Cardeal Sergio da Rocha: Madre Joana Angélica
Cardeal Dom Sergio da Rocha - Arcebispo de Salvador, Primaz do Brasil
O segundo centenário da morte de Madre Joana Angélica de Jesus é uma ocasião singular para fazer memória, expressar louvor a Deus e reconhecimento à Irmã assassinada em 20 de fevereiro de 1822, aos 60 anos de idade, no Convento da Lapa, em Salvador. Sua morte reveste-se de especial significado cívico e religioso, no contexto das lutas pela independência no recôncavo baiano, que culminaram com a independência da Bahia, em 02 de julho de 1823. O seu gesto corajoso merece ser considerado com maior atenção na narrativa histórica da Independência e na história da Igreja Católica na Bahia. Os 200 anos da morte de Madre Joana Angélica sejam incentivo para honrar a sua memória e valorizar mais a história da Bahia.
Mulher forte e corajosa, ela não teve medo de enfrentar os soldados portugueses que invadiram o Convento da Lapa e sofrer a morte aos golpes de baioneta, dizendo-lhes: “Para trás, bandidos! Respeitai a casa de Deus; antes de conseguirem seus infames desígnios tereis de passar por cima de meu cadáver”. A notícia de sua morte brutal provocou a indignação da população e o encorajamento nas lutas pela Independência.
Nascida em 11 de dezembro de 1761, em Salvador, ela ingressou na vida consagrada na Ordem da Imaculada Conceição, cujas irmãs são conhecidas como “Concepcionistas”, no Convento da Lapa, onde desempenhou a exigente função de abadessa, dentre outras funções. Ela é chamada “sóror” Joana Angélica, pela sua condição religiosa de “irmã”, ou “madre”, enquanto “abadessa”.
O significado do seu gesto ultrapassa a atitude patriótica de enfrentamento dos soldados portugueses, pela liberdade da Bahia e do Brasil. O seu martírio ocorre em defesa não somente de um edifício religioso, mas do que ele representava: as irmãs que lá viviam, a vida consagrada, a fé em Cristo por elas professada e a Igreja que deveria ser sempre respeitada. Ela nos faz pensar na importância da oração, dos lugares de oração e da comunidade de fé, em qualquer situação, mas especialmente quando passamos por momentos mais difíceis, como neste tempo tão sofrido da pandemia. O seu gesto heroico de defesa das Irmãs deve ser sinal e estímulo para a defesa da vida e da dignidade de cada pessoa, especialmente das mais vulneráveis.
Há inúmeros heróis e heroínas lutando pela vida e saúde de nosso povo, pessoas que se dedicam aos doentes, aos pobres e aos mais fragilizados, dentre os quais, estão os profissionais da saúde. Madre Joana Angélica faz pensar na dedicação incansável e corajosa de tantas pessoas que, movidas pela fé, rejeitam a invasão e a destruição de pessoas, casas e comunidades, seja pelo vírus da pandemia, seja por outros “vírus” que contagiam, ameaçam e causam a morte, impedindo alcançar a liberdade e preservar a vida.
*Artigo publicado no jornal Correio, em 13 de fevereiro de 2022.
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