O dia em que o Papa chorou
Marcus Tullius - Pascom
Ganhou destaque nos principais portais de notícias a imagem do Papa Francisco chorando, nesta quinta-feira, durante a tradicional homenagem feita a Nossa Senhora, na Praça de Espanha, centro de Roma. O gesto, que remonta ao ano de 1953, é um testemunho da relação especial do bispo de Roma com a cidade no dia em que a Igreja celebra a Imaculada Conceição. Num mundo marcado pela insensibilidade, pelos conflitos entre as nações, pela descartabilidade e descuido das pessoas, pela fome, pela economia desalmada e pelas relações interesseiras, gestos simples, como as lágrimas de um ancião, viram destaque.
Talvez fôssemos tentados a indagar o porquê do choro, como os anjos à Madalena (cf. Jo 20,11-18). A apóstola dos apóstolos respondeu que não sabia onde tinham colocado o seu Senhor. Papa, por que choras? Francisco sabe por quem chora. As lágrimas caíram exatamente quando a boca do pontífice pronunciava uma prece pelo povo da Ucrânia, sofrendo há 9 meses com a guerra: "Virgem Imaculada, hoje gostaria de lhe trazer o agradecimento do povo ucraniano pela paz que há muito tempo pedimos ao Senhor.” Não é um choro egoísta, nem uma prece egoísta. Francisco apresenta a súplica “das crianças, dos idosos, dos pais e das mães, dos jovens daquela terra martirizada.”
O Papa não chora enquanto discursa. O Papa chora enquanto reza. As suas lágrimas brotam em meio à oração, fazendo as palmas da multidão romper o silêncio reinante naquele espaço. O choro do Papa é autêntico e não é por acaso, nem estratégia midiática. O choro do Papa é resposta ao seu pedido do dom das lágrimas. As lágrimas vieram naquele momento e, certamente, devem visitar seu rosto muitas vezes nos momentos de solidão, de oração ou dos encontros com as dores da humanidade que marcam sua rotina. Muitas vezes o vemos comovido, raramente chorando como neste 8 de dezembro.
O choro do Papa é expressão de sua humanidade, um ser plenamente humano. Jesus também chorou, porque em tudo se fez semelhante a nós, menos o pecado (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 470), e proclamou bem-aventurados aqueles que choram, porque serão consolados (Mt 5,4). No contexto da ressurreição de Lázaro, o Evangelista João narra o encontro com a família de Betânia e, após descrever a fala de Maria, pontua que ao vê-la chorar, assim como os que a acompanhavam, ficou comovido. E acrescenta: "Jesus chorou" (Jo 11,35). O Papa chorou.
Em 18 de janeiro de 2015, durante encontro com jovens na Universidade de São Tomás, em Manilla, Francisco afirmou que “certas realidades da vida só se vêem com os olhos limpos pelas lágrimas.” A mesma expressão é retomada por ele na exortação apostólica Christus Vivit (n. 76), dirigida aos jovens seguida do questionamento: “aprendi eu a chorar, quando vejo uma criança faminta, uma criança drogada pela estrada, uma criança sem casa, uma criança abandonada, uma criança abusada, uma criança usada como escravo pela sociedade?” E nós: será que aprendemos a chorar diante do sofrimento dos outros? É esta o aprendizado ao qual Francisco se refere, considerando, se o pranto não vem, devemos pedi-lo.
Muitos de nós talvez choremos – e não poucas vezes – por algo que não saiu como esperado, pelo fracasso em um projeto, pelo sonho frustrado, pela mágoa em uma discussão, mas as lágrimas que devemos pedir são aquelas que regam o sofrimento dos outros e torna-o mais suave diante de Deus. Na homilia da Quarta-Feira de Cinzas em 2015, o pontífice afirmou que “os hipócritas não sabem chorar, já se esqueceram de como se chora, não pedem o dom das lágrimas.”
Em outras ocasiões, nas quais falou sobre o dom das lágrimas, Francisco exortou a pedir “pelas tantas calamidades que fazem sofrer o povo de Deus e os filhos de Deus” (Meditação matutina na Casa Santa Marta, 25 de maio de 2018) e que “é necessário também despertar as pessoas que não se deixam comover pela dor dos outros” (Audiência Geral, 12 de fevereiro de 2020), ou seja, as que não são capazes de amar de forma sincera.
8 de dezembro de 2022, o dia em que o papa chorou. Na década de 70, Raul Seixas escreveu O Dia Em Que a Terra Parou. O que poderia parecer só a tentativa de descrever um sonho, por meio de uma sequência de frases sem sentido e a possível loucura de parar a terra, é a forma de expressar a busca pela paz mundial. O Brasil lidava com as duras consequências da ditadura militar e o mundo, com a Guerra Fria.
Com o rosto banhado pelas lágrimas, revelando a “beleza indescritível” - expressão de Efrém, o Sírio, retomada por Francisco na audiência de fevereiro de 2020 -, sonhemos o sonho de Deus e cantemos, como Raul, que “o soldado não saiu pra ir pra guerra, pois sabia que o inimigo também não tava lá”. Chegará o dia em que veremos um mundo sem inimigos, sem guerra e não precisaremos escrever sobre a cena do choro de alguém viralizar. Neste dia, o dom das lágrimas será de agradecimento e de alegria. Dai-nos, Senhor, o dom das lágrimas!
Marcus Tullius - Coordenador-geral da Pascom Brasil, membro do Grupo de Reflexão sobre Comunicação da CNBB, mestrando em Comunicação Social pela PUC Minas e apresentador do programa Igreja Sinodal em emissoras de inspiração católica.
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