Mary Glowrey: primeira freira médica, servindo doentes por décadas na Índia
Fiona Power (curadora do Museu de Mary Glowrey, em Melbourne)
Há oitenta anos, a doutora Mary Glowrey, JMJ , missionária médica natural da Austrália, fundou a maior rede não governamental de assistência médica da Índia, que atualmente se chama Catholic Health Association of India (Chai); conta com mais de 3.500 instituições de cuidados de saúde e serviços sociais afiliadas em todo o país. Milhares de religiosas de várias congregações, incluindo mais de 1.000 irmãs médicas, estão no centro do grupo de voluntários a tempo inteiro e, nesta vasta rede, colaboram com os profissionais de saúde.
A primeira religiosa médica
A irmã Maria do Sagrado Coração, JMJ — como era conhecida Mary Glowrey — foi a primeira religiosa católica que exerceu a profissão médica. Recebeu a autorização diretamente do Papa Bento XV em 1920, 16 anos antes que o Direito canónico permitisse que outras religiosas o fizessem. Durante 37 anos de serviço, a irmã Maria coordenou o tratamento de centenas de milhares de doentes, bem como a construção de um hospital. Iniciou a formação médica e lançou as bases para um colégio católico destinado ao estudo da medicina na Índia.
Os primeiros anos
Mary Glowrey nasceu em 1887 numa pequena cidade do Estado australiano de Vitória. Os seus avós eram imigrantes irlandeses. Mary vivia com a família numa comunidade rural e tinha uma relação afetuosa com os pais e os cinco irmãos.
A inteligência, o amor ao Senhor e a sensibilidade de Mary eram evidentes desde muito cedo. Aos 13 anos, deixou a casa paterna para completar — com a ajuda de bolsas de estudo — a formação secundária e superior em Melbourne, a mais de 300 km de casa. Mary considerava a medicina a sua primeira vocação: rezava muito pedindo orientação sobre o estudo a seguir. Em 1910, numa época em que muitos consideravam a profissão médica não apropriada para uma mulher, Mary formou-se em medicina e cirurgia. Na década seguinte, tornou-se uma médica de sucesso, especializada em oftalmologia.
A inspiração de uma outra médica
Em outubro de 1915, Mary leu a biografia da doutora escocesa Agnes McLaren (1837-1913), pioneira da medicina que se converteu ao catolicismo. No início do século XX , a doutora McLaren queria aliviar o sofrimento das mulheres na Índia: mas os costumes locais proibiam-nas de consultar médicos homens e no país ainda havia poucas mulheres médicas. Criou um centro de beneficência em Londres e depois um pequeno hospital em Rawalpindi, pedindo simultaneamente à Santa Sé a autorização para que as religiosas pudessem exercer a profissão médica.
A "chamada" na Índia
Depois de ter lido a história da doutora McLaren, Mary sentiu a chamada para o serviço médico missionário na Índia. Levou quatro anos para discernir esta vocação. A sua partida foi adiada pela primeira guerra mundial, e depois precisou da autorização para servir como médica e religiosa. Durante esse período, para além do seu trabalho diário em hospitais e privadamente, de 1916 a 1918 Mary foi presidente fundadora da Catholic Women’s Social Guild (Agremiação social de mulheres católicas), em Melbourne. Doutorou-se em medicina em 1919.
Em janeiro de 1920, Mary transferiu-se para Guntur, na Índia, na região atualmente conhecida como Andra Pradesh, onde se uniu à Sociedade de Jesus, Maria e José ( JMJ ), uma congregação que se estabeleceu em Guntur em 1904: nessa época, as irmãs rezavam ao Senhor para que enviasse um médico.
Novos recomeços
Antes da sua chegada, Mary sabia muito pouco sobre o seu novo país ou sobre as irmãs da JMJ , mas apenas um mês depois, escreveu à família na Austrália que se sentia em casa e afirmou que “só por erro” não tinha nascido na Índia.
Muitas pessoas, as mais vulneráveis da comunidade, precisavam de cuidados médicos. Desde o primeiro ano da sua estadia na Índia, a irmã Maria teve uma visão abrangente dos cuidados médicos e da formação, baseados nos princípios católicos. Para ela, cuidar do corpo era como cuidar da alma. Em Guntur, a irmã Maria começou a dispensar cuidados médicos a quem quer que os solicitasse, especialmente mulheres e crianças. Com a sua predisposição inata, aprendeu rapidamente a língua local, o telugu, bem como o idioma das suas irmãs de hábito, o holandês; o uso de remédios tradicionais onde não havia outros medicamentos disponíveis contribuiu para reforçar a confiança da população.
Dez anos após a sua chegada à Índia, a madre superiora escreveu aos pais de Mary, comparando a filha a um farol. “Ela permanece sempre em segundo plano, mas continua a propagar a luz das suas boas ações à distância”.
Embora as irmãs da JMJ solicitassem donativos tanto da Europa como da Austrália, os recursos continuavam a ser muito escassos. Enfrentando inúmeros desafios durante mais de três décadas, a irmã Maria dedicava-se totalmente a aliviar o sofrimento e a promover uma cultura da vida; entretanto, trabalhava arduamente para orientar os seus colaboradores e, no final, conseguiu fundar o St. Joseph’s Hospital em Guntur com cursos de diploma em obstetrícia, cuidados farmacológicos e enfermagem.
Nasce a Associação dos Hospitais Católicos
A 29 de julho de 1943, a irmã Maria fundou a Associação dos hospitais católicos (hoje, Chai) no convento de São José em Guntur, com as irmãs de hábito e religiosas de outras congregações. Atualmente, a Chai presta cuidados de saúde a mais de 21 milhões de pessoas por ano, em especial aos mais vulneráveis da comunidade. A principal tarefa dos seus médicos e assistentes sociais (voluntários e funcionários remunerados) consiste em prestar “cuidados a todos” através da assistência misericordiosa, sustentável e de qualidade.
A sua obra continua
Durante décadas, a irmã Maria trabalhou e rezou muito para conseguir fundar uma escola católica de medicina: seis anos após a sua morte, em maio de 1957, foi inaugurado em Bengaluru o St. John’s Medical College. Este ano, o Colégio celebra o 75º aniversário de fundação.
A causa de canonização da irmã Maria teve início em 2010. Declarada Serva de Deus, agora a sua positio será estudada pelo Dicastério para as causas dos santos. A sua obra continua a viver no trabalho da Chai e das irmãs da JMJ na Índia, e a história da sua vida ainda inspira os australianos e muitos outros a visitar a sua casa na arquidiocese de Melbourne, que há quase 20 anos se tornou museu.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui