“Fratelli tutti”. D. José Ornelas: a riqueza da diversidade
Rui Saraiva
Sobre a Encíclica “Fratelli tutti”, “Todos irmãos”, publicamos na semana passada uma primeira reflexão de D. José Ornelas, bispo de Setúbal e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). Apresentamos aqui a segunda parte desse comentário. Uma entrevista realizada com a colaboração do Gabinete de Comunicação da Diocese de Setúbal.
Samaritano, ícone interpretativo
Para D. José Ornelas, a Encíclica “Fratelli tutti” do Papa Francisco apresenta um ícone interpretativo: a figura do samaritano. “A Encíclica, muito sintomaticamente, coloca no centro a figura do samaritano. É o ícone interpretativo desta Encíclica. O samaritano como alguém que é objeto de discriminação, alguém que pertence a essa periferia que não é tida em conta num determinado contexto social, religioso, político e que, de repente, se torna o centro da solução de um problema. Do problema do pobre, do problema da vítima que esta sociedade gera, mas que não tem meios ou não se dedica verdadeiramente a soluciona-lo na sua raiz, que é uma raiz de relacionamento. São todos os relacionamentos humanos que aqui são postos em causa. É um ícone para ser replicado em mudança de atitude e de cultura” – afirma o bispo de Setúbal.
A integração da diferença
Para D. José Ornelas viver a fraternidade é integrar a diferença. “Essa é a cultura de uma justiça da fraternidade, de abertura e não simplesmente uma receita. É deste jeito que se sai disto! Enquanto nós não começarmos a viver o relacionamento entre pessoas, entre sociedades, entre camadas sociais, entre diferentes formas de pensar a política, entre diferentes etnias, entre países, não vamos resolver o problema deste mundo. Bem pelo contrário, vamos só agravá-los porque a conflitualidade vai emergir constantemente. E vai deixar à beira da estrada todos estes que no sistema em que estão inseridos não encontram solução. E a solução tem de vir da integração da diferença” – frisa o prelado.
Na contramão do populismo
O bispo de Setúbal lembra que a Encíclica do Papa propõe uma atitude nova que vai na contramão dos populismos. “Este espirito que nós precisamos de ter como atitude. Uma atitude nova que, como diz o Papa, tantas vezes, vai em contramão das tendências populistas, de um populismo de aproveitar-se de uma realidade para conquista política, com um discurso completamente fora da realidade, mas que galvaniza sentimentos de revanchismo, de frustração, para pô-los ao serviço de um projeto político que nunca vai ser solução. No século XX as duas grandes guerras surgiram, precisamente, da galvanização desses sentimentos nacionalistas extremos e de domínio dos outros que pareciam um discurso de dignidade e de afirmação e que acabaram por ser a destruição total de todos. Porque na guerra ninguém ganha” – salienta o presidente da CEP.
Sonhar um mundo novo
Para D. José Ornelas a Encíclica de Francisco permite sonhar um mundo novo na beleza de uma sociedade que soma a sua diversidade como uma riqueza. “Aquilo que o Papa diz é a beleza do ser pessoa, do ser humano. A beleza de uma sociedade que pode somar a sua diversidade e a riqueza que essa diversidade comporta, que é este mundo todo: desde o planeta que habitamos a toda a vida que nele se radica e a humanidade que devia ser a sua expressão mais bela, finita, sempre imperfeita, mas que é capaz de sonhar esse mundo novo. Este modo de ser evangélico que pode criar uma humanidade nova. E os últimos capítulos falam das diferenças das formas de crer, mas da possibilidade de sonho que elas trazem. E, antes de mais, de um sonho que não se fecha simplesmente na humanidade, mas que olha para além, para algo que está acima da humanidade” – declara.
Irmãos na paternidade de Deus
Para o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa uma das chaves de leitura da Encíclica é a noção de Deus como Pai. “Uma das chaves de compreensão desta Encíclica é a inserção da fé. Como dimensão de uma paternidade que nos torna irmãos. Sem um pai e uma mãe comuns não somos irmãos. Um dos temas muito interessante que é uma das chaves fundamental desta Encíclica é a noção de Deus como Pai. Este não é um Deus que fica a governar, mas é um Deus que ama. E, portanto, a noção de amor, a fraternidade e a amizade social nesta Encíclica, não são simplesmente um resultado interno de uma sociedade ou de um grupo, mas da fidelidade de Deus para com a humanidade. E além disso é um discurso que se encarna, que se faz presente, que se faz cuidador da fragilidade. Então quando nós entendermos que a grandeza absoluta de Deus se transforma e se torna eficaz na medida em que encontra, acolhe e cuida da fragilidade, nós teremos encontrado a receita que a ‘Fratelli tutti’ nos propõe como caminho para a transformação da humanidade” – sublinha.
D. José Ornelas, bispo de Setúbal e presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, comentando a Encíclica “Fratelli tutti” do Papa Francisco. Voltamos na próxima semana no final deste ano de 2020. A todos desejamos um Santo Natal.
Laudetur Iesus Christus
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