Lesbos: no limbo, à espera da ressurreição
Bianca Fraccalvieri – Cidade do Vaticano
Deprimente, vergonhoso, indigno, injusto, desumano e cruel: estes foram alguns dos adjetivos usados pela Ir. Eléia Scariot para descrever a situação dos migrantes na ilha de Lesbos.
Junto a outras coirmãs da Congregação das Missionárias de São Carlos Borromeu, as scalabrinianas, a brasileira está na Grécia a convite da Comunidade de São Egídio.
Lesbos é a ilha que recebeu o Papa Francisco em 2015, uma visita ecumênica realizada com Bartolomeu, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, e Sua Beatitude Hieronymos, Arcebispo de Atenas e de toda a Grécia. Na ocasião, o Pontífice abriu um corredor humanitário trazendo algumas pessoas da Síria até Roma dentro do seu avião.
Mesmo após a visita, a situação continua crítica e se exacerbou com um incêndio que destruiu o campo de Moria em setembro do ano passado. Os requerentes de asilo, oriundos sobretudo da África, Síria e Afeganistão, foram transferidos para outro local, chamado Moria 2, mas as condições de vida pouco mudaram. Homens, mulheres e crianças são acomodados em tendas, com recursos mínimos. Recebem alimentação, e só. A falta e a demora pela documentação acarretam graves problemas psicológicos.
A situação ali é um pouco desoladora. Eles não têm muita perspectiva. A maioria diz que fica dormindo na tenda, dorme muito tempo, porque as crianças não têm escola, os pais não têm um trabalho, uma ocupação durante o dia. Não tem uma rotina. Claro, acordam, eles oferecem uma sacolinha, com alguns pães que eram muito duros, quase difícil de se comer aquilo, duas laranjas. E o almoço era um potezinho de feijão e nada mais. Têm muitos com depressão, problemas psíquicos, têm pessoas que foram atingidas por bombas, estão em cadeiras de rodas ou com perna amputada, idosos. Uma situação bastante deprimente. Bebês que nasceram aí, mulheres grávidas. Têm os banheiros públicos, químicos, e o local onde eles podem buscar água, mas não tem um chuveiro onde possam tomar banho.
A voz dos migrantes
Muitos vivem essas condições descritas pela Ir. Eléia há anos. Como é o caso de José, que deixou a mulher e filhos na República Democrática do Congo. Em dezembro ele completará dois anos na Grécia e se até lá não obtiver os documentos, José prefere voltar: “Em 19 de dezembro em vou voltar mesmo. Eu aqui estou sofrendo muito, é só dormir. Assim não pode, assim não pode”, repete em escasso português. Já a espera tirou o sono de Jorge, também ele congolês. Passados 18 meses, ele se entrega a Deus. Outro compatriota é Lato, que chegou há pouco, mas viveu a experiência trágica da perda do sobrinho, que caiu no mar durante a travessia da Turquia à Grécia.
Não pensei que fosse tão forte
Ir. Eléia está acostumada a experiências do gênero, pois em Roma é a coordenadora do projeto Chaire Ginay, desejado pelo Papa Francisco, que acompanha mulheres e crianças migrantes até que alcancem sua própria autonomia. Mas a situação em Lesbos surpreendeu a brasileira:
Eu na verdade não pensei que fosse tão forte assim. É muito mais forte, muito mais intenso que eu poderia imaginar que uma pessoa pudesse suportar. É complicado dizer o sentimento que estou vivendo nesta missão e o que posso levar, mas um sentimento é que não podemos esquecer desta realidade, e também que não podemos indiferentes e deixar que as coisas continuem indo deste jeito. Isso é uma vergonha neste nosso mundo que vivemos, isso que estamos vendo, é um sentimento de indignação, mas tem um lado também que é muito profundo, no sentido da espiritualidade, da mística, que para mim está sendo um verdadeiro encontro com Deus, ou seja, encontrar e acolher o Cristo migrante nessas pessoas. Me vem até vontade de chorar de ver isto... Temos que caminhar mesmo em direção àquilo que o Papa Francisco diz na mensagem para o Dia Mundial do Migrante e do Refugiado deste ano, que nós precisamos trabalhar em direção a “um nós sempre maior”. Trabalhar a questão que o outro é importante, sair do egoísmo, dessa rede de egoísmo, consumismo, e tentar olhar para os nossos irmãos, que às vezes a gente não imagina o que viveram e estão enfrentando para sobreviver.
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