Os idosos e o risco de cancelar a memória de um povo
Benedetta Capelli – Cidade do Vaticano
Pode-se ver o medo marcado nos olhos dos nossos idosos. Olhos que exprimem o temor por uma vida que se apaga, que em outros momentos seria natural, mas que hoje “nestes dias de tanto sofrimento há algo de injusto e trágico”, conforme as palavras do Papa na Missa na Santa Marta no dia 27 de março. Não podemos dar um conforto, pegar na mão daqueles que amamos a vida toda, dizer uma palavra de amor. Não podemos fazer nada disso.
As raízes de uma sociedade
Os noticiários falam de Casas de Repouso em isolamento, de asilos onde o contágio do coronavírus continua a aumentar, de localidades isoladas por este motivo. A morte de idosos não pode ser arquivada com facilidade, fazer assim seria como aceitar a “cultura do descarte” que o Papa Francisco nos ensinou. O desaparecimento dos idosos é a perda de sabedoria, de memória, de ensinamentos, de diálogo que se interrompe com os jovens. São eles que, em muitos casos pagaram com a aposentadoria os boletos dos filhos que não poderiam pagar, são os avós, os companheiros de brincadeiras com os netos, uma força que permitiu aos filhos economizar com baby sitter, despesa que acabaria com o salário deles.
Padre Alessio é o diretor do Centro Don Orione para Idosos de Bérgamo, e está em isolamento porque é positivo ao coronavírus. Para ele os idosos são a sua vida, os destinatários do seu ministério sacerdotal, companheiros e amigos que em muitos casos teve que saudar pela janela, abençoando-os de longe. Seu depoimento:
Pe. Alessio: Quando estava tudo calmo e estávamos bem, os idosos viam os enfermeiros em seus uniformes normais. Todos os dias tinha abraços, saudações, conversas etc. Hoje, ao contrário, os enfermeiros são quase irreconhecíveis. Quando vêm aqui, algumas vezes, porque sou positivo ao coronavírus, tenho dificuldade em reconhecer a pessoa que está dentro do macacão, que usa máscara e proteções em todo o corpo. Acredito que isso seja um choque para os idosos, porque não vendo mais suas figuras familiares, como por exemplo, Mara, Roberta ou outra enfermeira que estavam acostumados, com as quais tinham uma relação quase familiar, sentem-se mais sós do que nunca, creio que seja um choque muito grande.
Na missa na Casa Santa Marta, o Papa Francisco falou sobre o medo dos idosos. O medo de ficarem sós nas casas de repouso, nos asilos, ou em casa mesmo. O medo que se faz solidão, que os faz sentirem-se esquecidos.
Pe. Alessio: Infelizmente é a realidade. Mesmo em quarentena, eu ligo duas vezes por dia para os funcionários e peço sempre para saudarem os idosos internados. É uma saudação que chega de algum modo, porém creio que possa ajudá-los, dar uma pequena contribuição, um pequeno sorriso para ir adiante.
No início falava-se de coronavírus como uma doença que atinge principalmente os idosos. Hoje os números demonstram uma realidade que assusta…
Pe. Alessio: Assusta. Estando em quarentena o que me recorda é a morte dos inocentes, de pessoas que se conhecem, pessoas que estavam bem e agora morrem sozinhas. Seus caixões são levados ao necrotério, sozinhos, não são vistos pelos parentes que não podem acompanhá-los nem mesmo ao cemitério. Digamos que falta esta parte final da vida de uma pessoa que morre, o contato, o ver, o ouvir, o acompanhamento final. Sem dúvida, dá medo, porque ninguém quer ficar sozinho nos últimos momentos de vida. Precisam do contato de uma mão, da ajuda das pessoas para não se sentirem sós e para percorrerem o último trecho de suas vidas com mais serenidade. Dói no coração saber que por causa de um vírus uma pessoa deve deixar este mundo porque foi contaminada.
O que significa perder um idoso?
Pe. Alessio: Perder um idoso significa perder também um dos pontos de referência, perder alguém que tem experiência, que no decorrer da nossa juventude nos ajudou, que foi um exemplo. É uma pessoa que parte, que falta. Sentimo-nos incapazes, impotentes de poder ajudar, de poder dar um conforto.
Há uma luz nesta noite?
Pe. Alessio: Eu acredito que sim, tem uma luz no fim do túnel, algo que nos faz ir adiante. Somos testemunhas de muitas mensagens que nos dizem para ficarmos firmes, que tudo vai dar certo. Há esta esperança dentro de nós que nos diz que virão dias melhores. Talvez tenhamos que esperar, tenhamos que ter mais confiança no Senhor, tenhamos que rezar para que esta luz possa realmente entrar de maneira definitiva e trazer um clima de confiança, de amizade, também de ternura nas nossas relações com os outros. O importante é saber esperar e também elevar o olhar para o Senhor porque dependemos totalmente d’Ele, portanto vamos adiante com a esperança de que o Senhor nos ajude a passar por este momento.
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