REPAM: Irmão João Gutemberg Sampaio, novo secretário executivo
Padre Modino - Vatican News
Acaba de ser nomeado oficialmente novo secretário executivo da Rede Eclesial Pan-Amazônica o Ir. João Gutemberg Sampaio. Como se sente diante desse serviço que a Igreja está lhe confiando?
No primeiro momento, quando fui convidado, já há vários meses, que pediram que eu apresentasse minha disponibilidade, era um momento muito difícil, porque eu sempre pensei que essa função seria para outras pessoas, eu nunca olhava para mim como possibilidade. Então, no primeiro momento foi um susto, devido à responsabilidade que a gente sabe que existe. Mas, eu diria que passei por um verdadeiro processo de conversão, de não olhar para os outros, que eles façam o trabalho, que é a missão, mas que eu também possa somar, porque foram outras pessoas, muito dedicadas com a temática amazônica, que me pediram essa disponibilidade.
Uma vez que eu rezei muito, dialoguei, fiz discernimento comigo e com outras pessoas, quando me disponibilizei, eu me senti em paz, porque é importante, quando assumir uma missão, não ser nada de uma euforia desnecessária, porque não é um troféu, é um serviço muito importante, mas também é importante estar por inteiro, sentir-se disponível e sobretudo confiante, confiante em que é Deus que pede, é uma vocação, qualquer serviço é uma vocação na Igreja, e também porque nós podemos contar com muitas pessoas, isso me tranquiliza.
A REPAM teve um papel fundamental durante o processo de escuta do Sínodo para a Amazônia, ela foi quem recolhei a maioria das vozes da Amazônia. Neste momento em que a Igreja está querendo trazer de volta para o território, mesmo com as dificuldades da pandemia, os resultados do Sínodo para a Amazônia, qual pensa que deveria ser o papel da REPAM nos próximos meses, nos próximos anos?
A REPAM continua aprofundando a sua identidade de rede, e rede significa conexão, é lateralidade, é buscar mais participação de todos os setores da Igreja e também de setores afins, que não sejam necessariamente eclesiais, para o cuidado com a Amazônia. Então, a REPAM continua a sua função de animar esses procesos, pois ela estava na idealização do Sínodo, na realização, e agora no pós-sínodo. Com uma diferença, no Sínodo e no pós-sínodo tem muita mais gente envolvida, que não são necessariamente identificados como REPAM. Então, estamos em um universo mais plural.
E o que seria uma atenção muito prática, que seria pegar todas as propostas do Sínodo, tudo aquilo que o Sínodo sugeriu, que são muitas, são mais de 150 propostas, se vamos alargar, quase 200 propostas, e identificar, que é algo que já está sendo feito, o que compete mais à REPAM, para que pouco a pouco, essas proposições vão sendo colocadas em prática, alimentadas pelo Papa Francisco, que pediu para que se levasse em consideração o Documento Sinodal por inteiro.
Na coletiva de imprensa onde o senhor foi apresentado como novo secretário, dizia que se vê como um instrumento de conexão. Nesse trabalho em rede, o que significaria ser esse instrumento de conexão?
Quando a gente fala em conexão, isso toca muito de perto a minha vocação. Qual é a minha vocação na Igreja? Eu sou um religioso irmão, e eu nunca tive ideia de irmão como título, como uma função. Eu sempre tive irmão como a fraternidade, de viver os laços laterais, de procurar a vivência com outros seres, que são meus irmãos de comunidade, a família, mas na Igreja. Eu sempre tive muita facilidade de ser amigo de todas as vocações na Igreja. Na REPAM, quando a gente fala rede, rede é muito circular, é muita lateralidade, é você chamar muitos iguais para estar juntos. Essa conexão é aprofundar o relacionamento de tantos organismos e de tantas pessoas que tem procurado se conectar com essa agenda amazônica.
Eu, pessoalmente, talvez não vá ser um expoente de desenvolver temas ou desenvolver iniciativas em diferentes áreas, mas é contar com o conjunto dos que podem colaborar para que cada área de conhecimento, de incidência, de espiritualidade, conecte com a REPAM para formar um conjunto harmonioso daquilo que necessitamos para o bom cuidado da nossa Amazônia.
O senhor nasceu em Cruzeiro do Sul, no estado do Acre, na Amazônia, bem perto da fronteira entre o Brasil e o Peru, conhece a Igreja da Amazônia desde criança, trabalhou na Amazônia ao longo de muitos anos, como religioso marista. O que tem significado a REPAM para a Igreja da Amazônia e o que pode significar no futuro?
Quando falamos da Amazônia, nós falamos de um bioma interligado, onde as realidades são interligadas. A estrutura eclesial e a estrutura política, seja dos estados, dos municípios, dos países, das prelazias, das dioceses, elas são determinadas geograficamente, e isso tem o seu valor, porque organiza as coisas. No entanto, a natureza nos ensina que não existe corte entre as realidades do ambiente. Creio que a REPAM é isso, não é anular as realidades que existem, de estado, da organização política ou religiosa, mas é fazer conectar aquilo que é comum de todos, e no enfoque amazônico, porque a Amazônia não pode ser vista como uma realidade igual a qualquer outra. Ela tem realidades que lhe são muito próprias e que são muitos importantes para as outras sociedades e também os outros biomas, os outros ecossistemas.
Eu vejo muito que é um tempo de globalização, onde a ideia perpassa muito mais o território geográfico. A REPAM vai se colocar cada mais como a semeadora de luzes de uma agenda do bem, para o cuidado do que são as comunidades amazônicas e também de outras realidades da Igreja, do planeta, que conectam com essas realidades, para poder fazer a incidência. Desde o local ao geral, desde o plural ao local, em diferentes etapas e níveis que são necessários, social, eclesial, formativo, incidência política, aquilo que é a missão do cristão no mundo.
Tudo isso que está falando nos leva a pensar em um novo termo que, na verdade já estava presente na realidade amazônica há várias décadas, que é o conceito de amazonizar-se, querendo levar os valores da Amazônia para todo o planeta. O que o planeta deveria aprender da Amazônia nesse caminho de amazonização?
Exatamente aquilo que nos ensinam as comunidades tradicionais da Amazônia, que são as mais antigas, são as populações que vivem na nossa região muito antes da era colombiana. E até agora souberam cultivar a sua vida ligada com a Mãe Natureza, sem destruir, vivendo o bem viver. Então, como é que nós aprendemos desses povos, em um momento que o Planeta está em crise, nas questões sociais e ambientais, a reconectar, no espírito comunitário, da circularidade, da comunidade, e no espírito de integração com a natureza, com a integração com as raízes, com os ancestrais.
Como eu escuto muito da Patrícia Gualinga, nossa grande líder do Equador, temos que reaprender a fazer dialogar as realidades da terra com as realidades do céu. Essa experiência, os povos amazônidas trazem muito, até mesmo aqueles que não são nativos, originários da Amazônia, como os ribeirinhos, os seringueiros, que é uma experiência praticamente única no planeta, onde povos urbanos se tornaram nativos, porque vieram décadas atrás, e se tornaram habitantes da floresta. Como eles vivem esta realidade de conexão consigo, com os outros, com a natureza.
Hoje em dia não podemos prescindir da importância da vida urbana, aqui nós temos muito essa expressão sobre como as duas florestas dialogam, a selva de pedra e a selva floresta, esse intercambio urbano e nativo. Então, são vários elementos que podemos dizer que precisamos amazonizar. Mas só que precisamos contextualizar esse termo amazonizar, na verdade é um termo que não nasce de uma proposta da Amazônia, é uma reação ao processo de internacionalização da Amazônia, mesmo globalização, vindo de lá para cá, para consumir. Então, em vez de nos deixarmos invadir de fora para dentro, vamos levar os valores de dentro para fora, que são mais positivos.
Fala-se sobre os povos amazônicos, os povos originários, os povos indígenas. Nos últimos anos, especialmente com o Sínodo para a Amazônia, a conexão entre a REPAM e as organizações indígenas, sobretudo a través da COICA, se tornou cada vez mais estreita. De cara ao futuro, como poderia continuar esse trabalho comum entre a REPAM, a Igreja católica, e as organizações e povos indígenas?
Deve ser cada vez mais valorizado, tanto mais os povos indígenas vão sendo invadidos, denegridos, mais a Igreja precisa viver o papel de Bom Pastor, de Boa Pastora, que não cuida só das suas ovelhas, mas que cuida dos filhos de Deus. Mas eu me baseio muito mais na veracidade dessa necessidade, naquilo que pedem os povos indígenas. Eu tive a benção de participar de três grandes encontros das comunidades indígenas da bacia do Alto Solimões, do Tapajós, em Itaituba, como também no Equador, em Puyo, dos Vicariatos da Amazônia equatoriana. Em todos eles, eu vi as lideranças indígenas pedindo que a Igreja seja parceira com eles, que a Igreja católica seja porta-voz. Porque eles têm muita invasão de sistemas políticos, comerciais, e também religiosos que desconfiguram a sua vida, sua espiritualidade, seu modus vivendi.
Isso que vi nesses indígenas que eu mencionei, eu vi em todos aqueles que estiveram no Sínodo. Quando falavam as lideranças indígenas de outros países era a mesma tônica, queremos a Igreja como nossa aliada, como o Papa em Puerto Maldonado, que exemplo mais bonito e que falas fortes tiveram as lideranças indígenas. Faço memória do meu amigo Santiago, o peruano, que esteve comigo no encontro de Quito sobre ecologia integral e que hoje está sepultado, vítima da pandemia, e tantos outros, todos disseram, e a COICA também, em palavras do seu coordenador, que esteve no Sínodo, sempre a dizer a importância dessa voz de Francisco, a importância da Igreja para com as comunidades primeiras do nosso continente.
Um dos pedidos da Assembleia Sinodal, que aparece no Documento Final, é a criação de um organismo eclesial pan-amazônico, que se concretizou na Conferência Eclesial da Amazônia, um nome que partiu do Papa Francisco, segundo o cardeal Cláudio Hummes, presidente da nova conferência. Qual deveria ser o caminho comum entre a Conferência Eclesial da Amazônia – CEAMA e a Rede Eclesial Pan-Amazônica – REPAM?
Exatamente, um belo momento de se clarear e se intercambiar a identidade de ambas, porque a REPAM vai se configurando como rede, quem sabe a REPAM estava precisando de fazer vários intercâmbios de cunho institucional, enquanto a CEAMA, ela nasce como uma conferência, é algo mais institucionalizado, tem outros poderes. Então, a CEAMA e a REPAM, ambas são eclesiais e ambas são para a Amazônia, ambas são novidade, inclusive para toda a Igreja, porque ela ultrapassa a geografia territorial nacional, e se inspira no bioma e a sociedade desse bioma. A media que a REPAM vai conhecendo a CEAMA, porque nós não temos ainda conhecimento dos estatutos, a CEAMA está nascendo e isso é um grande passo, mas eu acho que é uma grande oportunidade da REPAM aprofundar na sua identidade de rede, uma vez que ela tem agora uma irmã que é mais institucional.
Finalmente, qual seria sua palavra como novo secretário da REPAM para a Igreja da Amazônia?
Que tenhamos um olhar esperançoso. Eu gosto de repetir a frase do nosso grande poeta amazonense, Thiago de Melo, faz escuro, mas eu canto. Se nós somos animados por uma espiritualidade, por um mística conectada com o Deus da Criação, que é o Deus da Vida, e que nós colocamos em prática o que pediu muito fortemente o Documento de Aparecida, que nomeia o Reino de Deus, como Reino da Vida, nós, perante o contexto, que realmente não é tão bom do ponto de vista sociopolítico, que existe muita dificuldade de compreensão do valor das culturas e do valor dos ecossistemas para serem cuidados em favor da humanidade, a REPAM, a Igreja, todo cidadão de bem, toda instituição que quer cuidar do bem viver, precisa cantar, ou então ser estrelas que vão piscando no meio da escuridão, mas uma conectando com a outra, para poder formar uma constelação bonita de esperança e de postura firme naquilo que é a vida.
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