Ser católico na Tailândia: graça e responsabilidade
Bianca Fraccalvieri - Bangcoc
A vida de um católico na Tailândia é feita de inúmeros desafios num país de maioria budista: da solidão, por às vezes não poder compartilhar a fé com uma comunidade, mas também do amadurecimento e do crescimento da própria espiritualidade que essa experiência comporta.
Maria Elizabete Ferreira de Souza é xaveriana, da arquidiocese de Londrina, e mora desde 2009 na Tailândia. A congregação tem duas comunidades no país: uma em Bangcoc e outra no norte, na província de Nan, perto do Laos.
Nesta província (que corresponde a um Estado brasileiro), há uma só paróquia, que abrange uma vasta região de cerca de 300 vilarejos. Na cidadezinha sede da paróquia, não há sequer um único católico: há somente o pároco, redentorista, e quatro irmãs. Neste contexto, as missionárias vivem o carisma do primeiro anúncio:
“A gente vive a vida do povo: a gente participa dos funerais, da vida e da morte, do nascimento, do casamento. E a evangelização passa não através das palestras, de encontros, porque o número de cristãos é muito disperso numa região muito vasta. E quando a gente vai visitar um doente, uma criança com deficiência, eles perguntam: ‘Ué, por que essa pessoa veio visitar esta pessoa?’. Porque a religião predominante é o budismo, eles acreditam no carma. E na crença do carma, aquela pessoa nasceu daquele jeito porque ela está pagando o carma, porque na outra vida foi ruim. Nós não acreditamos nisso. Acreditamos que aquele filho, aquela criança, aquele jovem, aquele senhor, é filho de Deus, amado de Deus, não é um condenado. E para eles, visitar essas pessoas, levá-las ao hospital, é tempo perdido. ‘Para quê? É o carma dele.’ E a gente não, a gente não acredita nisso e tenta recuperar a pessoa no seu todo: no físico e também no espírito.”
Quem não acredita em Deus acredita em tudo
Se no Brasil é “normal” ser católico, na Tailândia não é: “É uma graça”, afirma a Ir. Elizabete.
“A Tailândia é realmente um país de primeiro anúncio, onde Cristo ainda não foi anunciado para todos. Tantos nunca ouviram falar de Deus. Para mim, sendo brasileira, é normal ser cristã. Mas não é. É uma graça muito grande. Sempre ouvi dizer que a fé é um dom, uma graça. Mas agora entendo o significado que estas palavras têm vivendo na Tailândia. Não é a mesma coisa uma pessoa que nasce, cresce, vive e morre sem conhecer Deus e uma pessoa que conhece Deus. Agora tem muita gente no Brasil, na Europa – que virou um pouco moda – que escolhe ser ateu, mas em todo caso ele sabe que Deus existe. Não acredito que os cristãos sejam melhores do que ninguém, mas tem uma diferença: esta certeza de que a gente tem um Pai bondoso, misericordioso, que está nos esperando, nos dá a alegria desde agora. Mas quando a gente não conhece Deus, seja a vida, seja a morte, é causa de medo, porque você não sabe de onde veio e, pior, não sabe para onde vai. E se apega a tudo, porque quando a gente não acredita em Deus, acredita em tudo.”
Futebol brasileiro
A missionária trabalha, sobretudo, com a juventude e as crianças. Ela coordena um grupo de 12 jovens, os “Jovens missionários”, dos quais apenas dois são católicos. Além de ser uma graça, ser cristão implica também responsabilidade. Esta dimensão é explicitada com um fato envolvendo o futebol brasileiro e um jovem do grupo:
“Uma coisa que eles gostam do Brasil é o futebol. Um dia a gente estava vendo um jogo e um jovem viu um jogador brasileiro que, quando fez gol, fez o sinal da cruz. Ele ficou maravilhado: ‘Irmã, ele fez o sinal da cruz, ele é católico!’. Eu fiquei cheia de moral: ‘Sim, ele é católico’. E ele perguntou: ‘É verdade que no Brasil todo mundo é cristão, todo mundo conhece Jesus?’ ‘Sim, é verdade’. Ele olhou para mim: ‘Então não existe ladrão?’ Eu falei: ‘Nossa Senhora, olha a responsabilidade! Somos vistos no mundo como um país cristão.’ Isso me despertou para a responsabilidade que nós temos. E para sair desta, eu falei para o menino: ‘Assim como no budismo tem budista que não é realmente budista, só por nome, também tem cristão que é cristão só por nome’. Tive que falar assim para não ficar com muita vergonha.”
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