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Quarta-feira de Cinzas Quarta-feira de Cinzas 

"Quarta-feira de Cinzas" de T.S. Eliot, uma oração de esperança

Nesta Quarta-feira de Cinzas propomos a leitura de alguns versos que podem nos acompanhar em uma viagem que, através da linguagem da beleza, nos infunde esperança neste tempo doloroso e sombrio de nossa história

Maria Milvia Morciano – Vatican News

Quarta-feira de cinzas, o primeiro dia da Quaresma dos simbólicos quarenta dias que nos conduzirão à Páscoa, é à espera no caminho para a certeza do triunfo da Ressurreição de Cristo. Nestes dias é necessário encaminharmos, purificando-nos através de um estilo de vida mais sóbrio e em oração.

..quia pulvis es et in pulverem reverteris
“…pois tu és pó, e ao pó tornarás”

A frase, extraída do Gênesis (3, 19), caracteriza o rito da quarta-feira, quando o oficiante a pronuncia com a imposição das cinzas na testa dos fiéis, referindo-se assim ao significado da penitência, da consciência da finitude humana. A frase "cobrir a cabeça com cinzas" para significar arrependimento é de fato proverbial e recorrente várias vezes na Bíblia. 

Portanto, não é por acaso, que o Papa Francisco escolheu hoje como o dia de oração e jejum pela paz no mundo, neste tempo doloroso e sombrio de nossa história.

A Quarta-feira de Cinzas inspirou artistas e escritores que tentaram dar forma em palavras ou imagens a um momento que parece semelhante a um rude despertar após o período desenfreado do carnaval, uma consciência que através da penitência quer empreender um caminho de nova consciência e fortalecer a fé.

Entre muitos, o poema em versos de Thomas Stearns Eliot, o grande poeta americano, é o mais famoso e certamente o mais profundo e comovente. Ash Wednesday, Quarta-feira de Cinzas, foi composto entre 1927 e 1930. Os versos são considerados aqueles que marcam sua conversão ao anglicanismo e nos quais o poeta se afasta de uma visão materialista para chegar a uma tensão de ascensão espiritual.

Estes versos não são fáceis e imediatamente compreensíveis. São poesias muito cultas, ricas em citações, de Cavalcanti a Dante, de Pascal à Bíblia e as orações marianas. São, como dissemos, difíceis de entender plenamente no seu significado literal, mas sua sugestão deixa uma marca profunda naqueles que os leem, um sentido surpreendente de profunda beleza. Mais do que tudo, podem ser compreendidos com intuição, de acordo com a etimologia latina de "olhar profundamente dentro", que muitas vezes se revela uma chave fundamental para decifrá-los.

O ataque é desconsolador e de renúncia, como se alguém tivesse asas que não são úteis para voar, mas "apenas são andrajos que se arqueiam":

Porque não mais espero retornar
Porque não espero

Os versos de Eliot transmutam através de uma espécie de combate interno, entre a subida e o peso terreno que se detém e torna uma pessoa incerta. Então, as palavras parecem ser fustigadas pelo vento, claras como nuvens, e se transformam em oração. ST. Eliot se dirige a Deus de uma forma incessante e intensa. Prossegue com imagens de uma paisagem surpreendente, onde a natureza se mostra com seus elementos mais belos, onde até o deserto parece ser um jardim, e animais simbólicos: a águia, três leopardos brancos, o gafanhoto... Voltando às características estilísticas da “Dolce Stil Novo”, Eliot fala de uma mulher amada e depois fala da Virgem, a única Rosa, Senhora dos Silêncios: ele mistura e transfigura o amor terreno que se torna puro amor espiritual.

Maria, Irmã bendita, santa mãe, espírito da fonte e do jardim,
Não permiti que entre calúnias a nós próprios enganemos
Ensinai-nos o desvelo e o menosprezo
Ensinai-nos a estar postos em sossego.

Palavras que, em comparação com a primeira parte do poema, são agora destacadas da dimensão material, primeiro descritas como um crânio e ossos, depois desmaterializadas na voz da alma.  Não pretendemos mergulhar na difícil exegese literária, mas convidamos, neste mesmo dia, a ler estes belos versos para deixar-se levar por sua sugestão, sua musicalidade, suas cores e seu profundo significado, que nos consola. Mergulhar na beleza, ou melhor, ser esmagado por ela, em uma fonte que agora está iminente. Para que a sensação de medo e perplexidade possa dar lugar à esperança.

Na quarta-feira de Cinzas, e neste momento difícil, sigamos o convite do Papa: oremos e jejuemos. E dando graças pela beleza do que ainda nos rodeia, e do qual nunca devemos nos sentir separados, vamos nos voltar para Deus, para que meu grito chegue a Ti.

(Leia toda a poesia de T. S. Eliot, Quarta-feira de Cinzas

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02 março 2022, 10:22