Dom Cláudio: “tempos difíceis, mas também abertos a inovações e novos sonhos”
Padre Modino - CELAM
Uma mensagem inspiradora, de alguém a quem Mauricio López se referiu como “um embaixador do transbordamento do Espírito”. Dom Cláudio Hummes se dirigiu neste sábado aos participantes da Assembleia Eclesial reconhecendo que “os tempos atuais são difíceis, desafiadores, mas também abertos a inovações e novos sonhos”. Um exemplo desses novos sonhos é esta Assembleia Eclesial, insistiu o presidente da CEAMA.
Dom Cláudio lembrou a homilia da missa que o Papa Francisco celebrou logo após sua eleição com os cardeais do Conclave, que teve como fundamento as palavras caminho e caminhar. O Papa insistiu em derrubar muros e construir pontes para sair, para ir ao encontro das periferias e com elas construir “caminhos eclesiais, caminhos sinodais”. Caminhos que fizeram parte da Igreja primitiva, retomados no Concílio Vaticano II e sustentados no sensus fidei e sensus fidelium.
Uma Igreja sinodal, “uma instituição pastoral e missionária, constituída não somente de bispos, mas também de representantes das demais categorias do povo de Deus”. O cardeal lembrou o longo processo para chegar nesta Assembleia, lembrando do processo vivido no Sínodo para a Amazônia onde o povo foi “ao encontro de todos, mas especialmente dos mais sofridos e pobres das periferias geográficas e existenciais da Panamazônia com o objetivo de escutar, escutar e escutar”.
O presidente da CEAMA também lembrou as palavras do Papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, em 2013, onde falou que “a Igreja está na Amazônia não como aqueles que tem as malas na mão para partir depois de ter explorado tudo que puderam”. O Papa chamou a consolidar “o rosto amazônico da Igreja”, pedindo para isso ousadia e coragem. Tudo isso foi se concretizando com a criação da REPAM, um processo que foi explicitado pelo cardeal Hummes, e que o purpurado vê como semente desta Assembleia Eclesial, “em que não participam e decidem apenas os bispos, mas todo o povo de Deus, segundo o Concílio Vaticano II”.
Seu presidente, também lembrou da criação da CEAMA, aprovada canonicamente pelo Papa Francisco em 9 de outubro, que Dom Cláudio define como “aquele ponto firme irreversível”, para toda a Igreja. “O Papa pode agora constituir Conferências eclesiais em qualquer outra parte da Igreja no mundo”, insistiu. Isso é visto como “um avanço extraordinário!”, mostrando o desejo da CEAMA de “participar plenamente desta nova fase da Igreja na América Latina e Caribe em termos de uma Igreja Sinodal, que se alimenta das grandes propostas de Aparecida e do Vaticano II”.
Eis a íntegra da mensagem do Cardeal Claudio Hummes:
Mensagem do Cardeal Claudio Hummes
Aos Participantes da Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe
Cidade do México - 27/11/2021
Senhoras e senhores,
Irmãos e irmãs,
Os tempos atuais são difíceis, desafiadores, mas também abertos a inovações e novos sonhos, tanto para a família humana global como para a Igreja e a sua missão. Exemplo disto é esta Assembleia Eclesial do Celam que estamos realizando. Podem inspirar-nos hoje palavras do Papa Francisco na homilia da missa que ele celebrou logo após sua eleição com os cardeais do Conclave. Trata-se das palavras caminho e caminhar. A Igreja não pode ficar sentada em casa confiando na segurança dos muros que construiu para se preservar. É preciso derrubar os muros e construir pontes para sair. A Igreja em saída, como se diz! Ir ao encontro dos povos, das comunidades e das pessoas, ao encontro de todos, mas especialmente ao encontro das periferias geográficas e existenciais, para escutá-las e com elas construir novos caminhos. Sim, novos caminhos. Para a missão da Igreja no mundo de hoje, esses caminhos serão caminhos eclesiais, caminhos sinodais. Aliás, a palavra sínodo significa: um caminho feito juntos.
Esses caminhos foram praticados já na Igreja primitiva. Em que à luz do Espírito Santo as comunidades inteiras, pastores e leigos, participavam na construção do caminho. Por exemplo, nos Atos dos Apóstolos se diz: Então, pareceu bem aos apóstolos e aos anciãos de acordo com toda a Igreja e decidimos o Espírito Santo e nós. E nos tempos modernos foi o Concílio Vaticano II que renovou esta eclesiologia. A renovou com o conceito de Igreja, povo de Deus. Esse conceito sabemos se baseia na doutrina do sensus fidei (o sentido da fé), o sensus fidelium (o sentido dos fiéis), significando com isso que todos os cristãos, pastores, religiosos e leigos, pela fé e o batismo recebem do espírito Santo esta qualificação do sensus fidei. Ou seja, o simples cristão, não bispo, também tem o farol para ajudar a identificar o rumo a seguir para viver autenticamente o evangelho hoje e para anunciá-lo hoje. Portanto, cada cristão também tem esse faro e deve poder ajudar a Igreja. Assim se superava a concepção de uma Igreja piramidal, na qual a hierarquia dos pastores é quem dirige e os demais fiéis apenas obedecem.
O Papa Francisco remota essa doutrina do Vaticano II e resgata de forma inovadora a prática do caminhar juntos. Essa prática da, então, chamada sinodalidade. Na construção dos rumos da Igreja hoje e no futuro, dando a este caminhar juntos o nome de eclesial. Uma instituição eclesial significa, portanto, uma instituição pastoral e missionária, constituída não somente de bispos, mas também de representantes das demais categorias do povo de Deus. E assim chegamos à nossa Assembleia Eclesial do CELAM, composta não somente de bispos, mas também de representantes das demais categorias do povo de deus na América Latina e Caribe.
Contudo, na caminhada para chegarmos a esta Assembleia eclesial houve um longo processo, um longo processo, iluminado pelo Espírito Santo e que vale a pena recordar. Esse processo iniciou com uma prática de uma Igreja em saída que derrubou muros e construiu pontes para ir ao encontro de todos, mas especialmente dos mais sofridos e pobres das periferias geográficas e existenciais da Panamazônia com o objetivo de escutar, escutar e escutar. E então, com eles construir novos caminhos.
O Papa Francisco, no início do seu pontificado, esteve no Rio de Janeiro, como todos lembramos, na Jornada Mundial da Juventude, em 2013. E alí em seu discurso aos bispos brasileiros ele disse: a Amazônia é teste decisivo, banco de prova para a Igreja e para a sociedade brasileira. A igreja está na Amazônia não como aqueles que tem as malas na mão para partir depois de ter explorado tudo que puderam. Não! A Igreja desde o início está presente na Amazônia com missionários, congregações religiosas, sacerdotes e leigos e bispos e lá continua presente e determinante no futuro daquela área. Mas gostaria, diz o Papa, de acrescentar que deveria ser mais incentivada e relançada a obra da Igreja ali na Amazônia para consolidar os resultados no campo da formação de um clero autóctone. E consolidar, vejam, consolidar, por assim dizer, o rosto amazônico da Igreja. E sobre isso, dizia o Papa, por favor, peço para serem corajosos, para serem ousados. Ora, esse impulso do Papa foi decisivo para o que viria daí para frente.
Um processo se pôs em marcha por meio de diversas iniciativas e projetos de reunir a Igreja da Panamazônica no tal caminhar juntos. Contudo, o projeto de unir as igrejas particulares, dioceses, vicariatos, prelazias da Amazônia latino-americana, a Panamazônia, já estava em evolução há mais tempo. Pensava-se em reuni-las todas, essas Igrejas, em rede. Reuni-las em rede para que não se sentissem isoladas em seus esforços de evangelizar o seu respectivo território. Situação agravada pela solidão da floresta e a beira dos rios bem como pela enorme quantidade e diversidade de culturas dos povos originários, os indígenas. Os impulsos vinham principalmente de três pontos: a Caritas do Equador, com Mauricio Lopez, depois o Departamento de justiça e solidariedade (DEJUSOL) do CELAM, com seu então presidente, Mons. Pedro Barreto, hoje cardeal e a Comissão Episcopal para a Amazônia, a cuja frente estava eu desde 2011, da CNBB.
Essa Comissão brasileira começou a visitar sistematicamente, uma por uma, as circunscrições eclesiásticas da Amazônia brasileira, começando por aquelas da floresta. Porém, três grandes reuniões foram também decisivas para encaminhar o processo: a reunião da rede amazônica da caritas do Equador, em Puyo, em abril de 2013; a reunião do DEJUSOL do CELAM y CELAC para proporá criação da possível Rede Pan-Amazônica, feita em Lima – Peru, essa reunião em julho de 2013; e a terceira, a reunião da Comissão Episcopal para a Amazônia brasileira com a participação do DEJUSOL e do CELAC em Manaus, no Brasil, em outubro de 2013; e assim se chegou finalmente à Criação da REPAM, Rede Eclesial Pan-Amazônica, em 12/09/2014 numa reunião em Brasília, da qual participaram e assinaram juntos, como co-fundadores, não somente DEJUSOL, CELAC e Comissão Episcopal para a Amazônia brasileira da CNBB, mas também a CLAR, Confederação Latino-americana e Caribenha dos Religiosas e religiosos. Todos eles, esses quatro assinaram a fundação da REPAM. Foi certamente um momento histórico da Igreja na Pan-amazônia.
Esse fato histórico é que nos fez chegar a este novo momento de estarmos realizando agora não uma VI Conferência Geral do Episcopado Latino-americano e Caribenho, mas por orientação do Papa Francisco, estamos realizando uma Assembleia Eclesial do CELAM, em que não participam e decidem apenas os bispos, mas todo o povo de Deus, segundo o Concílio Vaticano II.
E dentro desse percurso, o período mais recente nos trouxe também a CEAMA, a Conferência Eclesial da Amazônia, que recebeu do Papa, como sabemos, a sua aprovação canônica agora no dia 09 de outubro passado. Eu percebo a partir daí a CEAMA como aquele ponto firme. A aprovação canônica da CEAMA pelo Papa, a CEAMA tornou-se aquele ponto firme irreversível, não apenas para a missão da Igreja na Pan-amazônia, mas para a Igreja universal global. Ou seja, o Papa pode agora constituir Conferências eclesiais em qualquer outra parte da Igreja no mundo. É um avanço extraordinário! E para terminar quero finalmente confirmar que a CEAMA deve e quer participar plenamente desta nova fase da Igreja na América Latina e Caribe em termos de uma Igreja Sinodal, que se alimenta das grandes propostas de Aparecida e do Vaticano II.
Agradeço-vos pela atenção.
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