Shevchuk: guerra não impede o Natal. Parar de nos matar é o primeiro passo para a paz
Salvatore Cernuzio – Enviado a Kiev (Ucrânia)
“Parar as ações militares, deixar de nos matar, este será o primeiro passo para uma paz autêntica e duradoura. A paz é algo mais profundo do que a ausência de guerra. Não se trata apenas de vencer a guerra, mas de vencer o próprio espírito da guerra, vencê-la nas suas causas”.
Enquanto faz mais um premente apelo pela Ucrânia e seu povo, na estante atrás do arcebispo-mor de Kiev-Halyč, Sviatoslav Shevchuk, há um capacete e um colete à prova de balas. “Sinta o quanto eles pesam... no início costumávamos usá-los todos os dias. Alguém brincava: são as novas vestes litúrgicas!”, conta o chefe da Igreja Greco-Católica ucraniana aos jornalistas em missão nas Embaixadas junto à Santa Sé da Polônia e Ucrânia, recebidos no arcebispado com biscoitos e café.
A alegria do natal
Muita coisa mudou desde aqueles primeiros dias terríveis da agressão russa na Ucrânia no final de fevereiro, em que, diz Shevchuk apontando para uma janela: "dali se via descer uma chuva de fogo". Ele próprio havia se refugiado com centenas de pessoas na cripta da Catedral da Ressurreição. Hoje ele fala mais relaxado. O seu pensamento dirige-se sobretudo à chegada do Natal: “Temos o costume de entoar cânticos natalinos aos nossos próximos, especialmente aos mais necessitados, para partilhar alegria e as felicitações. Todos agora perguntam: haverá alegria de Natal, será permitido cantar ou devemos estar calados e chorar? Eu disse sim e sim, vai ter Natal. Temos o direito de celebrar a alegria natalina que não vem da diversão profana, mas do Céu porque vai nascer o Príncipe da Paz”.
Festa no front e em abrigos
Essas festividades chegarão até o front. De fato, haverá alguém que cantará para os soldados engajados nas linhas de combate, anuncia Shevchuk. “Na época soviética – recorda – as canções natalinas eram uma forma de protesto contra o regime comunista ateu. As pessoas cantavam para superar ansiedades e tristezas. Os cantos são uma expressão da fé cristã, são uma catequese que canta o nascimento de Jesus, por isso muitos se preparam para ir cantar com os nossos soldados na fronteira. Sei que vários estudantes estão se organizando”. A mesma festa será realizada em todos os abrigos antiaéreos e em todos os abrigos: “Celebraremos o Natal no frio e no escuro. Isso nos fará experimentar na pele a história da Sagrada Família, também no frio e no escuro, mas com uma alegria celestial”.
Não se acostumarcom isso
É, portanto, uma mensagem de esperança que o líder greco-católico quer difundir em meio aos ataques na Ucrânia e à libertação de muitas cidades. “Sim, mas você tem que ter cuidado. Quando você ouve o alarme de ataque aéreo, não se dá mais muita atenção. Isso demonstra que o perigo não diminui, mas as pessoas se acostumam psicologicamente. É um risco, porque agora temos o fenômeno dos mísseis. Eles podem cair em qualquer lugar, tanto em Kiev como em Lviv. Não há lugar seguro na Ucrânia."
A emergência do frio
Diante da eventualidade, porém, é mais urgente lidar com as emergências. E a primeira no momento para a Ucrânia devastada pela guerra é o frio e a incapacidade de se aquecer devido a picos de corrente e racionamento de eletricidade. “O frio é a causa da quinta onda de deslocados internos”, explica Shevchuk. “Desde o início da guerra, primeiro os oligarcas pegavam o dinheiro e fugiam, depois aqueles que, com seus próprios meios, encontravam hotéis e outros lugares e ainda as pessoas sem nada que fugiam de mãos vazias. Penso na família da cidade de Boryspil', que caminhou descalça à noite 23 km, junto com seus filhos. Por fim, houve uma quarta leva de refugiados que não foi muito longe, mas procurou o primeiro povoado e esperou o momento de voltar para casa. Agora a nova onda, a quinta: os refugiados termais que fogem não da guerra, mas do frio e lotam o centro-leste da Ucrânia".
Uma cozinha no subsolo da casa do arcebispo
“Não estávamos preparados para o fenômeno da falta de eletricidade e da necessidade de alimentar tanta gente”, diz Shevchuk. “De imediato, tomamos medidas para construir cozinhas para oferecer refeições quentes.” Uma cozinha será construída logo abaixo de sua casa: “Em poucos dias ficará pronta, temos que organizar a logística de distribuição dos alimentos. Como Igreja não podemos pensar em alimentar a todos, mas tentamos receber todos que podemos. É o nosso cuidado pastoral”. Uma pastoral de proximidade.
Mensagens diárias de vídeo
É precisamente essa proximidade que levou Shevchuk, todos os dias desde 24 de fevereiro, a produzir uma mensagem em vídeo divulgada na web. Uma iniciativa exigente, cuja origem o responsável da Igreja Greco-Católica assim explica: "No primeiro dia todos estavam desorientados, viam-se helicópteros russos e fogos do céu, o mundo inteiro começou a chamar-me: estão vivos? Onde estão? O que fazem? Não sabia o que dizer: não sei se estarei vivo daqui a duas horas, pensava. Então eu disse para o secretário: vamos produzir uma mensagem para confirmar que estamos vivos. Percebi que com essas mensagens eu poderia ajudar as pessoas a racionalizar o medo e falar sobre a esperança que vem da fé. Depois de 2-3 semanas, eu me perguntei: vale a pena? Então, um dia, fui à atormentada cidade de Zhytomyr e em uma paróquia uma idosa se aproximou de mim para dizer: 'Vivemos em constante terror, temos medo, é bom que fales conosco'. 'Mas, senhora, eu não sei mais o que dizer a vocês!'. 'Não importa o que dizes, importa que fales conosco'. Então compreendi que mesmo que não soubesse mais o que dizer, é importante que as pessoas ouçam a voz da própria Igreja que as acompanha”.
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