Dom José Ulloa: "na América Latina, a sinodalidade não é uma surpresa"
Padre Modino - CELAM
Nesta entrevista, ele analisa a importância da caridade, do trabalho com os pobres, da sinodalidade, algo muito presente na Igreja do continente, afirmando que "na América Latina a sinodalidade não é uma surpresa".
Na última assembleia do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (Celam), foi eleito segundo vice-presidente, o único dos eleitos que não esteve presente na assembleia. Como recebeu esta missão que a Igreja do continente lhe deu?
Com surpresa, com um certo receio também devido à responsabilidade, mas também com gratidão a todos os irmãos e irmãs reunidos na Assembleia que me propuseram para que eu fosse o segundo vice-presidente. Algo que sempre me motivou é que onde quer que a Igreja precise de mim, eu estou lá, e foi essa a resposta quando estava em Roma e recebi o telefonema de que tinha sido eleito pela assembleia para poder desempenhar esta tarefa de fazer parte do conselho de administração do Celam.
Participou também no XX Congresso da Caritas América Latina e Caribe, uma dimensão muito presente na sua vida de bispo. O que significa para si esta obra de caridade, este trabalho com os mais pobres do Panamá?
Toda a nossa ação pastoral deve ser animada pela caridade. É por isso que temos estado a trabalhar, a organizar, a reforçar a Caritas nacional, a Caritas arquidiocesana. A Cáritas tem de ser o eixo transversal de toda a pastoral de cada uma das nossas dioceses. O Papa disse-nos: Caritas, a caridade é o rosto misericordioso e próximo de Deus para todos, mas especialmente para os nossos irmãos e irmãs mais necessitados.
Ser caridade num mundo cada vez mais dividido e com grandes diferenças entre os mais ricos e os mais pobres, algo que não é novo, mas que se acentuou com a pandemia da COVID-19. Como podemos responder como Igreja a esta realidade?
A melhor maneira de responder à realidade de pobreza e marginalização que vive o nosso povo é, antes de mais, estar próximo dele. Que eles possam reconhecer que nós os reconhecemos, antes de mais, na sua dignidade de pessoas, e não só os reconhecemos, mas também os ajudamos a reerguerem-se. Hoje, mais do que trabalhar para os pobres, é trabalhar com os pobres. E um dos grandes desafios que temos na caridade na Igreja é que os pobres devem ser também os protagonistas de toda esta forma de fazer caridade entre nós. Temos de nos sentar cada vez mais, porque também somos tentados a elaborar programas muito bonitos, mas os nossos programas e não os deles.
Fala de escuta, de protagonismo, e isso leva-nos a refletir sobre a sinodalidade, que não é uma coisa nova, mas é algo que o Papa Francisco tem promovido muito na nossa Igreja. Como aplicar na prática, neste caso na sua arquidiocese do Panamá, na América Latina e no Caribe como segundo vice-presidente do Celam, este caminhar juntos, esta escuta, este dar protagonismo a todos?
Este é o grande desafio que temos agora nesta nova reestruturação do Celam. Ele foi reestruturado, mas não podemos esquecer que o espírito da reestruturação vem com a sinodalidade, com a escuta. Um dos grandes desafios do Celam é que, como diretiva, vamos estar à escuta dos bispos, que são também os protagonistas. Mas não só os bispos, o Celam tem que dar um passo muito maior no trabalho dos leigos. Hoje não podemos imaginar o nosso trabalho, as nossas organizações sem a incorporação dos nossos leigos, e entre os leigos, o protagonismo das mulheres.
Estamos também num tempo em que nós, como autoridades, temos de ter a capacidade de estar sempre a aprender, e onde melhor aprendemos a exercer este ministério episcopal, aprendemo-lo com os leigos, com os religiosos, com tantas pessoas empenhadas em todas as nossas instituições.
Um trabalho que a Igreja na América Latina e no Caribe pôs em prática na Assembleia Eclesial, uma ideia do Papa Francisco em resposta ao pedido de uma VI Conferência Geral do Episcopado, que vista a partir de hoje podemos dizer que seria uma experiência do atual Sínodo da Sinodalidade. Pensa que a Igreja na América Latina e no Caribe está a ser mestra em sinodalidade para a Igreja universal?
Talvez nós, latino-americanos, tenhamos de começar por nos reconhecermos a nós próprios, a todo este percurso, e com muita humildade temos de reconhecer que sim, estes novos tempos deram uma volta, e a experiência, com respeito pelas outras igrejas, talvez na América Latina a sinodalidade não seja uma surpresa, porque foi sempre assim que trabalhámos. É um sinal dos tempos, não é por acaso que o Espírito colocou o Papa Francisco ao leme, com esta experiência muito latino-americana, e esta coisa boa, como as outras igrejas têm, está agora a espalhar-se por toda a Igreja universal, e isso também nos compromete.
Esta forma de ser Igreja é um compromisso para a Igreja latino-americana. Temos de nos tornar como um espelho, mas com grande humildade, trabalhando por vezes em silêncio, juntamente com o nosso povo. Sim, é possível que possamos sentir a Igreja como um único corpo, onde cada um de nós é diferente, mas não distante. Cada um com uma missão ao serviço dos outros.
Perante estas realidades que estamos a discutir, quais são os desafios para a Igreja no Panamá, para a Cáritas, para a Igreja na América Latina e no Caribe?
O grande desafio para a Caritas, para a Igreja panamiana, é que toda a nossa missão, as nossas obras, os nossos projetos possam sair, sabendo que cada um tem um ministério de escuta e de discernimento do que o Espírito quer para nós. E isso vai provocar muitas crises em nós, porque temos de repensar as nossas estruturas, repensar as nossas formas de fazer as coisas, e esse é o desafio para estes novos tempos que temos, iluminados pelo que o Magistério latino-americano, mas especialmente o Magistério dos Papas, desde João Paulo II, Bento XVI, agora o Magistério do Papa Francisco, nos oferece neste desejo de realmente renovar a Igreja e de ser no meio do nosso mundo, essa pequena luz, esse fermento que pode permear a massa do que somos como cristãos.
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