Irmão Darlei: pelo fim da tortura
Irmão Darlei Zanon - Religioso Paulino
Quando penso em tortura, a primeira imagem que me vem em mente são cenas relacionadas à Inquisição, uma chaga na história tantas vezes mencionada pelos que querem atacar a fé e a Igreja. Em diversas cidades da Europa, por sinal, é comum encontrarmos “museus da tortura”, que recordam tal período. Mais do que expor objetos, esses museus têm uma função social, alertando para tais práticas cruéis e ajudando-nos a refletir sobre os males e consequências negativas que aquela realidade provocou na história.
Mas ao mesmo tempo que visualizo mentalmente as cenas da Inquisição, recordo também de tantos relatos relacionados à ditadura no Brasil e em diversos outros países, tanto do passado quanto do presente. Inúmeros grupos continuam exigindo explicações e respostas das autoridades sobre males cometidos por tais regimes totalitários. Todos certamente já ouvimos falar do movimento “Tortura nunca mais”, ou das “Mães da praça de maio”, para recordar a terra natal do Papa Francisco. Na luta contra a tortura hoje se unem ainda a Amnistia internacional, a Cruz vermelha, a Organização mundial contra tortura e tantos outros.
Em 1984, 155 nações assinaram a convenção da ONU contra a prática de tortura, no entanto ela continua acontecendo em muitos países. Uma pesquisa recente realizada pela Amnistia internacional mostrou inclusive que parte da população considera a tortura “justificável” em alguns casos. Daí a necessidade e atualidade dos inúmeros grupos que defendam a dignidade humana. O Papa Francisco se une a estes movimentos, iniciando o seu vídeo do mês de junho lamentando e ao mesmo tempo denunciando que a tortura não é algo do passado, mas infelizmente continua a fazer parte da nossa história atual. “Como é possível que a crueldade humana seja tão grande?”, questiona o Papa, que a seguir recorda que o próprio Jesus foi torturado e crucificado. Ao longo da história da Igreja, muitos dos seus seguidores tiveram o mesmo fim. Reconhecemos alguns como mártires, mas tantos outros “cristãos desconhecidos” também sofreram e continuam a sofrer formas variadas de tortura por causa da fé e da defesa dos valores evangélicos, como a paz, a justiça, a igualdade, a dignidade humana.
No Brasil, não é preciso grande esforço para encontrarmos regularmente práticas de tortura ou abusos de autoridade expostos nas mídias tradicionais ou nas redes sociais. O ambiente digital, por sinal, se mostra cada vez mais um difusor de tortura psicológica e moral. Multiplicam-se os casos de ciberbullying, abusos, perseguições, manipulações várias que conduzem à violência, depressão, automutilação e uma proliferação de ódio muito perigosa. O próprio Papa nos alertou para tal perigo em diversos documentos e mensagens. Na encíclica Fratelli tutti, por exemplo, nos alerta que “a agressividade social encontra um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e nos computadores”.
No início do seu pontificado, ouvimos algumas calúnias sobre a atuação do Papa Francisco quando ainda era provincial dos jesuítas na Argentina. Queriam difama-lo com informações polêmicas de que Bergoglio teria sido omisso em alguns casos de tortura de sacerdotes, particularmente no caso de Orlando Yorio e Francisco Jalics, jesuítas que faziam trabalho social com comunidades carentes de Buenos Aires, e acabaram sendo sequestrados e torturados pela ditadura argentina. O episódio é aludido no livro o livro “Iglesia y Dictadura” (1986), de Emílio Mignone, e também no filme “Dois papas” (2019), dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Diversas outras fontes, porém, comprovam que Bergoglio nunca mediu esforços para denunciar os crimes contra a dignidade humana. No Brasil foi publicado em 2013 o livro “A Lista de Bergoglio: os que Foram Salvos por Francisco” (Paulus Editora). O autor descreve como o então padre Jorge Mario Bergoglio empenhou-se em salvar muitas pessoas, que, sem sua ajuda, teriam desaparecido sob a perseguição dos militares argentinas.
Teríamos tantas outras situações para descrever, mas o importante é sublinhar a ação do Papa, que no seu vídeo do mês fica ainda mais evidente. O Santo Padre exorta-nos todos a colocar em primeiro lugar a dignidade da pessoa humana, respeitando e apoiando as vítimas, que não são “coisas”, objetos, mas pessoas humanas, filhos de Deus. Para tal, pede o fim da tortura no mundo e que cada cristão possa, ao longo deste mês, rezar “para que a comunidade internacional se empenhe concretamente na abolição da tortura, garantindo apoio às vítimas e aos seus familiares”.
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