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Dom Evaristo Spengler: vou para Roraima “em espírito de serviço e de prontidão”

A Roraima dom Evaristo chega “com grande espírito de escuta, com os olhos abertos, com os ouvidos atentos”, querendo se integrar numa Igreja marcada por um “espírito de descoberta do que Deus quer de nós a cada momento”.

Padre Luis Miguel Modino, assessor de comunicação CNBB Norte1

Nomeado bispo da diocese de Roraima num momento em que “estava pronto para continuar essa missão por muito tempo aqui no Marajó”. Mas em obediência à Igreja e com alegria, dom Evaristo Spengler se dispõe para assumir sua nova missão.

Essa nova caminhada, ele quer fazer de modo sinodal, enfrentando os desafios que fazem parte da realidade local, migrantes, indígenas, mas sabendo que “são desafios muito grandes, que não se podem enfrentar apenas a nível de Igreja, mas em comunhão com todos”.

A Roraima dom Evaristo chega “com grande espírito de escuta, com os olhos abertos, com os ouvidos atentos”, querendo se integrar numa Igreja marcada por um “espírito de descoberta do que Deus quer de nós a cada momento”. Sempre caminhando juntos, em unidade, buscando “o fortalecimento das nossas comunidades”.

Dom Evaristo
Dom Evaristo

O senhor acaba de ser nomeado bispo da diocese de Roraima. Em sua primeira mensagem ao povo de Deus da sua nova Diocese o senhor mostra sua surpresa diante dessa nomeação. Como está vivenciando este momento em sua vida pessoal, mas também em sua vida como Bispo?

Eu estou apenas seis anos aqui no Marajó e quando fui nomeado para a Amazônia vim com muita alegria. Nós iniciamos um processo sinodal na Prelazia no início do ano 2020 para preparar uma assembleia do povo de Deus que acontece a cada quatro anos, e fomos interrompidos pela pandemia, e só conseguimos após uma longa escuta nas comunidades fazer a assembleia agora em julho de 2022, e aí começamos a fazer o Plano de Pastoral, que foi aprovado em janeiro de 2023, há poucos dias.

Haviam sido feitas novas nomeações para coordenações pastorais e estava pronto para continuar essa missão por muito tempo aqui no Marajó. Mas Deus apresenta suas surpresas, e quando o Núncio disse que o Papa Francisco havia me nomeado para a Diocese de Roraima, eu acolhi com muita disponibilidade e apertura de coração e com atitude de serviço. Eu sou franciscano e sempre quero ter essa obediência à Igreja, e vou com alegria a acolher esses novos irmãos que Deus me dá na Diocese de Roraima.

Uma diocese que tem uma história, da qual o senhor é consciente. Como o senhor valoriza o que já foi vivido na Igreja de Roraima ao longo de mais de um século de prelazia e diocese e de mais de três séculos de evangelização?

Eu sou muito grato a todo o trabalho realizado por todos os bispos, padres, religiosas, lideranças das comunidades e vou agora a me integrar nessa caminhada. Não vamos começar uma nova história, mas vamos continuar a história que já tem mais de cem anos e eu quero aprender com o povo, com os padres, aprender da realidade, estar atento ao que Deus quer para essa missão na Diocese de Roraima.

É a soma dos dons, a soma dos valores, sempre na escuta dos sinais que Deus nos dá é que nós vamos fazer uma caminhada sinodal, caminhar juntos como povo de Deus.

Uma diocese marcada por uma realidade social às vezes conflituosa, às vezes complicada, garimpo, povos indígenas, migrantes, desafios grandes para alguém que está chegando. Como o senhor pensa que podem ser enfrentados esses desafios?

Eu já devia feito uma visita a Roraima, juntamente com a Comissão de Enfrentamento ao Tráfico Humano, em 2018. Infelizmente não pude estar lá, porque naquele período faleceu uma irmã minha e fui para o funeral. Mas sempre tive um acompanhamento próximo de toda a migração venezuelana que chega até Roraima, o trabalho feito na diocese, um trabalho grandioso, um trabalho competente, um trabalho que merece todo o nosso respeito e a nossa consideração.

Também tenho acompanhado de muitos anos a questão dos indígenas yanomami. Eu lembro que a primeira vez que me chamou a atenção, estava fazendo um curso de seis messes no Chile e lá a gente ouvia muito poucas notícias do Brasil. Naquele tempo ainda não tinha a facilidade da internet e dos meios de comunicação como temos hoje. Eu assistia o principal jornal do país e durante seis messes só teve três notícias do Brasil, uma delas foi o massacre dos indígenas yanomami. A partir daquilo começou a me chamar a atenção a história desse povo, comecei a estudar mais, comecei a conhecer melhor. Agora recentemente essa tragédia humanitária que se desenvolve em relação a esse povo yanomami, pelo qual tenho grande respeito.

A Igreja sempre esteve ao lado desse povo, e também eu chegando quero me colocar ao lado deles para estar resgatando cada vez mais junto com todos a dignidade, o respeito, ao nosso povo yanomami. A própria CNBB me fez uma comunicação de que está fazendo uma doação de cestas básicas, alimentação para o povo yanomami através da Diocese de Roraima. A Igreja está muito atenta, são desafios muito grandes, que não se podem enfrentar apenas a nível de Igreja, mas em comunhão com todos os homens e mulheres de boa vontade e também com todos os organismos institucionais poderemos ajudar o nosso povo a ter mais vida e vida em abundância.

Pastoralmente, a Diocese de Roraima sempre foi uma Igreja viva, comprometida, com grande presença missionária. Dentro da dinâmica da sinodalidade que a Igreja está vivendo hoje, como o senhor pensa que pode ser continuado esse trabalho evangelizador?

Eu vou com grande espírito de escuta, com os olhos abertos, com os ouvidos atentos, a toda a realidade do povo, à história já construída, a todas as forças que ajudam a esta Igreja a ser mais viva, e eu quero me integrar. Então vamos trabalhar com certeza com um espírito de sinodalidade, e é nesse espírito de descoberta do que Deus quer de nós a cada momento que vamos fazendo nosso caminho conjunto para frente.

Caminhar juntos é muito importante, caminhar na unidade, caminhar de fato na busca do projeto de Deus. Caminhar na unidade não significa que todos pensem da mesma forma, mas com pensamentos diferentes. Com atitudes que convivem, o Deus que nos chama nos envia em missão para dar uma resposta de vida mais plena a todo esse nosso povo.

Uma das coisas mais importantes que eu penso que a Igreja do Brasil pede hoje a todos nós é o fortalecimento das nossas comunidades, comunidades realmente vivas, missionárias, ministeriais, comunidades que possam não apenas celebrar, mas possam anunciar, possam testemunhar a Palavra de Deus, possam viver plenamente a caridade de forma missionária. Ou seja, não uma Igreja que seja repetitiva do que se fez ou se faz, mas buscar sempre novos caminhos que Deus vai nos apresentando.

Até sua chegada no Marajó, o senhor trabalhou sobretudo no Estado do Rio de Janeiro e durante 10 anos foi missionário em Angola. O que o senhor tem descoberto, vivenciado, assumido na Amazônia nos quase seis anos que foi Bispo na Prelazia do Marajó e o que espera descobrir nesta outra região da Amazônia com uma realidade, inclusive no próprio bioma, totalmente diferente?

Eu estive refletindo e achei que Deus levou muito a sério o meu lema presbiteral. Eu escolhi o lema do Êxodo onde Deus chama a Moises: “Vai, eu estou contigo”. E cada vez que eu estou um tempo em um lugar Deus me diz vai agora para outra terra, como também disse a Abraão. Durante a minha vida de padre franciscano trabalhei um tempo longo na Baixada Fluminense, em Duque de Caxias com Dom Mauro Morelli, depois em Nova Iguaçu com Dom Luciano Bergamin, e depois fui enviado para Angola.

Fiquei lá 10 anos, foi no final da guerra civil, foi um tempo muito difícil, um povo que estava faminto, não só de pão, mas também da Palavra de Deus, que em muitas regiões o povo tinha ficado, dez, quinze, vinte anos sem a presença de um missionário, e eles faziam uma catequese oral, rezavam juntos todos os dias, uma Igreja que de fato se manteve pela presença dos leigos.

Depois que voltei de Angola, retornei à Baixada Fluminense, fui eleito vice provincial da Provincia dos Franciscanos de São Paulo e aí pensei que estaria lá por algum tempo, mas logo fui nomeado como Bispo da Prelazia do Marajó. E agora, após seis anos aqui sou enviado para a Diocese de Roraima. Sempre em espírito de serviço e de prontidão para aquilo que Deus quer de nós.

Você dizia que vir para o Marajó ajudou conhecer a Amazônia, e de fato foi assim. A minha vinda ao Marajó foi a porta de entrada para conhecer a Amazônia. Quando eu cheguei aqui, eu fiz questão de participar de todos os cursos possíveis, todos os estudos que pudessem me ajudar a conhecer e me adentrar mais na realidade amazônica. E teve uma grande sorte, que logo em seguida o Papa convocou o Sínodo para a Amazônia. O Sínodo foi um processo de formação, um processo sinodal importantíssimo na minha vida, para conhecer mais a realidade indígena, a realidade quilombola, a realidade ribeirinha, e também conhecer na prática o nosso povo que está aqui na região.

Eu sei que Marajó e Roraima têm realidades bem distintas, aqui nós temos mais de 500 comunidades na beira dos rios, no interior dos municípios. Lá em Roraima nós temos quase todo o acesso por estradas, por terra, coisa que não acontece no Marajó, que a gente vai só de navio, de barco, de lancha. A história com certeza é diferente, aqui não tem mais povos indígenas organizados, aqui teve um grande massacre, porque aqui era a entrada para a Amazônia.

Todos os povos que aqui chegaram para conquistar foram dizimando aos poucos os povos indígenas. E hoje, a gente percebe o povo indígena nos costumes, percebe nos rostos, na fisionomia, na cultura, mas já não mais nenhum povo organizado aqui, enquanto que lá em Roraima nós temos ainda uma presença bem forte dos povos indígenas. Então, estou conhecendo, eu vou aberto a conhecer essa realidade e saber também, junto com o povo que já está lá na prática evangelizadora, como me colocar ao serviço dessa Igreja que tem essa história tão longa de mais de cem anos.

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28 janeiro 2023, 10:43