“Sejam embaixadores da Esperança!”
Luiz Felipe Bolis – Vatican News
Em 30 de dezembro de 2022, o dom da vida presenteou o Frei Hans Stapel com uma nova idade: 77 anos. Na manhã do dia seguinte, 31, enquanto se preparava para a última missa do ano na Fazenda da Esperança em Guaratinguetá/SP, o informaram sobre a morte de Bento XVI. Na celebração, ele rezou pela alma do seu amigo, irmão na fé e conterrâneo de pátria. Depois, já em casa, foi visitado por inúmeras lembranças daquele que pregou o Evangelho desde a vida jovem até o caminho ancião.
Diante da câmera para a gravação de um documentário lançado há poucos dias, Frei Hans Stapel revela as fotografias que Joseph Ratzinger imprimiu em sua alma. As lembranças restauram os fatos do passado e constroem, sobre o sotaque alemão do frei nas entrelinhas do português, uma narrativa intitulada A amizade do Papa Bento XVI com a Fazenda da Esperança.
Das terras de suas origens, em Geseke/Alemanha, florescem no frei a admiração e o carinho pelo sacerdote que, à época dos anos 1960, participou e atuou na condição de perito do Concílio Vaticano II. “Quantas notícias na Alemanha passavam do jovem naquele tempo, ainda Joseph Ratzinger. Ele foi como assessor do cardeal de Colônia para o Concilio”, são recordações do tempo adolescente de Hans Stapel.
“Quando Ratzinger falava nos diversos auditórios, era sempre com humildade. Depois eu me lembro que, nos anos 60, os filósofos da Alemanha convidaram ele para dar uma resposta de um problema que incomodava a elite da Alemanha: o fato da droga, da criminalidade, e queriam saber desse jovem qual seria o problema e qual seria a solução. Ele quis demonstrar que a Alemanha e toda a Europa estão saindo de todo o sofrimento da guerra e se afastando de Deus por meio do consumismo, mal que entrou no coração de muitos, e que com isso não se encontram consigo mesmos, não encontram a resposta que precisam. Buscam uma felicidade nas drogas, no sexo, no poder, no consumismo. Ele dizia aquela famosa frase: ‘quem não dá Deus, dá muito pouco’”, pontua o Frei Hans.
O tempo foi passando e deixando marcas de missionariedade no frei Hans e em seu irmão gêmeo, Paulo Stapel, hoje padre diocesano. Quando o alemão percebeu, já estava no Brasil, estudando filosofia e teologia em Petrópolis/RJ. A todo momento se mantinha atento aos ensinamentos do conterrâneo Ratzinger que corriam o mundo inteiro naquele ano de 1972, e o via progredir cada vez mais como bispo, cardeal e prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Essas são as linhas da história em que dois homens, duas histórias e dois servos se encontram no ponto exato da intercessão de Deus. Em uma viagem a Roma, na Praça São Pedro, Frei Hans Stapel viu e cumprimentou o padre Ratzinger. A saudação alcançou o ouvido da alma de ambos. Uma amizade duradoura se iniciou.
Da ordenação sacerdotal em 1979 adiante, o Frei Hans seguiu a estrada do carisma da unidade, a mesma trilhada e Chiara Lubich, e o caminho da pobreza, sobre as pegadas de São Francisco de Assis. Por estas vias a Fazenda da Esperança nasceu e colheu os frutos de empenho de seus fundadores: Frei Hans, Nelson Giovanelli, Iraci Leite e Lucilene Rosendo. Os quarenta anos de história da missão revelam milhares de homens e mulheres resgatados do mundo das drogas, do álcool e de outros vícios pelas mais de 150 unidades em 24 países. Sobre os pilares da oração, da convivência e da espiritualidade, todos em busca de vida nova.
Sentado na poltrona das lembranças felizes, Frei Hans recorda-se do dia 12 de maio de 2007, quando uma visita mais que especial cruzou os portões da unidade São Libório – Pedrinhas, a 15 quilômetros do Centro de Guaratinguetá/SP. 6 mil pessoas, dentre as quais 2 mil jovens recuperandos das ‘Fazendas’ de várias partes do mundo, aguardavam a representatividade católica mais conhecida à época: o Papa Bento XVI.
Enquanto muitos viam sobre Ratzinger a falsa impressão de um papa duro, exigente e pouco comunicativo, Frei Hans, que o conhecia de perto, enxergava nele um homem “tímido, delicado, muito sensível”. Da encíclica Deus caritas est às humildes palavras da renúncia ao pontificado, Frei Hans assiste ao filme da vida de Bento XVI nas telas do coração. Dentre os fatos dessa trajetória, a ida do Papa à Fazenda da Esperança faz brilhar muito mais os olhos azuis do alemão. Duas horas de uma alegria duradoura, que resiste de 2007 a 2023 e que o franciscano carrega para sempre.
“Que coisa emocionante. Nunca vou esquecer. Vejo os rostos dos jovens, a alegria. Queriam tocar no papa, queriam tirar foto, queriam que ele benzesse o terço. E o Papa numa alegria, deixou-se tocar, abraçar, benzer, foi uma coisa inesquecível. O mundo inteiro nesse momento viu a bondade do Papa”. Hans reaviva as memórias do seu amigo Joseph, ao qual ele se refere como “Ioseph” na pronúncia alemã.
Desde os meses intensos de trabalho até o glorioso dia da passagem do Papa vindo ao Brasil para a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, realizada em Aparecida/SP, o franciscano sublinha cada detalhe da preparação do encontro. As 180 cartas e mais de mil assinaturas endereçadas ao Papa, as reuniões com representantes do Clero e com fiéis, as coberturas diárias da imprensa, a construção de um Santuário, as viagens para Roma e finalmente a escuta das palavras de Bento XVI sobre o altar do dia 12 de maio de 2007: “a proximidade com o Santuário de Aparecida nos assegura que a Fazenda da Esperança nasceu sobre as bênçãos e o seu olhar maternal”. A todos deixou uma missão: “sejam embaixadores da Esperança!”.
“Frei Hans, a palavra recupera?” – o diálogo jamais esquecido entre os dois alemães, e a resposta do fundador da Fazenda da Esperança: “sim, Santo Padre, a palavra recupera!”. Sobre aplausos de centenas de fiéis, o Papa Bento XVI partiu para os rumos do pontificado que, daquele 2007 em diante, perdurou mais seis anos. E também sobre milhões de aplausos, Joseph Raztinger seguiu avante a sua missão pelas vias da Pátria Eterna.
O alemão de 95 anos semeia saudades no alemão de 77. E das saudades brotam palavras: “Joseph, você hoje está com Deus, e deve estar muito feliz. E um dia vamos estar juntos”.
Assista ao documentário A amizade do Papa Bento XVI com a Fazenda da Esperança (2023):
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