O ser humano a partir dos Padres da Igreja no século IV
por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá (PA)
O dado bíblico coloca que o ser humano foi criado por Deus à sua imagem e à sua semelhança (Gn 1,26). O Senhor concedeu muitos dons para que ele vivesse bem na paz e no amor juntamente com as outras criaturas. No entanto o homem e mulher pecaram dando origem a outros males que se espalharam pelo mundo afora. Sendo Jesus, Salvador e Libertador veio ao mundo, não para condenar o mundo, mas para salvá-lo (Jo 10,10). É muito importante analisar como os padres da Igreja, a partir do século IV perceberam o ser humano, com os dons divinos dados e a missão salvadora de Jesus neste mundo. Somos chamados pelos sacramentos da iniciação à vida cristã para preservar sempre mais os dons divinos concedidos ao homem e a mulher, lutando pela justiça, pela paz e pelo amor.
A criação do gênero humano
Santo Atanásio, bispo de Alexandria no século IV disse que o Deus Criador, soberano do Universo, criou o gênero humano à sua imagem através de Jesus Cristo, o seu Filho, o Lógos, o Salvador. Pela semelhança com Ele, tomou o ser humano ato para contemplar e a conhecer a natureza dando-lhe noção e conhecimento da própria eternidade, para que assim ele não se afastasse mais de voltar o pensamento a Deus, nem renunciasse de viver a vocação à santidade de modo a ter uma vida unida à divindade verdadeira pela vida imortal de serenidade e de bem-aventurança[1].
Ainda Santo Atanásio disse que o ser humano pecou, afastando-se do seu Criador, de modo que o Verbo de Deus assumiu o corpo humano para redimi-lo do pecado e da morte. Ele o elevou de sua condição mortal para o ser a Ele semelhante, do Verbo de Deus, para o conhecimento de suas obras e as dos seres humanos[2].
O ser humano foi criado pelo Criador
Santo Atanásio também se defrontou contra os arianos que negavam a natureza divina do Verbo de Deus. O bispo afirmou que o Filho está ao lado do Criador e todos os outros seres e também os humanos são criaturas. O verbo gerar refere-se ao Filho, enquanto verbo fazer refere-se às obras. Desta forma o ser humano no início não foi gerado, mas ele foi feito, formado, pois está escrito que se faça o ser humano (Gn 1,26), de modo que desde o início ele é criatura, feito pelo Deus Criador no seu Filho[3].
A natureza interior do ser humano
Santo Hilário de Poitiers, bispo, no século IV afirmou que enquanto as criaturas foram criadas por Deus nas quais receberam a ordem de existir, porque teve o seu cumprimento no ato mesmo no qual iniciou, o ser humano, porque tem em si uma natureza interior e exterior reciprocamente diferentes, foi constituído por dois elementos em um só ser pois é participante da razão, porque primeiro se disse: façamos o homem a nossa imagem e semelhança (Gn 1,26) e depois em um segundo tempo: E Deus tomou do pó da terra e formou o homem (Gn 2,7). O ser humano foi criado à imagem de Deus e a sua semelhança[4]. Santo Hilário também disse que com a criação da vida humana Deus realizou toda a sua criação de uma forma bonita e excelente. Ele fez o ser humano à sua imagem dando-lhe um elemento terrestre e um elemento divino, pelo seu corpo e sua alma[5].
O Adão primeiro prefigura o Adão celeste
Santo Hilário também afirmou que o primeiro Adão prefigurou o nascimento do Senhor Jesus. Adão significou terra, a carne do corpo humano. Nascido da Virgem Maria por obra do Espírito Santo, o corpo do Senhor, foi percebido como ser humano e divino, de modo que o Adão terrestre é figura do Adão futuro, celeste (Rm 5,14). Eva também foi criada pelo Criador na qual o Senhor deu a Adão um sono profundo e o Senhor fez a mulher de modo que Adão disse que ela era osso de seus ossos, carne de sua carne, porque não serão mais dois mas uma só carne (Gn 2, 23-24)[6].
Criação do ser humano
São Basílio de Cesaréia, bispo no século IV teve presente a Palavra do Senhor, lá no início que disse Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26). A decisão divina contemplou a imagem e a semelhança. O primeiro dom foi dado mediante a criação, o segundo foi dado mediante a livre escolha de modo que na primeira constituição existiu no ser humano o ser feito à imagem de Deus e por livre escolha se realizou nele, a semelhança de Deus. Pela vinda de seu Filho, pela sua reconciliação com o Deus Criador, disse que é para todas as pessoas tornarem-se perfeitas como o Pai celeste é perfeito (Mt 5,48)[7].
Os dons dados mediante o próximo
São Basílio também afirmou que os dons do Senhor dados na criação frutifiquem junto às pessoas. Se de fato a pessoa tornou-se inimiga do mal, se a pessoa esquecer a inimizade do dia anterior, se ela amar o seu próximo, torna-se semelhante a Deus, porque Ele faz surgir o sol sobre os maus e sobre os bons e faz chover sobre justos e injustos (Mt 5,45)[8].
Revestidos de Cristo: homem e mulher
Ainda em São Basílio colocou o dado da bondade divina, porque aquilo que vem de Deus é bondoso para com o pecador, assim também será a pessoa, todo o cristão e a cristã para com o seu irmão e irmã. A pessoa também será semelhante a Deus pela misericórdia para com o próximo. Afinal o que é imagem, a pessoa o possui pelo fato de ser racional, mas a semelhança torna-se assumida pela bondade de Deus para com o ser humano. Quando a pessoa assume sentimentos de compaixão, bondade é em vista do revestimento de Cristo. Através das mesmas ações pelas quais a pessoa assume a compaixão, ela reveste-se de Cristo, porque sendo familiar com o Senhor Jesus a pessoa torna-se familiar com Deus. Assim homem e mulher feitos à imagem e semelhança de Deus são chamados a vivê-los no mundo, através de obras boas para com Deus e para com o próximo[9].
À imagem do Criador
São Gregório de Nissa, bispo no século IV ao ter presente a frase que o ser humano foi criado à imagem e semelhança dele (Gn 1,26) disse que a grandeza dele não está com o mundo criado, mas no ser à imagem da natureza do Criador. Mas como pode o contemporâneo assemelhar-se ao eterno? São Gregório de Nissa respondeu que é em Cristo Jesus que o ser humano, homem e mulher, adquirem esta assimilação. Ao seguir a palavra de São Paulo, quando afirma que em Cristo não tem mais nem homem e nem mulher (Gl 3,28) de modo que a natureza humana possui uma dúplice estrutura, uma assimilada ao divino e a outra com a realidade humana. O bispo teve presentes que Deus não concedeu os bens para o homem e a mulher só pela metade, mas levou-os para todo o bem na sua integridade. Por isso é que Deus criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (Gn 1, 26)[10].
O homem e a mulher foram criados por Deus em vista do bem, da paz e do amor. Pela entrada do pecado e da morte, Deus enviou o seu Filho para reconciliar o mundo e os seres humanos com o Criador. Todas as pessoas são chamadas a viver os dons divinos para que Deus Uno e Trino seja glorificado pelas boas ações humanas em favor de todas as pessoas, à sua imagem e semelhança (Gn 1,26).
[1] Cfr. Atanasio. Discorso contro i pagani 2. In: L´uomo immagine somigliante di Dio. A cura di Adalbert G. Hamman. Traduzione dei testi di Giovanni Pini. Milano, Edizione Paoline, pgs. 179-180.
[2] Cfr. Idem. L´Incarnazione del Verbo, 43, 3-6. In: Idem, pgs. 180-181.
[3] Cfr. Idem, Contro gli Ariani, 2,59. In:Idem, pgs. 182-183
[4] Cfr. Ilario di Poitiers. Commento ai Salmi, 118, 10. In: Idem, pg.189.
[5] Cfr. Idem, Idem, 129,2,In: Idem, pg. 194.
[6] Cfr. Idem, I misteri, 1, 2-3, In: Idem,pg. 199.
[7] Cfr. Basilio di Cesarea. L´origine dell´uomo, 15-18. In: Idem, pgs 206-209.
[8] Cfr. Idem, In: Idem, pg. 209.
[9] Cfr. Idem, In: Idem, pg. 209-212.
[10] Cfr. Gregorio di Nissa. La creazione dell´uomo 16. In: Idem, pgs. 219-229.
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