Anchieta: um dos precursores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus
Bruno Franguelli, sj
A devoção ao Sagrado Coração de Jesus difundiu-se por toda a Igreja, de modo especial, a partir das experiências místicas da grande apóstola do Coração de Jesus, santa Margarida Maria Margarida Alacoque, reveladas ao seu diretor espiritual, o padre jesuíta São Claudio de la Colombiere, em Paray-le-Monial, França. Com a fundação do Apostolado da Oração, em 1844, no seminário da Companhia de Jesus de Vals, a devoção se propagou por todo o mundo e o Apostolado tornou-se um dos mais numerosos e significativos movimentos da Igreja. Mas, talvez, o que poucos sabem, é que esta devoção já era presente e propagada através dos grandes místicos da Igreja, desde a Idade Média.
Um dos precursores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus é São José de Anchieta, o Apóstolo do Brasil. Em meados de 1563, na praia de Iperoig (Ubatuba/SP), com apenas 29 anos de idade e refém dos índios Tamoios, o jovem Anchieta compôs o maior poema dedicado a Virgem Maria, com quase 6 mil versos. Além de possuir relevância histórica e literária, o poema é um verdadeiro tesouro místico que revela a profunda e vigorosa vida espiritual de Anchieta. É exatamente dentro deste magnífico poema que encontramos um dos mais antigos hinos ao Sagrado Coração de Jesus.
HINO DE AMOR AO CORAÇÃO DE JESUS
Ó Coração Sagrado,
não foi o ferro de uma lança que te abriu,
mas sim o teu apaixonado amor por nós!
Ó caudal que borbulhou no seio do paraíso,
de tuas águas se embebe e fertiliza a terra!
Ó estrada real, porta cravejada do Céu,
torre de refúgio, abrigo de esperança!
Ó rosa a trescalar
o perfume divino da virtude!
Pedra preciosa com que o pobre compra
um trono no Céu!
Ninho em que as cândidas pombinhas
depositam seus ovinhos,
em que a pomba casta alimenta alimenta seus filhotes.
Ó rubra chaga,
que reverberas de imensa formosura
e feres de amor os corações amigos!
Ó ferida que abriste
com a lança do amor, através do peito divinal,
estrada larga para o Coração de Cristo!
Prova de inaudito amor
com que ele a si nos estreitou:
porto a que se acolhe a barca na procela!
A ti recorrem do inimigo fero,
medicina pronta a toda a enfermidade!
Em ti vai sorver consolação o triste
e arrancar do peito opresso a carga da tristeza.
Não será frustrada a esperança do pobre réu
que, depondo o temor,
entra nos palácios do paraíso,
por tua via.
Ó morada da paz!
Ó veio perene da água viva
que jorra para a vida eterna!
Só em ti, ó Mãe, foi rasgada esta ferida,
só tu a sofres,
somente tu a podes franquear.
Deixa-me entrar no peito aberto pelo ferro
e ir morar no Coração de meu Senhor;
por esta estrada chegarei
até às entranhas deste amor piedoso;
aí farei o meu descanso, minha eterna morada. Aí afundarei os meu delitos
no rio de seu sangue,
e lavarei as torpezas de minha alma,
nesta água cristalina.
Nesta morada, neste remanso,
o resto de meus dias, quão suave será viver,
aí, por fim, morrer!
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