Cardeal Odilo Scherer: Igreja em processo de conversão
Cardeal Odilo Pedro Scherer - arcebispo metropolitano de São Paulo
A preparação da Conferência Eclesial da América Latina e do Caribe é um convite a voltarmos ao Documento da 5ª Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, conhecida como Conferência de Aparecida, realizada em maio de 2007. O documento, fruto do trabalho prolongado de preparação e de mais de duas semanas de intenso trabalho daquela assembleia reunida, trouxe uma série de intuições e impulsos novos para a vida da Igreja em nosso continente, e o Papa Francisco pede que voltemos a eles, pois ainda continuam válidos e necessários para a renovação da Igreja.
Uma das questões que perpassam todo o Documento de Aparecida é a conversão, entendida como atitude pessoal, eclesial, pastoral e missionária. O chamado à conversão está presente na palavra dos profetas do Antigo Testamento e na pregação pública de Jesus e dos apóstolos: “O Reino de Deus chegou, convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Jesus chama a voltar-se para Ele, dar atenção à sua presença e sua pregação, acolher o Evangelho e mudar de vida e de direção. O chamado à conversão requer abertura e atenção ao novo que se apresenta e mudança de atitude.
Esse significado de conversão aparece no Documento de Aparecida quando se diz que o discipulado requer constante conversão pessoal e comunitária, para estarmos em sintonia com o Evangelho e com a missão que Jesus Cristo confiou a cada um de nós e à Igreja inteira. O seguimento de Cristo, quando é verdadeiro, deixa marcas na vida pessoal e social. A vida cristã requer constante conversão a Cristo e a Deus, abandono dos vícios e pecados, para que, com a graça de Deus, seja moldado mais e mais em nós o “homem novo”, à semelhança de Jesus Cristo. Até aqui, nada de novo, a não ser a renovação do apelo à conversão aos cristãos e à Igreja toda.
No entanto, o Documento de Aparecida vai além e chama a Igreja da América Latina e do Caribe a uma profunda “conversão pastoral”. E só vamos entender o que isso significa se levarmos em conta outro chamado forte no documento: passar da pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária. A pastoral de conservação, ou manutenção, ocupa-se de maneira preponderante com o cuidado daquilo que a Igreja já fez e realizou. Em outras palavras, tem o olhar voltado para as “ovelhas” que já estão perto do Bom Pastor, não dando atenção àquelas ovelhas, sempre mais numerosas, que se afastaram ou que nunca estiveram perto do Bom Pastor.
A pastoral de conservação, apenas, pode levar a Igreja a perder vitalidade, a envelhecer e perder o passo da história. Uma das preocupações da Conferência de Aparecida foi o abandono da Igreja Católica por muitos fiéis e a perda de contato com os jovens e com o mundo em mudança acelerada. A conversão pastoral requer, portanto, uma avaliação sobre os focos de preocupação e ação da Igreja, dos seus métodos pastorais e a busca e confrontação com os novos horizontes da evangelização. Foi dito, em Aparecida, que a conversão pastoral deve levar ao abandono de velhas práticas pastorais, que já não são mais eficazes, discernindo sobre novos métodos e práticas, sempre na fidelidade à missão recebida pela Igreja.
O Documento de Aparecida vai ainda além, dizendo que a conversão pastoral também deve ser missionária. As mudanças na Igreja precisam incluir, decididamente, a dimensão missionária, e isso não é nada novo, mas um retorno à primeira vocação da Igreja: ela é uma comunidade missionária, que recebeu o encargo de proclamar e testemunhar, de muitas maneiras, o Evangelho de Cristo no meio do mundo. Ela existe e vive para a missão e, portanto, a conversão missionária da Igreja e de cada cristão leva à própria razão de ser da Igreja. Ela deve ser missionária em tudo o que é e faz.
Temos ainda muito a fazer para passar de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral centrada na missão. Na sua primeira fala ao colégio cardinalício, após a sua eleição na Capela Sistina, o Papa Francisco referiu-se a isso: a Igreja não pode se contentar em ser “uma ONG do bem”. Ela é testemunha de Jesus Cristo e missionária do Evangelho do Reino de Deus no meio do mundo. E isso requer de todos nós um grande esforço de “conversão missionária”.
Fonte: O São Paulo
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