidade entre países. De acordo com o que foi dito pelo enviado especial das Nações Unidas, existem nos céus sírios ou em solo sírio, cinco exércitos entre os mais aguerridos do mundo e às vezes há conflitos entre eles, com o perigo que daí advém. Assim a Síria está no olho deste ciclone. Não devemos esquecer que se tornou o local de uma guerra por procuração. E alguns desses países do Oriente Médio combatem a guerra na Síria. Sendo assim, como a Síria poderá sair amanhã dessa crise? Eu diria que o amanhã está muito distante.
Sinais de esperança diante do "calvário moderno"
Onde encontrar então sinais de esperança? Eles existem na Síria? Poderia o retorno de muitos compatriotas emigrados para o exterior ser um sinal positivo e encorajador para a população que permaneceu?
Nesse ponto, as palavras do cardeal Zenari são pronunciadas com maior dificuldade. O núncio fala de "inferno na terra", da violência que o causou e que define como um "crime atroz e cruel".
Mas o mal não poderá prevalecer. Há um deserto que na Síria floresce todos os anos em março: eis que em breve haverá outra floração a partir de sementes invisíveis e lançadas ali, em um solo pedregoso e árido. E em tudo isso, a Igreja é chamada a permanecer ao lado da população: a proximidade é hoje a oportunidade para mostrar a verdadeira face do cristianismo.
R. - Toda a Síria é um calvário. Porém quero enfatizar que, ao longo do caminho da Cruz de Cristo, estava Simão de Cirene que ajudou Jesus a carregar a Cruz, e Verônica, que enxugou seu rosto. E muitas vezes enfatizo essas Verônicas, estes Cirineus e estes bons Samaritanos. Alguns deles, cerca de 2000, alguns deles voluntários, perderam a vida socorrendo a Síria. Há que se curvar diante do sacrifício deles. Nessas Verônicas, nesses Samaritanos e nesses Cireneus, eu coloco as organizações humanitárias, as Igrejas, também aquelas na linha de frente, que buscam enxugar o rosto desfigurado de Cristo. Eu definiria portanto a Síria, como um calvário moderno, onde não faltam essas pessoas generosas que dão esperança. Cedo ou tarde, se sairá desta Sexta-feira Santa e a Páscoa chegará também para a Síria.
Êxodo dos cristãos, uma janela que se fecha
"Virar página" é, portanto, o leit motiv que o cardeal repete. Olhemos para além da destruição: acredito que esta é uma grande oportunidade para a Igreja se manifestar pelo que é. Não o proselitismo, mas a proximidade, algo que toca de maneira muito particular os muçulmanos: "tínhamos preconceitos, nos dizem", conta o núncio, "agora descobrimos que os cristãos são diferentes".
As últimas palavras de nossa conversa com o cardeal Zenari são sobre a ferida que toca a carne viva das Igrejas da Síria: a emigração. É um êxodo que é vivido como uma perda.
"Quem emigra para países ocidentais, é difícil que volte". Então, como podemos estancar essa sangria? Do núncio, duas propostas: obviamente parem a guerra e depois assegurar que nesses países do Oriente Médio os cristãos se sintam iguais a todos os outros cidadãos, em direitos e deveres.
Cristãos na Síria, uma janela aberta para o mundo
R. - O sofrimento mais grave das Igrejas é a emigração de cristãos. Um fato aceito por todos é que mais da metade emigrou. É difícil dizer quão consistente é essa metade. Mas é o dano mais grave infligido às Igrejas e não apenas à sociedade, porque os cristãos estão na Síria há 2000 anos, como presença não apenas de fé, mas também de construção do país. Pensemos no que fizeram as Igrejas no campo da assistência e da educação e até mesmo no campo político. Gostaria de recordar de 1946, o primeiro-ministro cristão protestante, Fares el-Khoury. Os cristãos, portanto, também deram sua contribuição ao compromisso social, com uma mentalidade aberta e universal. Trago sempre esta imagem como exemplo: para a sociedade síria, os cristãos são uma janela aberta para o mundo e o presidente e os chefes de Estado reconhecem isso. Se os cristãos partirem, corre-se o risco de se ter uma sociedade monocultural e monoreligiosa.
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