Acusados da morte do Pe. Jacques Hamel começam a ser julgados em Paris
Benedetta Capelli e Xavier Sartre - Cidade do Vaticano
"Afasta-te, Satanás." Talvez palavras pronunciadas com uma voz titubeante. Mas padre Jacques Hamel foi imperativo ao dirigir-se a seus assassinos, percebendo que poderia ser mais uma vítima de um ódio sem igual, somente por amar a Deus e os seres humanos.
O sacerdote francês pronunciou essas palavras diante dos dois assassinos que o surpreenderam, enquanto celebrava a Missa na igreja em Saint-Étienne-du-Rouvray, perto de Rouen, na manhã de 26 de julho de 2016. As mesmas palavras foram repetidas pelo Papa Francisco nas várias ocasiões em que recordou o religioso, morto na manhã de 26 de julho de 2016, ao ser surpreendido por seus algozes
Início do julgamento
O julgamento dos acusados de envolvimento no assassinato do padre Hamel, que deverá se estender até o dia 11 de março, teve início na segunda-feira, 14, em Paris. Não foram dados detalhes sobre o primeiro dia do julgamento de Adel Kermichel e Abdel-Malik Petitjean - que foram atingidos pela polícia quando interveio após o assassinato do sacerdote - e Jean-Philippe Jean Louis, Farid Khelil e Yassine Sebaihia, acusados de associação terrorista, suspeitos de conhecer os planos dos dois assassinos, de compartilhar sua ideologia ou tentar se juntar ao autoproclamado Estado Islâmico na Síria. Já Rachid Kassim - acusado de cumplicidade no homicídio e tentativa de homicídio de um paroquiano que foi ferido no ataque e que, de acordo com a ordem do juiz de instrução, conscientemente encorajou e facilitou o ato dos dois agressores - não está no banco dos réus, pois se presume que ele tenha morrido em um ataque no Iraque, em fevereiro de 2017.
"Justiça e luz"
Padre Hamel, de 85 anos, foi o primeiro sacerdote católico morto na Europa pelo autoproclamado Estado Islâmico. Um assassinato que ocorreu 12 dias após o atentado de Nice, no qual 86 pessoas morreram, e oito meses após os ataques de Paris em 13 de novembro de 2015. Uma sucessão de eventos que mergulharam a França em uma espiral de terror e violência.
O assassinato do padre Hamel, disse ao Vatican News o arcebispo Dominique Lebrun, de Rouen, ainda é uma ferida para toda a diocese. Espera-se "justiça para os acusados", mas também justiça para as vítimas, para o padre Hamel e para as pessoas sequestradas na igreja no momento do ataque.
"Este julgamento – enfatiza o prelado - é uma etapa de um caminho de justiça: justiça humana e justiça divina feita acima de tudo de misericórdia. Estamos vivendo uma situação ambivalente, porque existe a dificuldade e também o grande sofrimento de reviver o que aconteceu, mas há também o reviver dessa dor para as famílias e os sacerdotes”.
Justiça, mas também "luz", é o pedido do arcebispo sobre o ocorrido, sobre "suas causas e talvez também sobre um caminho, sobre maneiras para viver melhor juntos. Está em jogo o futuro para ajudar nosso país, nossa sociedade, nosso mundo e evitar tais tragédias".
Os pensamentos de Dom Lebrun vão também para a comunidade muçulmana. “Estamos ligados a eles que sofrem pelo estigma e pela dor pelo que aconteceu de irreparável e terrível”, mas continua o diálogo sobre temas do amor e da fraternidade na religião e sobre a convivência.
Um dia trágico
Dom Dominique Lebrun tornou-se parte civil no processo, como a família do religioso e como Guy Coponet, o paroquiano que fingiu estar morto após ser esfaqueado. Naquele dia estavam na igreja sua esposa, que morreu nos últimos anos, e três freiras de São Vincente de Paulo, uma das quais conseguiu escapar, podendo assim dar o alarme.
As notícias daquele 26 de julho falam de um padre Hamel que tenta lutar contra seus agressores, de palavras de louvor contra os gestos de morte; de Guy Coponet obrigado a filmar a cena com um celular entregue por um dos terroristas; da destruição do mobiliário da igreja; de um falso cinto explosivo que o homem-bomba Kermiche prendeu na cintura para sugerir um último gesto. A intervenção policial pôs fim ao terror daquele ataque reivindicado pouco depois pelo EI.
Um mártir de hoje
O Papa Francisco recordou do padre Hamel na Missa em sufrágio, celebrada em 14 de setembro de 2016 na Casa Santa Marta, na presença da família do sacerdote e dos peregrinos que vieram da Normandia acompanhados pelo bispo de Rouen, dom Dominique Lebrun.
O padre Jacques Hamel foi degolado na Cruz, precisamente enquanto celebrava o sacrifício da Cruz de Cristo. Homem bom, manso, fraterno, que procurava fazer sempre a paz, foi assassinado como se fosse um criminoso. Eis o fio satânico da perseguição. Mas há algo neste homem que aceitou o martírio ali, com o martírio de Cristo no altar, há algo que me faz pensar muito: no momento difícil que vivia, no meio da tragédia que ele via aproximar-se, homem manso e bom, homem que criava fraternidade, não perdeu a lucidez de acusar e dizer claramente o nome do assassino: «Afasta-te, Satanás!». Deu a vida por nós, deu a vida para não renegar Jesus. Deu a vida no mesmo sacrifício de Jesus no altar e ali acusou o autor da perseguição: «Afasta-te, Satanás!».
Em 2019 terminou a fase diocesana da Causa de beatificação do padre Hamel. Os documentos estão agora na Congregação para as Causas dos Santos que está analisando o dossiê composto por mais de 11.500 páginas e que inclui as oitivas de testemunhas, a história de vida do sacerdote morto e suas homilias.
Poucos meses depois de sua morte, Dom Lebrun entregou à Igreja de São Bartolomeu, em Roma - na qual são conservadas numerosas relíquias de mártires – o breviário de padre Hamel, no qual estão recordações de falecidos, santinhos das Primeiras Comunhões e Crismas de crianças e jovens de sua paróquia, das ordenações sacerdotais das pessoas que ele conhecia. Um breviário usado, mas sobretudo consumido pela força da oração e do amor a Deus.
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