Pe. Alexandre, um olhar da Igreja para a Amazônia
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
"Vou voltar lá, e quero voltar quantas vezes for necessário". Padre Alexandre Boratti Favretto* , da Diocese de Limeira, não pensa duas vezes ao responder a pergunta se repetiria a experiência missionária enriquecedora na Amazônia realizada em janeiro e que reuniu 280 seminaristas, sacerdotes e bispos de várias dioceses do Brasil. Uma iniciativa missionária denominada "Pés a caminho" que está em sintonia com a reflexão do IV Congresso Missionário Nacional de Seminaristas, que abordou a questão da missão, a missão ad gentes e a questão do paradigma da missão relacionando-o com o processo de formação presbiteral.
Oriundo de um ambiente urbano, o sacerdote ficou literalmente maravilhado com uma realidade que lhe era até então desconhecida na prática, visto ter tido contato com ela de forma teórica durante o Sínodo da Amazônia, da qual participou. Agora, pode então "somar essas duas experiências, e agora espero também continuar contribuindo nessa dimensão eclesial aqui no Brasil."
De fato, "todo mundo estava ali querendo somar com a experiência da Igreja da Amazônia com a sua experiência regional. Então todo mundo ali, eu posso dizer, que teve esse olhar, vamos dizer assim, de aprender, de aprender também como ser Igreja, a partir da experiência da Igreja na Amazônia, uma experiência comunitária, uma experiência muito fraterna, muito evangélica."
E se a ideia era "levar alguma coisa", a constatação é que "na verdade a gente foi receber", constata Pe. Alexandre, após as ricas experiências com a população visitada. Prova disso, foi a preparação sobretudo para ser uma "visita com escuta". E de fato, a visita do seminarista, do sacerdote, é interpretada como "uma presença do sagrado" pela população, o que propicia a riqueza de tantos encontros vividos nas casas e igreja flutuantes, ou mesmo selva adentro.
Entre as tantas imagens marcou, em particular, a desenvoltura de um menino, que pela empolgação em falar, acabou dando a conhecer a realidade da comunidade em que vivia, incluinda a vida de Igreja. "Olha - recomentou o padre aos avós do menino - ele é tão esperto e gosta tanto de vida de igreja, de contar, quem sabe às vezes não vai pro seminário, vai inspirando ele".
Marcante também o testemunho de uma senhora acamada há 9 anos: “Eu tenho vida, qualquer vida é melhor que nenhuma. Eu vivo, eu tenho vida”. Uma frase vinda de alguém naquela situação, que levou padre Alexandre a comentar com o bispo que o acompanhava: "Ela acabou de fazer teologia, teologia pura, vivencial, experencial de Deus”.
Enfim, uma experiência que areja, renova o ministério, anima e entusiasma: "Quanta Unção dos Enfermos, quanta Missa!", recorda o sacerdote. "Teve uma comunidade lá que eu rezei Missa que eles disseram que praticamente nunca tiveram, porque são núcleos, então ali não costuma ter. Então emociona a gente."
A entrevista com Pe. Alexandre foi tema do programa Porta Aberta desta quarta-feira, conduzido por Bianca Fraccalvieri:
Essa experiência missionária, ela nasce como inspiração, no primeiro momento, dos trabalhos do Sínolo da Amazônia. Então a partir do Sínodo - e também claro, articulado com o caminhar da Igreja no Brasil que já tem um olhar especial para a Amazônia - foi organizado pelo COMISE [Conselho Missionário de Seminaristas ], pelos seminários do Brasil uma atividade missionária, envolvendo os seminaristas de todo o Brasil, das dioceses do Brasil. Em um primeiro momento, mais ou menos a ideia era que três ou mais seminaristas de cada Diocese, de todo o Brasil, junto com um formador, padre, pudesse fazer então essa experiência missionária lá em Manaus, para conhecer um pouco a realidade Amazônica. E nós conseguimos então que 280, entre seminaristas seminário de seminaristas – acho que tinha 20 padres formadores - que tinha 20 países formadores, mais alguns bispos também -, mas ao todo 280 pessoas foram, se disponibilizaram a realizar essa atividade missionária. Então, portanto, nasce do Sínodo da Amazônia, nasce do caminhar da Igreja do Brasil, e também dos seminários, da organização dos seminários do Brasil, que fizeram essa organização com esses seminaristas e formadores para essa atividade missionária lá em Manaus.
Num primeiro momento, nós nos reunimos no seminário de Manaus, para haver uma formação, nos preparar para missão, e depois nós fizemos uma semana de missão - é claro, nos arredores ali da cidade, mas entrando então ali na realidade amazônica. Então nós tivemos a oportunidade de, a partir da divisão de grupos - em geral grupos com 3, 4, 5 pessoas - de termos contato com os ribeirinhos, as chamadas comunidades flutuantes, que é algo absolutamente impressionante, bonito e as comunidades rurais que vão adentrando assim ali na floresta, você vai vendo comunidades, pequenas vilas. Então nós tivemos contato com toda essa gama, essa gama cultural absolutamente rica e também de uma riqueza eclesial muito grande. E a ideia é que os seminaristas, os padres, os bispos que participaram desse evento, que eles não só levassem algo, mas a ideia é que a gente pudesse fazer uma experiência de inserção, de compreensão e culturação daquilo que eles vivem. Ou seja, é a gente aproveitar aquilo que eles já estão vivendo de bom ali, como Igreja, como comunidade, e fazer então essa relação, essa relação de fé, essa relação religiosa nesses dias, fazendo visitas, dando as bênçãos, recebendo também muita coisa boa. Então foi uma interação.
Depois dessa missão de 7 dias - e aí vai longe, tinha gente longe lá dentro da floresta - então voltou para o seminário de Manaus, o seminário arquidiocesano, e houve daí dois dias de avaliação, de ressonância da missão, e depois disso concluiu-se então esse processo de missionários, esse primeiro processo missionário. E foi tão bom, tão valioso, que foi votado em assembleia para que esse evento pudesse se realizar a pelo menos cada dois anos. Talvez não sempre na região do Amazonas - pode ocorrer em outras regiões do Brasil – mas que houvesse uma circularidade dos missionários, dada a importância que foi constatada nesse evento.
As necessidades e expectativas das populações visitadas...
Quando a gente chega em alguns lugares, sobretudo ali no território amazônico, onde não há uma presença constante do sacerdote, ou então do seminarista, devido às condições geográficas e à quantidade de comunidades. Na região que eu fiquei há um padre para 60 comunidades. Ele trabalha e trabalha muito. Mas é um padre para 60 comunidades. Então eles não têm aquele acesso costumeiro ao sacerdote, que a gente em geral tem. Então quando a gente chega numa casa, ou nessas casas flutuantes, nos ribeirinhos ou nas zonas comunidades rurais, o primeiro olhar que eu vi era sempre de encantamento. As pessoas vendo a visita do seminarista, do sacerdote, eles interpretam aquilo como uma presença sagrada. E portanto, meio que essa visita incorpora aquela realidade de fé que eles já vivem e já sabem, de que Deus olha prá eles. Então é um olhar de encantamento. Eles quando veem a gente chegar, parece que é um selo de garantia, de que de fato Deus olha por eles, porque mandou ali aquelas pessoas meio que chancelando esse olhar. E quando a gente chega, o que eles esperam de nós? Eles esperam de nós uma conversa, eles querem partilhar um pouco a vida, querem contar, tanto que a gente ali já foi preparado para marcar a visita com escuta. A gente falou muito pouco, escutou muito. As pessoas querem contar da vida, elas querem dizer as coisas, e a gente escuta, como escuta cristã é muito valiosa. As pessoas pedem a bênção. Então é bonito, eles pedem para abençoar a água, para deixar água benta em casa, eles pedem para abençoar algum objeto, alguma imagem de santo, o Terço, eles pedem a Unção dos Enfermos. Eu pude ministrar muitas unções dos enfermos. Por que a visita ali, como não é tão periódica, eles já aproveitam: “Padre, estou enfermo, ou alguém está enfermo, idoso, o senhor pode?”. Então eles já pedem a Unção dos Enfermos também, a gente já aproveita e reza com eles. As crianças, quando veem a gente, é bonito – como está dentro desse espírito - elas trazem os animaizinhos que têm, trazem as bonequinhas, os brinquedos e mostram tudo que tem ali, são empolgadas. Então a chegada da gente, traz empolgação prás pessoas, traz encantamento, trás coisa boa. Então a gente pode assim, a cada visita, sair muito animado, e se a gente acho que foi levar alguma coisa, na verdade a gente foi receber. Receber receptividade, receber acolhida. As pessoas ali são muito amorosas, muito amorosa porque são simples e a simplicidade, naturalmente, gera amor. Então, o que eles esperavam de nós? Bênção! Presença, bênção, escuta. E feito isso, a gente ia para outra casa, para outra casa, e assim em cada uma delas, com história diferente, uma vida diferente, uma ação de Deus ali diferente. Foi absolutamente belo esse momento que a gente viveu.
De uma vivência urbana, qual o impacto sentido nesse contexto amazônico...
Num primeiro momento, a gente acaba compreendendo um pouco, vamos dizer, a dimensão material como um desafio, porque os nossos centros urbanos são bastante confortáveis. A gente tem muita coisa na mão, tudo muito fácil e tem um ritmo em que a gente conta com vários instrumentos. Quando a gente vai para uma realidade dessa, então um exemplo, lá é muito calor. Então não precisa do chuveiro elétrico, mas de todo modo, para quem não está acostumado..., então é água fria; a situação de saneamento, o sinal de internet, televisão, tem lugar em que ele é quase inexistente ou inexistente. Até para dormir, redes, se usa muita rede, tem a dinâmica da cheia dos rios. Então depende um pouco onde vai, você precisa adentrar com a canoa, então às vezes tem que entrar ali no rio um pouco. Ou seja, é todo um contexto, uma situação, bastante diferente da que a gente vive. Então quando a gente vai, a gente se vê um pouco desafiado, mas com o passar dos dias, a gente vai incorporando aquela dinâmica e vai vendo também beleza em tudo isso. Por que? Porque aquela simplicidade que as pessoas vivem, prá nós que temos uma outra visão, a urbana, a gente diz “é falta”. Para eles não. Eles não têm essa consciência de falta. Até eu conversei com muitos ali, de uma forma bastante leve, mas eles diziam: “Padre, olha tá tudo aqui. Então a gente tem as coisas aqui, vive bem, e para comer vai até o rio, tem o peixe. A gente planta isso e aquilo, tem o arroz”. Então a visão de mundo deles é muito mais assim pura do que a nossa. A gente para estar bem precisa ter muitas coisas. E eles para estar bem precisam ser muitas coisas. Então eles têm pouco, mas são demais, são muito, rezam, trabalham, interagem, conversam, refeições longas de conversa, eles têm uma dinâmica de vida onde se estimula essa vida comunitária que para eles é muito importante, mais do que ter algumas coisas. Então num primeiro momento, quando a gente vai de um centro urbano para essa região amazônica, pode ser que a gente chegue com um olhar: “nossa, falta muita coisa!”. Mas com o tempo, a gente vê que na verdade falta para nós, né, algumas coisas, alguma consciência, que eles ali avisem. Então para eles a consciência de simplicidade, da vida de comunidade, de fraternidade, um ajuda o outro. Um exemplo, as casas flutuantes sobre o rio. Então são todas próximas, coladas, então é uma grande família. Então um olha os filhos do outro e os animais e cultiva e vai e volta, barco é meio coletivo. Então eles têm uma consciência em que a vida ali não lhes falta nada. São absolutamente felizes. Então, portanto, acho que é um pouco visão de mundo. A visão de mundo que eles têm muito a nos ensinar, nesse sentido. Então o ser, de fato, é muito mais importante do que o ter. Às vezes a gente tem tanta coisa e tem tantas tristezas na cidade. E lá eu não vi tristeza em momento nenhum. Às vezes não tem coisa material, mas tem tanta alegria. Então eu acho que a visão de mundo ali é diversa, mas tem muito a nos falar, muito a nos ensinar.
Eu me lembro que no final daquilo, das visitas, dessa experiência, eu vim pensando assim: nossa, eu não tenho problema. Eu não tenho problema lá na paróquia, no dia a dia, porque uma ou outra coisa que eu acho que é problema. a gente resolve. Então não tem problema. Olha, eles vivem lá com tanta simplicidade, tanta nobreza, tanta alegria. Eu acho que isso me cativou bastante, cativou a todo mundo lá inclusive. Um consenso quando a gente conversou depois com os seminaristas e tudo, foi nesse sentido, de que eles nos ensinaram muito, uma simplicidade feliz. Então de um certo olhar, quem olha daqui, do centro urbano, é falta, mas quando você olha a partir do olhar deles, não falta nada, não falta nada, eles vivem muito bem. Claro que, faço só um parênteses para finalizar, uma ou outra questão sociológica: em alguns lugares assim que precisa, mais essas vilas rurais prá dentro da floresta. Então tem algumas situações, eles precisam de um posto médico e tal. Nesse sentido sim, mas no sentido antropológico, eles conduzem bem a vida.
A experiência da “realidade teórica” sobre a Amazônia em Roma durante o Sínodo e a experiência in loco
Eu disse pro pessoal da Amazônia: olha eu participei do Sínodo e conheci teoricamente. E quando surgiu a oportunidade de vir para cá, nessa missão - porque eu também sou diretor de estudos do seminário de Limeira -, então a ideia era vir os formandos, os seminaristas e os formadores. Então quando me convidaram, eu nem pensei duas. Eu falei: “não, eu preciso ir, eu quero ir, porque eu conheço pelo Sínodo, na teoria, a Igreja da Amazônia. Eu preciso ver, eu preciso experimentar como ela é”. Então ali, realmente, eu tive a oportunidade de ver assim concretizado aquilo que eu escutei lá no Sínodo. Acho que uma riqueza da experiência para essa parte, vamos dizer assim, teológica, teórica, é de fato a gente ver o mundo a partir de quem tá lá, a partir dos olhos, da experiência da pessoa que tá naquela situação, naquela região. Então quando eu escutei muita coisa no Sínodo, eu vi a lógica daquilo, e tal, mas estando ali eu pude de fato que entender concretamente as demandas da igreja da Amazônia, a riqueza da Igreja na Amazônia, e como que eles já vivem uma belíssima experiência eclesial. Ali eu pude então, vamos dizer assim, fazer aquilo que tem que ser o primeiro passo mesmo, né: experiência prática. Acho que agora eu posso remodelar um pouco a mentalidade, quer dizer, da teoria eu fui lá para prática. Então agora da prática eu preciso rever a teoria, que eu acho que foi um pouco o método que o Sínodo quis aplicar ali quando levou tanta gente da Igreja amazônica. Então nós tínhamos lá tantos representantes, inclusive encontrei alguns lá, o padre Zenildo, que é o reitor do seminário de Manaus – estava no Sínodo, estava lá também, conversei bastante com ele -; Dom Maurício, que na época era o representante das POM, agora é bispo, bispo de Rondonópolis, fez até missão conosco e ele participou do Sínodo, estava lá também. Então, conversando com eles, tendo esse contato, a gente viu esse consenso. Quer dizer, eles participaram lá, levaram a experiência da Amazônia, são pessoas engajadas, eles e outros, esses foram os que eu convivi, mas levaram para lá, para o Sínodo, a experiência amazônica, para justamente tentar fazer essa articulação, esse casamento entre prática e teoria. E o Sínodo suscitou, como a gente pode ver, muita coisa boa, mas eu acredito que esse suscitar muita coisa boa, parte desse pressuposto, quer dizer, as pessoas que conhecem a realidade estavam lá, falaram dela, e a partir disso gerou-se uma teologia, uma teoria, uma eclesiologia, mas a prática é fundamental. Então acho que participar dali a missão para mim foi muito especial, pude somar essas duas experiências, e agora espero também continuar contribuindo nessa dimensão eclesial aqui no Brasil.
A motivação percebida nos seminaristas e sacerdotes participantes da missão e que tiveram um primeiro contato com a realidade amazônica...
Eu vejo assim, com quem eu pude conversar ali, os debates depois pós missão da ressonância, é consenso: é espírito de abertura, é espírito de encantamento pelas coisas que a gente encontrou, um espírito de desejo, de contribuir com a Igreja enquanto Igreja, de uma forma mais ampla, porque todo mundo que tá ali, então ampliou um pouco a perspectiva de Igreja eclesial. Então saiu da sua diocese, saiu de seu território, saiu de seu Estado, e o Brasil é enorme, tem culturas tão diferentes. Então assim, foi pessoal do Sul, Sudeste, Oeste, Centro, Nordeste para o Norte. E a gente sabe, são mundos muito particulares, e todo mundo entendendo que a particularidade não é excludente, mas a gente pode somar as nossas particularidades, isso foi muito enriquecedor. E a gente pode somar as nossas particularidades e se somar de outras. Então todo mundo estava ali querendo somar com a experiência da Igreja da Amazônia com a sua experiência regional. Então todo mundo ali, eu posso dizer, que teve esse olhar, vamos dizer assim, de aprender, de aprender também como ser Igreja, a partir da experiência da Igreja na Amazônia, uma experiência comunitária, uma experiência muito fraterna, muito evangélica. Então o olhar de todos os que estavam ali – isso é um consenso - foi um olhar assim de aprendizagem, de aprendizagem, de valorização, um olhar muito positivo, a maneira como a Igreja ali é organizada, uma Igreja bastante laical, tem lideranças muito fortes nas comunidades. Os leigos precisam manter a vida das comunidades ativa, porque o padre vai, faz o seu trabalho pastoral, mas como eu disse, um exemplo que eu já falei, é um padre para 60 comunidades. Então para o padre passar ali a comunidade tem que permanecer viva, atuante. Então o trabalho dos leigos ali é fundamental. Eles são engajados, eles trabalham, tem uma boa autonomia, e a vida de Igreja e de fé vai acontecendo e vai acontecendo mesmo. Então acho que todo mundo, tendo contato com isso, se sentiu muito feliz. E vendo os comentários dos seminaristas, dos padres, dos bispos, sempre foram comentários desse espírito de abertura, espírito de ver beleza nas coisas, nas diferenças, na forma de ser Igreja diferente - a gente tem formas diferentes de ser Igreja – então portanto eu diria que esse espírito de abertura foi uma constante em todo mundo ali que participou dessa experiência. Foi muito bonito de ver como que essa abertura permitiu que a gente se enriquecesse. E com certeza, cada um que se enriqueceu ali, agora vai poder enriquecer seus Estados, suas dioceses, suas regiões.
Os fatos que marcaram....
Vieram-me duas imagens. A primeira delas é de um menininho, e eu fiquei encantado com as comunidades flutuantes, porque eu não conhecia. O que que são as comunidades flutuantes? Existem umas árvores que eles cortam e colocam no rio e em cima constroem uma casa, e ela flutua, literalmente. Dura 30 anos aquele tronco ali. Alguns 4,5 e a casa em cima. Mas nas comunidades flutuantes não é só a casa, eles constroem a igreja. Então eu rezei numa igreja flutuante, e ela acompanha a vazão do rio, quer dizer, ele sobe, sobe, desce, desce. E eu me lembro que nessa igreja que eu fui rezar numa manhã, tinha esse menininho, absolutamente esperto, sorridente, falante, e ele tinha um desejo de te contar tudo, da vida de igreja deles ali, da vida dele, dos avós, dos pais. Eu conheci a realidade ali daquela comunidade, daquelas pessoas, a partir dele, né? Então assim, a empolgação dele foi algo notório para todos nós. Então ele falava comigo, os seminaristas, e falava e falava e falava, falou até experiência com animais. Contou que o jacaré queria pegar o cachorro dele um dia lá, então coisas assim super interessantes. E eu saí empolgado com a empolgação dele, uma criança muito vivaz. Até eu disse para os avós: olha, ele é tão esperto e gosta tanto de vida de igreja, de contar, quem sabe às vezes não vai pro seminário, vai inspirando ele, vai saber! E aquilo me marcou, e como diz, aquela expressividade, dele, aquele encantamento com a vida dele ali, e com os amigos dele, aquilo ali me marcou. Gosto de lembrar dessa situação.
E também uma situação em que uma senhora realmente fez teologia conosco. A gente então um dia, entrando dentro dos chamados “ramais” dentro da floresta e vai lá numa comunidade, algumas casas, no meio do nada mesmo.
E aí nós chegamos e tinha uma senhora acamada lá, há 9 anos. E aí a gente chega, e aí aquele momento em que a gente pensa: “Meu Deus, eu vou dizer o quê, né?”. Então tem que marcar a visita com a escuta mesmo num primeiro momento. E aí ela começou contar, e eu me lembro de uma frase que ela falou assim para nós, ela disse assim: “Olha, eu tô aqui há 9 anos, mas eu agradeço a Deus - ela disse -, porque eu tenho vida, acompanho meus netos, acompanho tudo daqui.” Ela falou assim, “eu tenho vida, qualquer vida é melhor que nenhuma. Eu vivo, eu tenho vida”. E essa frase me marcou. Até o bispo tava junto e eu falei: “Olha, ela fez teologia aqui, e la acabou de fazer teologia, teologia pura, vivencial, experencial de Deus”. Pensa, com toda aquela situação ela dizer: “Dou graças a Deus porque Ele me mantém viva”. Aquilo me chocou, num bom sentido. Quando você me perguntou agora me vieram esses dois flashes na cabeça; uma de entusiasmo, de animação, e a outra de profundidade teológica.
Sobre repetir a experiência...
Com certeza. Eu já disse lá: eu falei olha, como a ideia é fazer a cada dois anos, já falei aqui para os padres formadores. Eu acho que todo mundo tem a chance de ir, mas se ninguém, eu vou! Eu falei eu vou, e vou voltar lá, e quero voltar quantas vezes for necessário. A gente indo lá, eu vi que precisa mesmo, precisa mesmo. Quanta Unção dos Enfermos, quanta Missa. Teve uma comunidade lá que eu rezei Missa que eles disseram que praticamente nunca tiveram, porque são núcleos, então ali não costuma ter. Então emociona a gente. Você vai num lugar e alguém diz que é a primeira Missa, ou uma das primeiras depois em tanto tempo. Então eu falei: olha, eu volto lá e vou voltar sim, quantas vezes eu puder, quantas vezes forem necessárias, e indico para quem quiser, porque areja, renova o ministério da gente, anima demais, entusiasma muito. Fez muito bem!
Sentimento de gratidão...
O sentimento de gratidão também agora, pela Arquidiocese de Manaus, que organizou, de uma forma brilhante a missão, e com o apoio dos seminaristas. Então tinha as comissões, os padres, mas os seminaristas deram um apoio fantástico prá gente lá. Buscou no aeroporto, levou no lugar da missão, depois foi buscar. Então a gente não teve preocupação nenhuma com relação à logística. A gente foi prá missão mesmo, a instalação lá no seminário muito confortável, eles se empolgam também em fazer a gente entrar na cultura, falar das frutas, do estilo de alimentação, de estilo de vida, de lugares para visitar, tanto que eu fui visitar – fomos – o chamado Musa, que é o Museu da Amazônia lá na cidade de Manaus que eles indicaram pra gente, também belíssimo. Então eu queria deixar esse sentimento de gratidão pela organização impecável, impecável da Arquidiocese de Manaus, e também do COMISE, dos Seminários do Brasil, porque foi algo assim muito bem organizado. Eu queria deixar assim esse sentimento de gratidão e votos - eu sei que é pesado - votos para que continuem organizando outras missões para a gente também.
Padre Alexandre Boratti Favretto* é incardinado na Diocese de Limeira, professor de Teologia na PUC de Campinas e agora também diretor da Faculdade de Teologia da PUC de Campinas. É pároco da Paróquia Bom Jesus de Araras e coordena a Escola de Teologia da Diocese de Limeira.
Fez o Mestrado foi na PUC de Campinas em Ciência da Religião, com o tema “Liberdade religiosa na Declaração Dignitatis humanae do Concílio Vaticano II” e o Doutorado na Universidade Gregoriana em Roma, com o tema sobre Teologia das Religiões: “A compreensão das religiões como mediações participadas, a partir da Encíclica de João Paulo II Redemptoris missio”.
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