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Damasco. Jacqueline com seus filhos, Sidra e Azar junto com Irmã Antonieta Damasco. Jacqueline com seus filhos, Sidra e Azar junto com Irmã Antonieta 

Síria: a situação das famílias deslocadas e a ajuda da Igreja

Como vivem hoje os cristãos em Damasco? As Irmãs de Jesus e Maria ajudam dezenas de famílias cristãs em dificuldade. Forçados a fugir da guerra, eles se refugiaram na capital síria, onde vivem em condições de grande pobreza e dependem quase inteiramente da solidariedade e do apoio das religiosas

Vatican News

Irmã Antonieta, com um rosto sempre sorridente é uma das cinco Irmãs de Jesus e Maria presentes em Damasco. A congregação, fundada em Lyon em 1818 por Santa Claudina Thévenet, está presente na Síria desde 1983 com a missão fundamental de educar as crianças. De seu convento, as irmãs trabalham muito para dar ajuda para as famílias cristãs pobres que fugiram para Damasco por causa da guerra.

Encontro com pessoas deslocadas

A Irmã Antonieta caminha pelas ruas estreitas da cidade antiga. A capital está cheia de lojas e restaurantes, mas não faltam becos sem iluminação, um pouco mais afastados das ruas principais, o que parece muito mais triste. É em um desses becos que a Irmã Antonieta entra, antes de subir uma escada, sob um pórtico. Ela para em frente a uma porta de metal acinzentado. "Jacqueline", diz a irmã, batendo na porta. Alguns momentos de espera e aparece uma menina: Sidra, de 8 anos, que se joga sorrindo nos braços da religiosa. Depois foi a vez de seu irmão Azar, de 11 anos, e por fim Jacqueline, sua mãe, que faz a irmã entrar. A mulher recebe a religiosa em um pequeno pátio, com vista para o único quarto, bastante úmido, da casa onde ela mora sozinha com seus três filhos. Sua filha mais velha Sarah, 12 anos, não está presente porque ela está no catecismo.

Fugir ou morrer

A história de Jacqueline é terrível: ela morava em Maaloula, a algumas dezenas de quilômetros de Damasco. Uma cidade predominantemente cristã. Ela e seu marido, Ghassan, possuíam terras agrícolas, cultivavam uvas e figos e produziam melaço. Mas quando a guerra eclodiu, a situação se complicou da noite para o dia. Em 2013, as milícias islâmicas al-Nosra cercaram a cidade e não demonstraram misericórdia, especialmente para com os cristãos. Na praça central, eles fizeram execuções públicas. Também sequestraram várias pessoas, incluindo Ghassan, o marido de Jacqueline. Neste clima de terror, a mulher não teve outra escolha senão fugir. Com seus filhos, ela partiu para Damasco. Como ela, milhares de famílias foram para a capital, considerada mais segura. Jacqueline não teve notícias de seu marido por muito tempo. No início, ela recebeu um pedido de resgate, mas depois nenhum contato com os sequestradores ou seus intermediários. Ao todo, ela viveu três anos sem saber o que havia acontecido com o pai de seus filhos, até um dia em 2016 e um telefonema de um oficial do exército sírio que lhe disse que haviam sido encontrados no Líbano os restos humanos de cinco pessoas e que, de acordo com a investigação, Ghassan poderia ser uma das vítimas, como foi posteriormente confirmado por testes de DNA. De acordo com o exército, os cinco homens foram executados pela milícia islâmica e, segundo testemunhas, todos se recusaram a se converter ao Islã, preferindo morrer como mártires.

Sobreviver em Damasco

Para sobreviver, Jacqueline tem alguns pequenos trabalhos, ajuda as irmãs no convento. As armas estão agora em silêncio na maior parte do país, mas a crise econômica que se seguiu é profunda. Inflação galopante, que fez com que os bens essenciais sejam praticamente inacessíveis. No quarto onde Jacqueline e seus filhos moram, há uma cama onde ela e suas duas filhas dormem, um sofá onde dorme Azar, uma geladeira velha, uma televisão e uma estufa a querosene. Na borda da única janela, algumas caixas de alimentos e pão. Do outro lado do pátio, uma área de "cozinha" com uma pia e um fogão a gás. Há também um banheiro sem chuveiro. Irmã Antonieta está trabalhando muito para encontrar o dinheiro para que pelo menos possa ser instalado um chuveiro, para que as crianças não precisem mais ir ao convento para se lavar, embora as irmãs as recebam de boa vontade. As Irmãs de Jesus e Maria estão sustentando esta família, e muitas outras, de todas as maneiras possíveis: preparam pacotes de alimentos, trabalham para encontrar roupas e dinheiro para ajudar muitas pessoas a pagar seu aluguel. Apesar das enormes dificuldades da vida cotidiana, Jacqueline quer ficar em Damasco, enquanto muitos sírios optam por ir para o exterior. Mas ela quer dar uma chance a seus filhos: 'As escolas são melhores em Damasco', afirma.

Georges e Marie

A poucos quilômetros de distância, a Ir. Antonieta visita outra família. Um casal com três filhos com idade entre 16 e 18 anos. Está chovendo, não há eletricidade (só funciona três ou quatro horas por dia), e algumas gotas de chuva caem pelo teto de lata em um balde. Como muitas famílias que não podem pagar um gerador privado, Georges e Marie (nomes fictícios, para preservar o anonimato desta família ameaçada de morte) têm uma bateria que alimenta uma lâmpada LED. Eles vêm de Homs, onde eram apicultores. Durante a noite, eles abandonaram tudo e saíram de pijama, sob o fogo dos "terroristas". Eles fugiram a pé, em seguida de carro e por fim de ônibus para Damasco.

Pouco depois de sua chegada à capital, Georges teve um ataque cardíaco. Ele foi operado e sobreviveu miraculosamente, mas ainda sofre pela cirurgia e não consegue mais trabalhar e ganhar um salário. Assim, é Marie, com sua pequena atividade como costureira, que alimenta os cinco membros da família. Mas agora com a inflação isso não é mais suficiente. Além disso teve que atrasar seu trabalho por causa do reumatismo em suas mãos. Assim, foi tomada a decisão de retirar seu filho da escola para que ele pudesse trabalhar para complementar a pouca renda familiar. Aos 18 anos, o menino entrega cereais e se desloca entre a fábrica em Homs e a capital, Damasco. Dos cinco membros da família, ele é o único que retornou a Homs.

Damasco, uma família de deslocados  na hora do chá
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A identidade da terra

Em Homs, nada resta de sua casa e de sua terra. A casa onde moravam foi destruída e as árvores que alimentavam suas colmeias foram cortadas para lenha. O número de casas abandonadas é incalculável; todos os dias, as famílias continuam a fugir. Muitas vezes, as famílias muçulmanas que lá permaneceram fazem ofertas para comprar dos cristãos que partiram. Mas é como se a reivindicação de identidade tivesse permeado a terra. As famílias cristãs, na grande maioria dos casos, recusam-se a ceder suas parcelas de terra aos muçulmanos. Qualquer que seja o custo. Marie e Georges poderiam ter uma melhor qualidade de vida ao vender o que possuem em Homs. Eles não têm intenção de voltar a morar lá, mas se tiverem que vender, eles escolherão uma família cristã. E se eles venderem, gastarão seu dinheiro para deixar a Síria. Eles não fazem segredo de seu desejo de se estabelecer no exterior. Mas não antes de seu filho se formar no ensino médio. Eles prometeram à Irmã Antonieta que, em troca da ajuda fornecida pelas irmãs, pacotes de alimentos e dinheiro para o aluguel, o menino voltará à escola no próximo período para terminar seu curso e obter o título escolar, uma garantia mínima de um emprego estável e melhor remunerado.

Síria, a cidade de Homs, os danos causados pela guerra
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06 dezembro 2021, 11:48