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Campo Limpo, em São Paulo: oração e mão estendida pelo Dia Mundial dos Pobres

“Não há mais para quem pedir, já sinto vergonha dos parentes, com três filhos e marido desempregado, já não temos energia elétrica e nem gás, encontrei não só comida neste gesto, mas uma palavra amiga para não desistir”, confessou uma mãe de família em busca de ajuda na diocese de Campo Limpo. No final de semana, junto com parceiros, a Igreja realizou uma grande ação pelo Dia Mundial dos Pobres e para "consolidar cada vez mais o trabalho de assistência social", contando com "a generosidade dos que podem estender a mão aos mais pobres".

Andrea Rodrigues dos Santos - Diocese de Campo Limpo, São Paulo

‘Estende a tua mão ao pobre’, assim o Papa Francisco intitula e começa a sua mensagem para o IV Dial Mundial dos Pobres, instituído por ele e celebrado em toda a Igreja antecedendo a Festa de Cristo Rei. 

No encerramento do Ano Santo da Misericórdia, em 20 de novembro de 2016, o Papa Francisco instituiu na Igreja Católica - o Dia Mundial dos Pobres -  tendo em vista que, a “fé sem obras é morta” (Tg 2,17), e há muitas situações de pobreza material e espiritual na sociedade, que precisam ser alcançadas, concretamente, com o exercício da misericórdia.

Para celebrar a data e se unir a Igreja Mundial, a diocese de Campo Limpo, Regional Sul 1, através de uma comissão, com representantes que já fazem um trabalho de promoção da dignidade da vida humana, promoveu no último sábado (21), uma ação diocesana de fraternidade e solidariedade com os pobres, que sempre mencionados na bíblia, não têm, um dia de ‘comemoração’, mas de chamada de atenção para as diversas situações de vulnerabilidade das quais estão expostos diariamente.

Mais de 190 voluntários, entre comunidades católicas (Voz dos Pobres, Ruah Adonai, Missão Pieltretina, Dai-me Almas, Madeiro da Cruz) pastorais, movimentos, e grupos independentes, inclusive de não católicos, se reuniram no Centro Pastoral Diocesano para em grupos, e com as devidas precauções, para evitar o contágio pelo novo coronavírus, fazer a distribuição de uma tonelada de alimentos não perecíveis, kits de higiene e limpeza, 650 marmitexs, roupas, brinquedos e atenção.

Na praça, localizada há 800 metros da Catedral Diocesana, no centro do bairro Campo Limpo, zona Sul de São Paulo, uma tenda de orações foi montada e voluntários se revezaram para conversas e acolhimento de quem se aproximava: “vi esta movimentação e quis parar para rezar, desconhecia a mensagem do Papa e este dia dedicado aos pobres. Com esta iniciativa, que eu espero, aconteça outras vezes, podemos refletir sobre o que de fato é prestar uma ajuda que seja solidária”, testemunhou Maria Conceição, 58 anos, que passava pelo local.

Esta primeira iniciativa de forma diocesana deu tão certo que não ficou nos arredores do local de encontro. Segundo a secretária da Pastoral Diocesana, Sheyla Oliveira, todas as nove foranias foram atingidas de alguma maneira. “Com a quantidade de pessoas, carros e doações, podemos atender mais de duas mil pessoas ao longo do dia, visitamos inclusive bairros fora da diocese. A solidariedade de fato não tem limites, o empenho foi tão grande que conseguimos inclusive ajudar um irmão em situação de rua com um tratamento para drogas em uma casa de acolhimento, é o que está escrito na mensagem do Papa para este dia mundial dos Pobres: manter o olhar voltado para o pobre é difícil, mas tão necessário para imprimir a justa direção à nossa vida pessoal e social.”

Oração e doação

Muitas doações foram recebidas antecipadamente, mas para a surpresa da comissão, muitas outras chegaram de forma espontânea durante todo o dia. “Tínhamos uma quantidade insuficiente de garrafas de água, mas o nosso desejo era atender a todos, em menos de uma hora, uma oração e pouca mobilização, conseguimos 450 garrafas de água, além disso, recebemos frutas, como banana e laranjas, que engrossaram as refeições”, salienta uma das voluntárias, Maria, 48 anos.

“Fiquei pensando se deveria ou não vir até aqui trazer minhas doações, com o agravamento novamente da pandemia me preocupei, mas vendo o apelo pelas redes sociais diocesanas, tive que vir fazer a minha parte, a mensagem do Papa é tão clara: “não amemos com palavras, mas com obras”, relata João, 52, anos de máscara e álcool em gel em punho, ao entregar suas sacolas aos voluntários.

Itens como brinquedos e roupas alegraram também o dia de centenas de pessoas, a quantidade recebida foi tão grande que o que não foi doado até o final do dia, foi destinado às casas de acolhimento dos irmãos em situação de rua.

Uma vida salva

Diante das diversas realidades com o consumo de álcool e drogas vivenciada por grande parte dos moradores de rua, a Casa de Acolhimento "Mãe que Acolhe", localizada na cidade de Juquitiba, território diocesano, ofereceu trinta vagas para atendimento especializado para quem quisesse se internar no dia da ação. “Oferecemos para muitos, mas apenas um tomou a decisão e estamos felizes por esta vida”, comentou Euclides, Membro Fundador da Comunidade Discípulos da Cruz.

Euclides falava sobre Wilson Pereira da Silva, jovem franzino aparentando ter mais que seus verdadeiros 43 anos. Wilson vive há 30 anos com o problema do álcool e da droga e passa dias na rua sem sequer dar notícias a seus familiares. “Minha família é muito [bagunçada], desde muito novo comecei a usar droga, eu era novinho como aquele garotinho [aponta para um menino que corria na praça], sabe, tentei muitas vezes dizer não, mas muita gente bateu a porta na minha cara. Vi essa aglomeração e me aproximei porque estava com fome, me deram comida e eu já estava indo embora, pretendia voltar para o centro da cidade, mas algo me prendeu aqui e eu decidi aceitar essa ajuda, uma porta se abriu”, relatou de forma muito coerente e sem inclinações de que desistiria.

“Como Wilson, muitos outros jovens, querem e precisam da mão estendida”, conclui a secretária da pastoral, Sheyla Oliveira. Ao final do evento, Wilson foi levado para a comunidade terapêutica onde, até o final desta reportagem, permanece.

Pandemia x pobreza

A situação pandêmica pela qual passa o país fez engordar o número de pessoas que, tendo perdido o seu emprego e não tendo condições dignas de trazer o alimento para as suas mesas, recorrem à Igreja. “Não há mais para quem pedir, já sinto vergonha dos parentes, com três filhos e marido desempregado, já não temos energia elétrica e nem gás, encontrei não só comida neste gesto, mas uma palavra amiga para não desistir”, confessa Ana, [nome fictício], dado por ela, por vergonha.

Um relatório emitido pela ONU (Organização das Nações Unidas) revela que o Brasil deverá dobrar a pobreza extrema em 2020. De acordo com a avaliação da entidade, o Brasil deve terminar este ano com 9,5% na condição de pobreza extrema. Essa taxa era de 5% em 2019. A extrema pobreza é considerada quando um indivíduo ganha menos de US$ 67 (R$ 353) por mês.

Viver a caridade

O Dia Mundial dos Pobres não quer ser um dia ‘celebrativo’ por esta condição social, mas para servir de alerta sobre a nossa relação com o próximo, principalmente o mais necessitado, além de nos ensinar que a partilha também nos permite viver o Evangelho em sua verdade mais profunda. Com essa ação, a diocese de Campo Limpo quer consolidar cada vez mais o trabalho de assistência social, contando com todos os grupos apoiadores envolvidos no trabalho social e com a generosidade dos que podem estender a mão aos mais pobres.

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24 novembro 2020, 13:57