A Eucaristia como sacramento da caridade em Bento XVI
Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá (PA)
A morte do Papa emérito, a sua páscoa, passagem desta vida para a outra, à eternidade, colocaram a importância da pessoa de Bento XVI, as suas declarações em nível social, eclesial, doutrinal, sacramental. O Papa Francisco disse na catequese de quarta-feira, dia 04 de janeiro que o Bento XVI foi um grande mestre de catequese. O seu pensamento foi eclesial, levando as pessoas ao encontro com Jesus, o Crucificado e o Ressuscitado, o Vivente e o Senhor[1]. Bento XVI foi um grande Papa que soube unir a fé e a razão, dialogou com as outras igrejas, religiões, e ele conduziu as questões internas difíceis com sabedoria e amor, sendo um grande pastor na vida eclesial e no mundo.
É muito importante lembrar as suas exortações, e escritos ligados ao evangelho de Jesus Cristo e à tradição da Igreja. Em outubro do ano de 2005 ocorreu a décima primeira assembléia geral ordinária do Sínodo dos bispos que aprofundou o tema da Eucaristia, como conseqüência do ano da eucaristia em clarividência dada ainda por João Paulo II tendo como base, o Congresso Eucarístico Internacional em Guadalajara, México, no mês de outubro de 2004 e em Outubro de 2005 terminou com a décima primeira assembléia sinodal[2]. Bento XVI conduziu o Sínodo dos bispos.
Sacramento da caridade
Com a exortação apostólica pós-sinodal Sacramentum Caritatis, Sacramento da Caridade, queria o papa Bento, em unidade com a Assembleia dos Bispos, que todos tivessem em conta o mistério eucarístico, a ação litúrgica e o culto espiritual derivantes da eucaristia enquanto sacramento da caridade[3]. A Eucaristia dá o sentido de ágape, de Deus, de amor divino que vem a nós de uma forma corporal, para que assim a sua ação continue em nós e através de nossa vida, de seguidores e seguidoras do Senhor[4].
Mistério da fé
Na época o Papa Bento reforçou um dado fundamental na qual nós manifestamos a fé na eucaristia, que após a consagração o sacerdote proclama o mistério da fé, pois se trata da conversão substancial do pão e do vinho em corpo e sangue de Jesus Cristo, um dado que ultrapassa a compreensão humana. Assim a fé da Igreja é a fé eucarística, concedida pela mesa da Eucaristia. O papa dizia que quanto mais viva for a fé na Eucaristia dada pelo povo de Deus, tanto mais será a sua participação na vida eclesial em vista da missão que Cristo confiou aos discípulos para testemunhá-lo aos outros e ao mundo. Qualquer reforma na vida eclesial sempre esteve ligada à fé na presença eucarística do Senhor no meio do povo de Deus[5].
Jesus dá-se a si mesmo
Bento XVI colocou um item fundamental que a eucaristia não dá “alguma coisa”, mas é Jesus que se dá a si mesmo pela entrega do seu corpo e do seu sangue. Ele dá a totalidade da própria vida, profundamente ligada à fonte originária do seu amor divino e humano, ele sendo o Filho eterno que o Pai entregou para a humanidade. Na afirmação que Jesus disse aos seus discípulos de que ele era o pão descido dos céus e quem comer dele viverá eternamente (Jo 6,51) manifesta-se o Senhor como o pão da vida que o Pai eterno dá aos seres humanos[6]. Jesus é o pão divino, como dom gratuito para a salvação das pessoas, do mundo; a Igreja celebra e adora este dom, com fidelidade e obediência.
Jesus é o Cordeiro imolado
A Eucaristia tem presente Jesus como o verdadeiro Cordeiro imolado para a vida de todas as pessoas. Pela sua morte de cruz (Fl 2,8) cumpriu-se a nova e eterna aliança. Em Jesus na cruz a liberdade de Deus e a liberdade humana juntaram-se de uma forma eterna. O pecado ficou expiado para sempre pelo Filho de Deus (Hb 7,27). No mistério pascal foi realizada a libertação humana do mal, do pecado e da morte. Nas missas as pessoas se aproximam do altar para receber o Senhor como o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1,29), e também por ser a expressão de São João Batista ao ver Jesus chegando nele. Jesus é o Cordeiro verdadeiro que se ofereceu a si mesmo em sacrifício, realizando desta forma a nova e eterna aliança[7].
A última Ceia
Jesus instituiu a eucaristia na última ceia, para ficar eternamente com o seu povo. Se a antiga ceia constituiu o memorial do acontecimento libertador da escravidão do Egito, havendo a imolação de cordeiros (Ex 12,1-28.43-51), na nova Aliança, instituída por Jesus na Eucaristia ele torna-se pelo sacrifício da cruz e a vitória da ressurreição como o verdadeiro Cordeiro imolado, em unidade com o desígnio do Pai (1 Pd 1,18-20). A morte de Jesus tornou-se ato supremo de amor e libertação da humanidade do mal[8].
Fazer em memória do Senhor
Ainda segundo Bento XVI o “Fazei isto em memória de mim” (Lc 22,19; 1 Cor 11,25) solicita de todos os ministros ordenados a correspondência ao dom de Jesus, representado de uma forma sacramental e é ao mesmo tempo a esperança de que a Igreja acolha o dom do Senhor no pão e no vinho consagrados que estando sob a guia do Espírito Santo, é percebida na forma litúrgica do sacramento. O memorial do seu dom não é uma simples repetição da última Ceia, mas sim na eucaristia, pela novidade radical do culto cristão[9].
A presença do Espírito Santo na Eucaristia
Bento XVI afirmou que com o pão e o vinho, Jesus ofereceu a todas as pessoas os elementos essenciais do culto divino. A Igreja é chamada a celebrar o banquete da Eucaristia de uma forma cotidiana em memória do Senhor, tornando-se presente em todas as culturas. A Igreja é guiada pelo Espírito Santo para celebrar o mistério da Eucaristia junto às pessoas e às comunidades eclesiais. O Espírito Santo esteve presente em plenitude na vida inteira do Verbo encarnado, impelindo-o à missão de anunciar a boa nova aos pobres, curar os doentes(Lc 4, 18), e esta palavra exorta também aos discípulos e discípulas a fazerem a mesma atitude, para que o Senhor continua presente, ativo na sua Igreja, a partir da eucaristia[10].
A Eucaristia na unidade com a Igreja
O Papa dizia que a Eucaristia liga as pessoas com Cristo Jesus e com a Igreja. Na cruz, o Senhor gerou a Igreja como sua esposa e o seu corpo. Ele lembrava São João Paulo II que a Igreja vive da eucaristia existindo um influxo causal da Eucaristia na vida eclesial e nas suas origens[11]. Em cada Celebração Eucarística existe o primado do dom de Jesus Cristo, a sua presença na Eucaristia, revelando o seu amor para com toda a humanidade[12].
A eucaristia, constituição da Igreja
A Eucaristia é parte constitutiva do ser e do agir da Igreja. A unidade da comunhão eclesial dá-se nas comunidades cristãs e renova-se na ação eucarística. Assim a unidade do corpo eucarístico é a unidade na Igreja que é também una e indivisível em Jesus Cristo. Na celebração da Eucaristia, a pessoa encontra-se na sua Igreja, a do Senhor Jesus Cristo. O Papa insistia na importância do diálogo e amor entre todos os membros das comunidades locais, com outras Igrejas cristãs e com as pessoas de outras religiões, porque pela Eucaristia estabelece-se a unidade verdadeira em Cristo Jesus[13].
O Papa Bento XVI foi um Papa que viveu a Eucaristia como dom de Jesus e como responsabilidade humana. Ele viveu a unidade com o Senhor e com a Igreja. A Eucaristia visa a vida humana e um dia a eterna. É preciso que a Eucaristia seja dada em todas as comunidades e onde não tenha uma presença constante do sacerdote tenha a celebração da palavra com a Eucaristia. A Eucaristia une o fiel ao Senhor e à comunidade para viver o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo.
[1] Cfr. Na Audiência Geral, a homenagem de Francisco a Bento XVI, "mestre de catequese" - Vatican News.
[2] Cfr. Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 4. São Paulo, Paulinas, 2007, pgs. 6-7.
[3] Cfr. Idem, pg. 9.
[4] Cfr. N. 14 AAS 98 (2006), 229, In: Idem, pg. 9.
[5] Cfr. Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 6, pgs. 11-12.
[6] Cfr. Idem, n. 07, pgs, 12-13.
[7] Cfr. Idem, pgs. 15-16.
[8] Cfr. Idem, pgs. 16-17.
[9] Cfr. Bento XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, n. 11, In: Idem, 17-18.
[10] Cfr. Idem, n. 12, pg. 19-20.
[11] Cfr. João Paulo II. Carta Enc. Ecclesia de Eucharistia (17 de abril de 2003), 1; AAS 95 (2003), pg. 433, 447. In: Idem, n. 14, pg. 22.
[12] Cfr. Ibidem, pg. 23.
[13] Cfr. Idem, n. 15, pgs. 25-26.
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