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Mons. Sampaio: buscar a união entre vida e fé

“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mt 5,9)

Mons. André Sampaio de Oliveira, Doutor em Direito Canônico

No dia 05 de outubro de 2018, o Cardeal Arcebispo de São Sebastião do Rio de Janeiro, Dom Orani João Cardeal Tempesta, proferia uma entrevista para o Vatican News onde dizia: “Nós somos um povo que tem uma índole de conviver como irmãos e irmãs uns dos outros, que podemos discordar dos partidos, na questão política, em como governar um país e ser adversário político, mas nunca inimigos uns dos outros. Nunca inimigos de ficarem com ódio uns dos outros, de perder amizades, de fazer o mal um para com outro. Isso é muito ruim. Esse aspecto desses ódios, de “nós contra eles”, entrou muito em nosso país e isso tem sido devastador. Isso não pode continuar. Esperamos que nesses dias as pessoas rezem e estudem sobre seus candidatos, façam as escolhas com tranquilidade e respeitem a escolha dos outros e, nós, respeitemos aqueles que forem escolhidos ou no primeiro e no segundo turno para presidente da República, governador dos estados, deputados federais e senadores, que são as eleições que teremos neste próximo domingo. Que cada um possa ver sua responsabilidade de depositar seu voto naqueles que podem ajudar o país a caminhar melhor e que o faça sem ódios no coração, mas, ao mesmo tempo, pensando no bem do país e na necessidade de vivermos cada vez mais tempos melhores.”

Esta reflexão se atualiza nos dias de hoje, quando pessoas cada dia mais tendem a um extremismo doentio e irracional, buscando sob qualquer pretexto extravasar seu ódio pessoal ou sua patologia psicológica. Todos e qualquer líder eclesiástico e/ou religioso têm o dever de receber os chefes de poderes constituídos, para tratar de assuntos de interesse comum, sejam eles quem forem e de qualquer espectro político.

Para todos os cristãos, é urgente buscar a união entre vida e fé, a expressão da fidelidade a Cristo na vida quotidiana, nas relações sociais e na participação política. Porém, para os católicos, há uma série de princípios irrenunciáveis a partir dos quais podem e devem avaliar os partidos políticos. Aqueles partidos que não respeitam princípios católicos simplesmente não podem ser votados pelos católicos.

O Papa Francisco recordou um ensinamento grave da Igreja acerca da participação dos leigos na política. Respondendo à pergunta de um jovem, o Santo Padre afirmou que “temos que nos envolver na política, porque ela é uma das formas mais altas de caridade”. Questionou ainda as razões pelas quais ela está “suja”: “está suja por quê? Por que os cristãos não se envolveram nela com espírito evangélico?”. Para o Pontífice, o fiel não pode se fazer de Pilatos e lavar as mãos: “É fácil colocar a culpa nos outros, mas e eu, o que faço?”, perguntou Francisco a um grupo de estudantes do Colégio Jesuíta da Itália, durante um encontro no Vaticano.

O alerta vem em boa hora, sobretudo quando se vê a aprovação de leis cada vez mais iníquas em países de longa tradição católica. Essa derrocada dos princípios cristãos deve-se, entre outras coisas, à negligência dos leigos e pastores e ao relativismo de muitos políticos que se dizem cristãos, mas, na prática, professam outras doutrinas. Embora se tente dizer que é vedado à Igreja opinar sobre questões ligadas ao Estado, o Papa Bento XVI, por ocasião das eleições de 2010, lembrou aos bispos brasileiros que, “quando os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas”.

A legítima separação entre Igreja e Estado, instituída por Cristo quando disse “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, não significa de maneira alguma que a moral oriunda da lei natural possa ser relativizada no campo político. E cabe aos cristãos impedir qualquer tentativa que caminhe neste sentido. Um documento da Congregação para Doutrina da Fé, assinado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger em 2002, sobre a atuação dos leigos católicos na política, ensina precisamente isso: “não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida espiritual, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida secular, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura”.

E aqui deve-se trazer à memória o testemunho contumaz de vários santos, como São Thomas More, que sofreram o martírio por se recusarem a obedecer a leis contrárias à reta moral. Ensina o Catecismo da Igreja Católica que “se acontecer de os dirigentes promulgarem leis injustas ou tomarem medidas contrárias à ordem moral, estas disposições não poderão obrigar as consciências” (1903). Ademais, continua o Catecismo, “a recusa de obediência às autoridades civis, quando suas exigências são contrárias às da reta consciência, funda-se na distinção entre o serviço a Deus e o serviço à comunidade política” (2242).

A Igreja concentra-se particularmente em educar os discípulos de Cristo, para que sejam cada vez mais testemunhas da sua Presença, em toda a parte. Compete aos fiéis leigos mostrar concretamente na vida pessoal e familiar, na vida social, cultural e política, que a fé permite ler de maneira renovada e profunda a realidade e transformá-la; que a esperança cristã alarga o horizonte limitado do homem e o projeta para a verdadeira altura do seu ser, para Deus; que a caridade na verdade é a força mais eficaz, capaz de mudar o mundo; que o Evangelho é garantia de liberdade e mensagem de libertação; que os princípios fundamentais da Doutrina Social da Igreja como a dignidade da pessoa humana, a subsidiariedade e a solidariedade são de grande atualidade e valor para a promoção de novos caminhos de desenvolvimento ao serviço de cada homem e de todos os homens.

Compete ainda aos fiéis leigos participar ativamente na vida política, de modo sempre coerente com os ensinamentos da Igreja, partilhando razões bem fundadas e grandes ideais na dialética democrática e na pesquisa de um amplo consenso com todos os que se preocupam com a defesa da vida e da liberdade, a preservação da verdade e do bem da família, a solidariedade com os necessitados e a busca necessária do bem comum. Os cristãos não procuram a hegemonia política ou cultural, mas onde quer que se empenhem, são movidos pela certeza que Cristo é a pedra angular de todas as construções humanas (cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Nota doutrinal sobre algumas questões relativas ao empenho e ao comportamento dos católicos na vida política, 24 de Novembro de 2002).

É fundamental ressaltar o caráter apartidário da Igreja Católica, que na qualidade de instituição religiosa, não deve assumir quaisquer posições a favor ou contra determinado candidato ou partido político. Tal posição, contudo, não interfere, não reprime e não direciona a intenção de voto dos fiéis, que exercem sua opção com plena liberdade. Assim como não pode interferir no governo dos Excelentíssimos Srs. Bispos no pastoreio de suas dioceses.

Mons André Sampaio de Oliveira

Doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma

 

 

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06 abril 2022, 22:01