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Geraldo De Mori: Frutos da escuta sinodal

O processo sinodal, tal qual foi proposto pela Secretaria Geral do Sínodo, traz como tema: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”.

Geraldo De Mori – Religioso Jesuíta

Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta, e que o Senhor lhe concedesse o seu Espírito!” (Nm 11,29)

O texto “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2), Documento de Trabalho para a etapa continental do sínodo sobre a sinodalidade, publicado pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, em 27/10/2022, e o texto, Para uma Igreja sinodal em saída para as periferias. Reflexões e propostas pastorais a partir da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e o Caribe, publicado pela Presidência do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM), no início de novembro de 2022, trazem, em parte, o resultado de dois processos relacionados ao caminho sinodal proposto pelo Papa Francisco: o da escuta feita no conjunto do episcopado mundial para o sínodo sobre a sinodalidade, e o da I Assembleia Eclesial Latino-Americana e Caribenha, ocorrida em novembro de 2021[1].

Não se trata aqui de fazer uma apresentação em detalhe desses dois textos, mas de apontar seu significado para o processo sinodal ora em curso no conjunto da Igreja. Em nível mundial, mas também no Brasil, há, por um lado, muita expectativa e, por outro lado, certo ceticismo e por que não dizer certo desencanto com todo esse processo. Nesse sentido, é importante revisitar a intenção que está por detrás desses dois textos.

O processo sinodal, tal qual foi proposto pela Secretaria Geral do Sínodo, traz como tema: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação, missão”. Aberto oficialmente em 10/10/2021, em uma cerimônia solene na Basílica de São Pedro, pelo Papa Francisco, e, nas semanas seguintes, nas dioceses de todo o mundo, implica quatro grandes passos: escuta, discernimento, tomada de decisões e aplicação. O texto publicado em 27/10/2022 recolhe as contribuições da etapa da escuta, mas já realizando uma primeira síntese do conjunto dessa etapa em todos os episcopados do mundo, que, sob muitos pontos de vista, já equivale a um momento do discernimento. Segundo a Introdução do Documento, chegaram sínteses de 112 das 114 Conferências Episcopais e de todas as 15 Igrejas Orientais, além de reflexões de 17 dos 23 dicastérios da Cúria, da que veio dos Superiores Religiosos (USG/UISG), dos Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, de Associações e Movimentos de fiéis leigos e contributos pessoais e grupais (mais de mil), sem contar as contribuições vindas das redes sociais da Igreja.

O texto está organizado em quatro partes. A primeira recolhe a experiência do processo sinodal, apresentado ao redor dos termos “frutos, sementes e ervas daninhas da sinodalidade” e da recordação da “comum dignidade batismal”. A segunda propõe uma nova escuta das Escrituras. A terceira apresenta o horizonte que se descortina da escuta em termos de “Igreja sinodal missionária”. A quarta parte indica os próximos passos.

O segundo texto, proposto pela Direção do CELAM após quase um ano da realização da I Conferência Eclesial da América Latina e o Caribe, realizada em Guadalupe no final de novembro de 2021, está organizado em três partes, cada uma constituída de vários capítulos. A primeira parte, dedicada ao ver, do método ver-julgar-agir, tem como tema “Sinais dos tempos que nos interpelam”. Após uma introdução, e a recordação da pandemia, o texto propõe uma leitura da realidade latino-americana e caribenha ao redor de seis eixos: socioeconômico, sociopolítico, ecológico, sociocultural, religioso e dos rostos protagônicos. Em seguida, traz elementos da realidade eclesial: o chamado à superação do clericalismo, a formação e participação dos/as leigos/as, os itinerários formativos nos seminários e casas religiosas, os casos de abusos na Igreja, a experiência pessoal de encontro com Cristo. A segunda parte, dedicada ao “julgar”, do método ver-julgar-agir, reflete sobre a Igreja em perspectiva sinodal e missionária ao serviço da vida plena. Organizada em dois capítulos, o primeiro, indica a relação entre a Assembleia e a Conferência de Aparecida, e o segundo mostra como o Espírito é derramado no povo de Deus em chave sinodal. A terceira parte recolhe o agir, do método ver-julgar-agir, e possui duas subpartes, a primeira aponta a perspectiva geral, a de uma “Igreja evangelizada e evangelizadora em perspectiva missionária” e a segunda, composta de seis capítulos, recolhe os 41 desafios apresentados na I Conferência Eclesial da América Latina e o Caribe ao redor de seis grandes eixos: 1. o querigmático e missionário, 2. o profético e formativo, 3. o espiritual, litúrgico e sacramental, 4. o sinodal e participativo, 5. o sociotransformador, 6. o ecológico.

Que papel esses textos desempenharão no próximo sínodo dos bispos, a ser realizado em duas sessões, em outubro de 2023 e em outubro de 2024? Em que poderão iluminar a caminhada da Igreja no atual momento em que se encontra? O primeiro texto tem como função animar a fase continental da escuta para o sínodo. Já delineia em grande parte as grandes questões vindas de todos os episcopados e certamente indicará vários dos elementos do documento de trabalho ao redor do qual os bispos farão o discernimento que lhes é pedido no sínodo, apontando as principais decisões a serem implementadas para que a Igreja se torne cada vez mais sinodal em saída missionária. O segundo texto, apesar das dificuldades presentes na realização da I Assembleia Eclesial da América Latina e o Caribe, é profundamente enraizado no processo de escuta que deu origem à própria Assembleia, bem como a todas as contribuições que nela surgiram, representando, sem dúvida alguma, uma das principais leituras dos grandes desafios presentes na realidade e na Igreja do continente latino-americano e caribenho.

O atual processo sinodal, que tem como principal finalidade ajudar a Igreja a experimentar um novo desejo de “caminhar junto”, na comunhão, num momento em que todo tipo de oposição, divisão e cisma parece ameaçá-la, não só em nível nacional, mas também internacional, busca também criar em todos os fiéis o sentido de corresponsabilidade na vida da própria Igreja e o elã missionário, para que a Igreja seja de fato no mundo um sinal do reino de Deus, contribuindo para que todos tenham vida.

Muitas dioceses do Brasil realizaram a etapa da escuta. Em várias delas, o resultado dessa etapa tem alimentado processos sinodais interessantes, tornando vivo o objetivo traçado pelo Papa ao convocar o sínodo sobre a sinodalidade. A CNBB também disponibilizou o relatório do conjunto das dioceses do país. Com esses textos e os que a Secretaria do Sínodo dos Bispos e o CELAM acabam de tornar públicos, o caminho de um aprofundamento da escuta, que constitui a primeira etapa do sínodo, pode ser retomado nas dioceses do país, o que lhes permitirá sentir-se realmente caminhando juntas rumo a uma Igreja cada vez mais sinodal e missionária. Oxalá os fiéis, os agentes de pastoral, a vida religiosa, os membros do ministério ordenado possam aproveitar esta chance única de viver um verdadeiro processo de conversão da Igreja.

Geraldo De Mori SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da FAJE

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15 novembro 2022, 13:13