Sepultada religiosa italiana assassinada no Haiti: semente de justiça, fraternidade e paz
Adriana Masotti e Benedetta Capelli - Cidade do Vaticano
Realizou-se na manhã deste sábado, 23, em Lomagna, província de Lecco, norte da Itália, o sepultamento da Irmãzinha do Evangelho de Charles de Foucauld assassinada no último dia 25 de junho no Haiti, onde trabalhava como missionária.
Irmã Luísa dell'Orto tinha 65 anos e trabalhava há 20 anos como missionária em Porto Príncipe, capital da ilha caribenha. Era chamada como "anjo das crianças de rua" por seu compromisso com os menores e os mais pobres, entre os quais vivia. Enquanto voltava para casa de carro, um grupo de militares a matou com quatro tiros, no dia 25 de junho. Desde então, a sua comunidade, que ficou órfã de modo tão trágico e repentino, não se cansa de perguntar: “Por que usar uma violência assim contra uma religiosa tranquila e amada por todos”?
Os restos mortais da Irmã Luísa foram levados para Lomagna, sua cidade natal, na Lombardia, no último dia 15 de julho. Na manhã deste sábado, Dom Luigi Stucchi, bispo emérito da Diocese de Milão, celebrou suas exéquias ao ar livre, devido à enorme multidão queria participar. Entre os numerosos presentes, que deram seu último adeus à Irmã Luísa dell’Orto, estavam seu irmão padre Giuseppe, as irmãs Carmen e Maria Adele e outros parentes. A seguir, o corpo da religiosa foi sepultado no cemitério da cidade.
Cardeal Matteo Zuppi: “Obrigado pelo dom da sua vida”
Durante a celebração das exéquias, foi lida uma mensagem, enviada pelo cardeal Matteo Zuppi, presidente da Conferência Episcopal Italiana (CEI), à sua família e comunidade de Lomagna, expressando gratidão a Deus pelo dom da vida da Irmã Luísa: "Sua vida dará muitos frutos, porque a sua vida era o Evangelho. Trazemos, em nossos corações, seu olhar doce e intenso, pois a religiosa olhava os pobres com os olhos de Jesus e nos levava também a olhar para eles, conhecê-los e amá-los. Sua vida é uma poderosa mensagem de fraternidade, que não nos deixa indiferentes. Com a força do amor ela nos ajuda a olhar para o alto e a estender-lhes nossas mãos solidárias”.
Dom Luigi Stucchi: “Uma entrega incondicional de si”
Durante sua homilia, Dom Luigi recordou dois ensinamentos fundamentais que Jesus transmitiu aos seus discípulos e se refletiram na vida da Irmã Luísa: "Fazei isto em memória de mim" e "Amai-vos uns aos outros como eu vos amei"! Eis o significado da Celebração Eucarística: sacramento da paixão, morte e ressurreição de Jesus; viver seu mesmo Amor, em todos os cantos da terra: amor fraterno, recíproco, dando a própria vida de modo incondicional, servindo e reconhecendo todos como irmãos e irmãs, como fez Jesus com seu martírio. Enfim, o bispo define a Irmãzinha de Charles de Foucauld assassinada como "Anjo das crianças", que viveu como pobre entre os pobres, sem pensar em si, mas se dedicando aos mais pequeninos, frágeis, excluídos e últimos da terra.
“Como a Irmã Luísa e com ela”
Dom Luigi Stucchi comparou ainda a Irmã Luísa com uma das Virgens sábias do Evangelho, à qual foi anunciada, com alegria, a chegada do Esposo: “Eis o Esposo, ide ao seu encontro”. “Um encontro, disse o Bispo, que é vida plena para sempre”. O apóstolo São Paulo dizia: “Nada pode nos separar do amor de Cristo; somos mais que vencedores, por causa daquele que nos amou”. E o Bbspo acrescentou: “Somos chamados a dar testemunho com as nossas vidas, como a Irmã Luísa e com ela. Hoje, mais do que nunca, a sua existência pertence a todos e fala a todos, gerando esperança e difundindo a caridade”.
“Semente de fraternidade e paz”
Referindo-se ainda à Irmã Luísa, Dom Luigi Stucchi disse: “Ela é uma semente de bondade, justiça, fraternidade, paz! As armas não nos darão um futuro, tampouco a justiça e a paz. As armas roubam os recursos dos mais frágeis e trazem consigo explosivos potenciais incontroláveis e irracionais. Ao invés, as pessoas desarmadas, interiormente, tentam deter a violência, em todas as suas formas, e suas falsas ou presumíveis razões. Assim fazem os discípulos de Jesus e os de São Charles de Foucauld, como a Irmã Luísa, que amam a vida dos outros como a própria vida e se tornam dom total de si mesmos: não dão tiros, não fogem, não se fecham em si, mas fazem da própria vida um Evangelho vivo, crível, concreto, amável, humano”.
Padre Elder: “Vivemos momentos dolorosos, mas também maravilhosos juntos”
Padre Maurice Elder, Salesiano, era um colaborador muito próximo e por muito tempo da Irmã Luísa. Ele trabalha na paróquia da Imaculada Conceição, em uma das áreas mais difíceis da capital haitiana, e é professor no Instituto de Filosofia dos Salesianos, para a formação de futuros sacerdotes e também de leigos.
Neste dia das exéquias da Irmã Luísa na Itália, o sacerdote diz que “sua ausência se torna bem mais forte e dolorosa nos haitianos, que compartilharam do seu itinerário terreno. Todos manifestam o desejo de continuar, com maior esforço, a seguir seus conselhos e exemplo”.
Eis o emocionante testemunho do padre Maurice Elder, sobre a Irmã Luísa, em uma entrevista, que concedeu à Rádio Vaticano:
Como o senhor conheceu a Irmã Luísa e qual sua recordação mais marcante dela?
“A recordação mais marcante? É difícil escolher ou encontrar uma que seja mais forte, porque todas são marcantes. Conheci a Irmã Luísa quando sua superiora no Haiti me pediu para apresentá-la como professora de filosofia no Instituto Salesiano do qual eu era diretor. Lembro-me o que eu disse à sua Superiora, no dia 8 de setembro: "Olha, se Nossa Senhora me manda alguém, hoje, é porque deve ser uma boa pessoa"! De fato, todos esses anos de colaboração foram realmente maravilhosos: descobri que ela era uma pessoa inteligente, delicada, paciente, com tantas qualidades humanas e cristãs. Ela foi uma surpresa agradável e um verdadeiro dom do Senhor. Assim, eu a conheci e começamos a trabalhar como professores e, depois, como amigos: passamos por tantos acontecimentos dolorosos e difíceis, mas também maravilhosos, que não consigo me lembrar de um entre os tantos”.
O que a morte cruel da Irmã Luísa provocou no coração dos que a conheceram?
“Para todos nós, que a conhecemos, mas também para tantas outras pessoas, sua morte violenta foi um choque imenso. De fato, todos ainda se perguntam: “Por que fizeram isso com ela? Por que fizeram isso com uma pessoa, que não tinha inimigos, pois ela era uma Irmã universal”. Talvez, acontecia de não concordar com todos, mas nunca guardou rancor, pelo contrário, sempre foi paciente e carinhosa, sabia esperar, entender... Agora, ela deixa nos corações de todos - alunos, jovens, pobres - um vazio incrível, mas também uma certeza: a Irmã Luísa era uma pessoa que estava preparada para o céu, pois vivia só e exclusivamente para Jesus e o Evangelho. Eis a maior recordação que nos deixou! Ela foi uma centelha do Evangelho que brilhou para nós, em nossos corações, em nossas mentes, como também para os futuros sacerdotes ou os que já são ordenados no Haiti. É difícil descrever o impacto de uma pessoa tão enraizada no Evangelho e na simplicidade dos pequenos”.
No Haiti, os atos de violência são frequentes, também onde a Irmã Luísa trabalhava. No entanto, ela continuava a viver ali. Padre Elder, qual o clima que se respira, hoje, no país?
“O lugar onde eu moro, em Porto Príncipe, tem sido, nos últimos dias, palco de uma guerrilha entre gangues e grupos do bairro. Não se sabe, com certeza, mas muitos inocentes morreram, foram feridos ou tiveram que fugir. Trata-se de uma situação catastrófica. Há menos de dois meses, aconteceu a mesma coisa em outras áreas da capital. Digamos que a capital haitiana está sitiada, cercada por essas gangues. Sabemos, porém, que somos um dos países, economicamente, mais frágeis do continente americano. As tantas armas e várias munições são importadas ou provém de muitas partes do mundo, como se os pobres precisassem de armas, drogas e munições ou como se um jovem precisasse de tudo isso para se desenvolver, crescer e ter um futuro. Agradecemos aos “senhores da guerra” por esta ocasião que nos dão de dar testemunho do amor, que é maior e mais forte que o ódio, o dinheiro, o poder e a violência. De fato, muitos jovens me perguntam: "Padre, o que devemos fazer”? E eu respondo: “Devemos continuar a amar, sem odiar ninguém, e a viver na verdade”. Quem sabe se até nós seremos vítimas, porque as gangues podem nos matar a qualquer momento; atiram por todos os lados e, quem sabe, qual será o alvo das balas. Logo, corremos o risco de perder a vida, em qualquer momento. Porém, devemos ser prudentes, fazendo o que devemos fazer e sendo o que deveríamos ser: testemunhas e até mártires do amor e da verdade. Esta é a realidade em que vivemos: uma situação de desordem criada, que não acontece por acaso, uma armadilha nacional e internacional. Por isso, somos vítimas, talvez até da nossa bondade ou da nossa ignorância. Mas, se realmente Jesus se identifica com os mais pobres, então Ele está ao nosso lado”.
Apesar das tantas violências, seu compromisso de educar os jovens continua, como a Irmã Luísa fez por tantos anos. Entretanto, muitos também anseiam por uma vida melhor, com base nos valores do Evangelho. Não é?
“Com os jovens, que viviam com a Irmã Luísa, os que moram na Kay Chal (Casa de Charles), que ela conseguiu construir com a ajuda da Caritas de Milão, conseguimos fazer um pequeno percurso, para que possam compreender que não devemos nos vingar, mas pedir justiça e deixar tudo nas mãos do Senhor; devemos rezar e perdoar os criminosos, que cometeram esta terrível injustiça contra a Irmã Luísa, para que possam se converter e deter suas crueldades. Todavia, não só as crianças e os jovens, mas também os muitos pobres que a Irmã Luísa ajudava: mães e pais de família, que vivem em situações desumanas e dolorosas. Ela procurava dar a todos um pouco de alívio econômico, através da ajuda dos seus amigos italianos e de sua comunidade religiosa. Demos continuar neste caminho, para que todos possam entender o testemunho que a Irmã Luísa nos deixou: amar a todos, apesar de não ser fácil. Esperemos que a polícia, que está fazendo as devidas investigações, descubra quem são os responsáveis, que cometeram este ato de violência e porquê o fizeram. Esta é uma questão dolorosa, mas o sentimento que deve animar os jovens é a confiança de que, talvez um dia, tudo será resolvido”.
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