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Conferência de Lambeth 2022 Conferência de Lambeth 2022 

Cardeal Tagle: “O sonho de uma única família humana para além dos populismos”

O cardeal Luís António Tagle, prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, fez um pronunciamento na “Conferência de Lambeth”, que se realiza em Londres, desde o dia 26 de julho, destacando “o risco de pressões para a polarização e os populismos em sociedades já divididas”. Muitos temas foram abordados, começando pela questão da migração e o convite para redescobrir os recursos da humilde descoberta do próximo.

Fausta Speranza - Cidade do Vaticano

Neste domingo (07/8), mons. Anthony Currer, membro do Dicastério para o Diálogo Inter-religioso, fez um discurso, em nome do Cardeal Kurt Koch, ausente por motivos de saúde.

Nesta segunda-feira (08/8), último dia da “Conferência de Lambeth”, o cardeal filipino, Luís António Tagle, tomou a palavra, dizendo: "É triste notar como os chamados demagogos populistas usam - ou abusam - da religião para seus próprios interesses, minando os esforços para criar relações e formar uma família humana".

A Primeira Carta de Pedro e os desafios da atualidade

O tema escolhido este ano pela Comunhão dos Bispos Anglicanos para a Conferência de Lambeth" é: “A Primeira Carta de Pedro e o decênio vindouro". A Conferência de Lambeth realiza-se a cada dez anos, em Londres, na sede do arcebispo de Cantuária, onde é oficialmente convocada.

Partindo do tema da Assembleia, o cardeal Luís António Tagle fez uma reflexão sobre a Primeira Carta de São Pedro, dirigida à Igreja e ao mundo, destacando as seguintes expressões: estrangeiros da diáspora (1,1); estrangeiros e peregrinos (2,11); outrora não era Povo de Deus, mas agora sim (2,10); raça escolhida, sacerdócio régio, nação santa, Povo de Deus (2,9); pedras vivas de um edifício espiritual em Jesus (2,4-5).

Agir como cristãos

A seguir, o cardeal Tagle fez um premente convite a agir como cristãos, segundo a Carta de Pedro: "não retribuir ultraje com ultraje ou mal com o mal (3,8); sejam unânimes, compreensivos, amorosos, compassivos, humildes (3,8); sempre prontos para explicar a razão de sua esperança, em meio à perseguição e o sofrimento (3,15), ou seja, a ressurreição de Jesus Cristo entre os mortos (1,3); ao observar suas boas obras, seus perseguidores poderão glorificar a Deus" (2,12).

“O sonho de uma família humana”

Com base no seu sonho “de uma casa para a Igreja, a família humana e a criação”, o cardeal filipino convidou os presentes a “deixar que este sonho nos purifique hoje”. Depois, recordou que a Carta de São Pedro é dirigida aos cristãos da diáspora, que assim eram, e se sentiam estranhos e até exilados, e acrescentou: "Às vezes, estamos tão consolidados em nossas vidas e projetos, que começamos a pensar só em nós mesmos e a comportar-nos como latifundiários, povos e ideias". A seguir, citou a expressão do Papa Francisco, que sempre fala de “uma Igreja em saída" e explicou: “Ele imagina uma Igreja que seja uma casa espiritual, precisamente, em seu contínuo encontro com os povos em suas diversas condições de vida".

Os deslocados de hoje

O cardeal filipino dirige ainda seu pensamento preocupado aos deslocados dos nossos dias: migrantes forçados, refugiados, vítimas do tráfico humano, escravidão, preconceitos, perseguições sistemáticas, guerras e desastres ambientais. Pessoas que, quando chegam a um novo lugar, não melhoram, necessariamente, suas condições de vida. Muitas vezes, são rejeitadas como estranhas, marginalizadas e acusadas de causar mal à sociedade”. E se pergunta: “como Igreja e como humanidade, como estamos tratando os milhões de sem-teto? Estão encontrando hospitalidade e compaixão?” Mas, a uma pergunta fundamental é: “como vemos e nos relacionamos com o próximo ou com quem é diferente de nós?” Tudo isso "nos leva, mais uma vez, à questão da diversidade na construção da nossa Casa comum".

Riscos para a "casa espiritual"

O cardeal Luís António Tagle explicou outro aspecto da sua reflexão: “devemos reconhecer, com tristeza, que mesmo dentro da Igreja, as questões étnicas e culturais prejudicam a casa espiritual". E, em geral, lembrou: "sonhar com uma família humana comum está se tornando cada vez mais difícil, até para as gerações futuras, devido às memórias traumáticas, causadas por anos de abandono, violências e guerras".

O desafio contemporâneo do populismo

Por outro lado, o cardeal filipino colocou em realce que “a construção de relações está enfrentando um desafio contemporâneo no âmbito do chamado 'populismo'. Recordando as palavras do Papa Francisco “considerou problemático o uso do populismo como chave para interpretar a sociedade, porque não leva em consideração o legítimo significado da palavra 'povo' (“Todos Irmãos” 157)".

Impulsionar a polarização entre sociedades já divididas

Por fim, em seu discurso, o cardeal Tagle afirmou: “A mídia social influenciou a linguagem cotidiana ao difundir o uso problemático das palavras "populismo" e "populista". De resto, perdeu todo e qualquer valor, que pudesse ter ou se tornar outra fonte de polarização numa sociedade já dividida. Tenta-se classificar povos, grupos, sociedades e governos inteiros como ‘populistas ou não’.” Daí, seu forte convite à reflexão: “É triste constatar que os chamados demagogos populistas usam ou abusam da religião para seus interesses próprios, minando os esforços para desenvolver relações e formar uma família humana”.

A tecnologia digital e o salto das gerações

“Não podemos ignorar a ‘alteridade’ entre as gerações vivida na família”, afirmou depois o Cardeal filipino, ao tratar da tecnologia digital e acrescentou: “Em tempos de inteligência artificial, que tendem a remodelar ou redefinir a identidade humana, o trabalho humano e as relações humanas, segundo a Carta de Pedro é ‘ir a Jesus, pedra viva’, para que nele nos tornemos pedras vivas da casa espiritual de Deus”. Daí, o convite a aprender de Jesus o que ele define como "inteligência cultural".

Recurso à humildade

Neste sentido, o cardeal Tagle expressou sua convicção: "o fato de convidar as pessoas a caminhar e conviver requer humildade". As pessoas são diferentes, não só pela sua liberdade individual, mas também pela sua cultura, que, para nós, é como uma segunda natureza. Conversamos, agimos, nos relacionamos, comemos, reclamamos e celebramos segundo as nossas culturas”. Por isso, explicou qual deveria ser o significado de ‘inteligência cultural’: "Aos poucos que crescemos no conhecimento de como a cultura me moldou, também tentamos entender como outras pessoas expressam sua humanidade em suas culturas". E faz uma recomendação precisa: "No processo, devem ser admitidos e purificados todos os sinais de superioridade e preconceito cultural. É preciso ter humildade para admitir que, embora eu não conheça muitas culturas, poderia estar pronto para julgar o que não me é familiar".

O papel dos líderes religiosos

Por fim, o cardeal Luís António Tagle sugeriu: “Os líderes pastorais deveriam desenvolver sua capacidade de apreciar outras culturas, não apenas por meio de estudos sociológicos, mas também através de uma simples observação. A caminhada intercultural em conjunto reduz o medo do outro e permite que as culturas se purifiquem e descubram o melhor umas das outras. Jesus pertencia a uma cultura do seu tempo, mas, também, trouxe a ‘cultura de Deus’ para as ‘culturas humanas’. Ele foi crucificado fora dos muros da cidade. Do seu peito transpassado, nasceu uma casa para estrangeiros e exilados. Ele quer que seu Corpo, a Igreja, seja esta casa. Nele, Pedra Viva, seus discípulos encontram esperança e motivo de alegria”.

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08 agosto 2022, 15:14