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Estende a tua mão ao pobre

"Enquanto continuar essa lógica das mãos estendidas com cinismo, os pobres e excluídos deste mundo continuarão a sofrer e esperar. É preciso superar o grande egoísmo concentrador e acumulador e passar da globalização da indiferença a uma nova cultura da fraternidade e da solidariedade. Aonde levam um mundo e uma vida sem fraternidade, senão ao sofrimento, à violência e à destruição?", indagou o cardeal Odilo Pedro Scherer, arcebispo de São Paulo, por ocasião do Dia Mundial dos Pobres celebrado neste domingo (15).

Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo de São Paulo

Neste domingo, 15 de novembro, a Igreja Católica celebra em todo o mundo o Dia Mundial dos Pobres, como já faz há vários anos. Para a ocasião, o Papa Francisco publicou uma mensagem significativa, com o título "Estende a tua mão ao pobre", tirado do livro bíblico do Sirácida, ou Eclesiástico.

O autor sagrado reúne uma série de ditos de sabedoria, que ensinam a viver bem; entre esses conselhos, há os que tratam da relação do homem com Deus e também da maneira como devem ser tratados os pobres, doentes e aflitos. Nesses textos sapienciais já aparece uma síntese das obras de misericórdia, nas quais Jesus, no Evangelho, resume o caminho de perfeição para todos e condição para ter parte na vida eterna feliz (cf. Mt. 25).

“Estende a tua mão ao pobre, para que tua propiciação e tua bênção sejam perfeitas” (Sir. 7,36). Oferenda a Deus e amor ao próximo são inseparáveis e complementares. O exercício das obras de misericórdia nunca deveria ser apenas um apêndice opcional à adoração e ao louvor a Deus.

O Dia Mundial dos Pobres foi instituído no final do Ano da Misericórdia – 2016 – para incentivar a cultura do amor ao próximo e a prática do amor aos pobres: dar de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede; vestir quem está sem roupa, acolher quem está sem casa; cuidar dos doentes, consolar os aflitos, sepultar com dignidade os mortos e não fechar o coração diante de quem sofre.

A pobreza só aumenta no mundo e deveria interpelar-nos continuamente, levando-nos a perguntar: como podemos ajudar? O que fazer para superar a situação de pobreza e sofrimento de tantas pessoas ao nosso redor? Somos chamados a envolver-nos na experiência de partilha pessoalmente. “O clamor silencioso de tantos pobres deve encontrar o povo de Deus na vanguarda, sempre e em toda parte, para lhes dar voz, defendê-los, solidarizar-se com eles (...) e para os convidar a participarem na vida da comunidade” (n.º4).

Na sua mensagem, Francisco observa que, durante a pandemia, muitas mãos generosas se estenderam para os doentes ou aflitos: mãos de médicos, enfermeiros, familiares dos doentes, administradores de estruturas sanitárias, sacerdotes, vigilantes, voluntários. E tantas outras mãos estendidas para aliviar o sofrimento dos pobres, consolar e confortar quem foi atingido pela pandemia. Isso precisa ser valorizado e lembrado. Se a pandemia chegou de surpresa, o ensinamento não chegou de surpresa, pois já era uma lição presente no Evangelho, que fez surgirem tantos belos frutos. “Não nos improvisamos como instrumentos da misericórdia” e todos sabemos que também nós precisamos, muitas vezes, da mão estendida para nos ajudar (n.º 7).

A pandemia fez-nos experimentar nossa fragilidade e limitação. Muitas certezas caíram por terra e nos demos conta de nossa vulnerabilidade. Sozinhos não resolvemos os problemas e todos precisamos dos outros. A partir dessa experiência, compreendemos melhor a exigência de uma nova fraternidade, que não exclua ninguém, como o papa Francisco também expressou na encíclica Fratelli Tutti (2020): a solução para os grandes problemas do mundo, como a pobreza, as graves injustiças sociais, o subdesenvolvimento econômico e social, a carências nos serviços públicos básicos para uma vida digna, a violência e a guerra, o cuidado da natureza, tudo clama por uma renovada fraternidade.

Mesmo assim, ainda há tantas mãos fechadas e tantos braços cruzados, insensíveis diante das necessidades e dos sofrimentos dos outros. A indiferença e o cinismo diminuem a capacidade de se compadecer com os clamores do próximo, de chorar diante do seu drama e de cuidar deles. “Há mãos estendidas e prontas para apertar o teclado dum computador e deslocar somas de dinheiro duma parte do mundo a outra, decretando a riqueza de restritas oligarquias e a miséria de multidões, ou a falência de inteiras nações. Mãos estendidas para fechar negócios com a venda de armas e outras, (...) prontas para pegar nessas armas para semear morte e pobreza. Mãos estendidas que, na sombra, trocam doses de morte para se enriquecer e viver no luxo e num efêmero desregramento. Mãos estendidas que, às escondidas, trocam favores ilegais para um lucro fácil e corrupto” (n.º 9).

Enquanto continuar essa lógica das mãos estendidas com cinismo, os pobres e excluídos deste mundo continuarão a sofrer e esperar. É preciso superar o grande egoísmo concentrador e acumulador e passar da globalização da indiferença a uma nova cultura da fraternidade e da solidariedade. Aonde levam um mundo e uma vida sem fraternidade, senão ao sofrimento, à violência e à destruição? O sábio da Bíblia, no mesmo contexto citado no início desta reflexão, tem mais um conselho: “Em todas as tuas obras, lembra-te do teu fim” (Sir. 7,40). Afinal, qual é o objetivo final da vida, senão o amor, a partilha e a fraternidade? A motivação boa e justa de nossas mãos estendidas ao próximo só poderá ser uma: a expressão do amor, que edifica a convivência e traz a verdadeira alegria.

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15 novembro 2020, 15:51