“Fratelli tutti”. Arcebispo de Braga: cada vida, é vida em comum
Rui Saraiva - Vatican News
O Papa assinou a 3 de outubro a sua nova Encíclica: “Fratelli Tutti”, “Todos irmãos”. Com esta expressão, o Papa Francisco recorda o Santo de Assis e propõe “uma forma de vida com sabor a Evangelho”. O Evangelho de Jesus: amar o próximo como a ti mesmo.
Anseio mundial de fraternidade
A nova Encíclica, terceira do pontificado de Francisco, é um texto dedicado à fraternidade e à amizade social que procura acender uma luz de esperança numa humanidade sofrida. Especialmente neste tempo de pandemia.
O Papa Francisco refere-se, precisamente à covid-19, logo no número 7 da sua Encíclica afirmando que esta doença “irrompeu de forma inesperada” tendo deixado “a descoberto as nossas falsas seguranças”.
“Desejo ardentemente que, neste tempo que nos cabe viver, reconhecendo a dignidade de cada pessoa humana, possamos fazer renascer, entre todos, um anseio mundial de fraternidade” – afirma Francisco na sua Encíclica.
Sem fraternidade não há liberdade e igualdade
Iniciamos a partir desta edição um espaço de comentário partindo da Encíclica do Papa. A primeira personalidade que nos vai ajudar a compreender o convite de Francisco à fraternidade e à amizade social é D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga. Em entrevista ao Vatican News, destaca a fraternidade e a parábola do bom samaritano como elementos de novidade na Encíclica do Papa:
“Para mim as duas grandes novidades são: esta da fraternidade acompanhada pela elucidação da parábola do bom samaritano que questiona a Igreja e a sociedade interrogando-se sobre de que lado é que se encontram.”
O bispo português refere que na Encíclica o Santo Padre apresenta a fraternidade como um “princípio político de ação”:
“Parece-me que o essencial está na proposta da fraternidade como princípio político de ação situando-se fora do âmbito estritamente eclesial. Sabemos todos nós que o mundo moderno nasceu da revolução francesa e esta foi orientada pela liberdade, igualdade e fraternidade. Se olharmos um bocadinho para aquilo que norteia hoje a vida pública da comunidade internacional a fraternidade não foi verdadeiramente assumida. E daí as dificuldades em interpretar, justamente, a liberdade e a igualdade. Falta a raiz, falta o fundamento, falta o suporte. Sem fraternidade nunca nos encontraremos em experiência de autêntica liberdade e igualdade. Creio que este é o princípio fundamental e o alicerce de toda esta Encíclica.”
Vida de uns para com os outros
D. Jorge Ortiga considera que o documento “Fratelli tutti” é uma espécie de testamento do Papa no qual a “imagem do bom samaritano” lança um desafio: estamos com o povo ferido ou ignoramos o seu sofrimento e passamos à frente?
“A imagem do bom samaritano, que está presente em todo o desenvolvimento da Encíclica, lançando um desafio à sociedade e à Igreja em primeiro lugar: de que lado é que nós nos colocamos? Se nos colocamos do lado de um povo ferido ou então, pura e simplesmente, ignoramos e passamos à frente” – afirma.
Para o arcebispo de Braga, esta Encíclica tem um significado especial em tempo de pandemia, revelando como a Igreja está atenta aos sinais dos tempos:
“Estamos todos dolorosamente separados uns dos outros, tememos os contactos. Temos medo de entrar em relação. A vulnerabilidade está patente aos olhos de todos. Assim como também a precaridade mostra a verdadeira condição humana. E a ciência confessa também os seus limites. E é um pouco nesta situação do limite que nós reconhecemos que teremos que ser solidários. Nesta conjuntura verificamos que cada vida, é vida em comum, é vida de uns com os outros. É vida de uns para com os outros. A minha vida não depende só de mim, somos parte integrante da humanidade e a humanidade é parte de nós mesmos. Somos um corpo, somos uma família, vivemos e interpretamos a fraternidade.”
Na pandemia evangelizar com o testemunho
Para D. Jorge Ortiga, a Encíclica do Papa Francisco abre uma oportunidade única para o testemunho da fraternidade em tempo de pandemia:
“Pode não ser fácil afirmar que somos filhos de um único Pai. Muitos não acreditarão, mas, para nós os crentes, esta é a grande verdade por excelência. E só depois como consequência é que nós podemos aceitar a fraternidade. Para este momento a evangelização terá que passar por aqui. Mas esta evangelização deve ser acompanhada, sobretudo, pelo testemunho. Há muitas razões provenientes de tudo aquilo que se diz a propósito do covid. E a Igreja tem esta oportunidade única para testemunhar e comprometer-se com a fraternidade. O Papa Francisco tem dito com evidência que não há duas crises: uma crise social e uma crise ambiental. Ele diz que há apenas uma crise e que esta crise que existe hoje é uma crise socio-ambiental. Este é trabalho que a Igreja terá que fazer hoje: ser capaz de se empenhar no social, mas ao mesmo tempo não esquecer a ecologia e uma ecologia integral. E o Papa faz referência a esse aspeto que me parece essencial e que penso que é uma linha de conduta do seu pensamento."
Mas será que as grandes potências do mundo vão ouvir o apelo do Santo Padre? O arcebispo de Braga identifica alguns problemas que impedem a fraternidade e que a Igreja deverá denunciar:
“O mundo admira o Papa Francisco, mas parece que o ouve muito pouco. A sua voz é a voz da Igreja e, muitas vezes, parece que a voz da Igreja brada no deserto. Só que a Igreja seguindo a voz do Papa não pode silenciar-se. Alguns exemplos do que nesta Encíclica é sublinhado e que a Igreja não pode esquecer: no plano político, as relações internacionais terão de mostrar uma colaboração efetiva e não uma soma de interesses nacionais. Continua a haver nações ricas e nações pobres e a fraternidade tem que passar por aqui. E a Igreja tem que o denunciar; a obrigação de proteger os débeis, os mais frágeis, os idosos e os deficientes. Nós sabemos que estes são aqueles a quem Deus mais ama; o problema dos refugiados e dos migrantes; os problemas contra a fraternidade, com tantos conflitos e guerras; o reacendimento dos populismos, o racismo e a campanha do ódio.”
D. Jorge Ortiga, arcebispo de Braga, lançando um primeiro comentário à Encíclica do Papa Francisco “Fratelli tutti”, “Todos irmãos”. Uma entrevista ao Vatican News realizada com a colaboração do departamento para a comunicação social da arquidiocese de Braga.
Na sua Encíclica o Santo Padre indica um caminho a percorrer, por uma fraternidade a procurar. O caminho de “uma única humanidade” no qual cada um traga o que tem para partilhar: “cada qual com a riqueza da sua fé ou das suas convicções, cada qual com a própria voz, mas todos irmãos” – escreve o Papa.
Laudetur Iesus Christus
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