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O mártir, São Josafá Kuncewycz O mártir, São Josafá Kuncewycz 

Ucrânia: em memória do martírio de São Josafá, a oração do Papa pela paz

Francisco, no Angelus deste domingo (12), saudou peregrinos ucranianos em Roma pela celebração, na Basílica de São Pedro, da Divina Liturgia presidida pelo arcebispo-mor Shevchuk. Padre Lisseiko, superior da Ordem Basiliana fundada pelo santo: no contexto de guerra que estamos vivendo, seu testemunho nos exorta a ter coragem para denunciar o pecado e a rezar pela conversão do inimigo.
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Svitlana Dukhovych - Vatican News

No dia em que a Igreja celebrou o ucraniano São Josafá Kuncewycz, o Papa também dirigiu uma saudação aos peregrinos e monges basilianos que vieram de vários países para celebrar os 400 anos do martírio do bispo de Polotzk, que viveu entre os séculos XVI e XVII, exortou seu rebanho à unidade católica com zelo constante e cultivou o rito bizantino-eslavo com amorosa devoção. Foi ao final do Angelus deste domingo (12):

“Rezo com vocês pela paz no seu país martirizado. Irmãos e irmãs, não nos esqueçamos da martirizada Ucrânia. Não esqueçamos dela!”

Os peregrinos ucranianos na Praça São Pedro para o Angelus de domingo (12)
Os peregrinos ucranianos na Praça São Pedro para o Angelus de domingo (12)

A Divina Liturgia 400 anos após o martírio

Nascido em Wolodymyr, em Volynia, Josafá Kuncewycz morreu em 12 de novembro de 1623 e foi canonizado em 1877 como o primeiro representante de uma Igreja do Oriente em comunhão com Roma. Os seus restos mortais repousam sob o altar de São Basílio Magno na Basílica de São Pedro, onde foi celebrada a Divina Liturgia por ocasião do aniversário de 400 anos do seu martírio, presidida pelo chefe da Igreja Greco-Católica Ucraniana, o arcebispo-mor Sviatoslav Shevchuk, e concelebrada pelo arcebispo metropolitano de Vilnius, Gintaras Grušas, presidente do Conselho das Conferências Episcopais Europeias (CCEE).

"Imploramos a Deus que nossos corações possam ser tocados por aquela centelha divina que incendiou o seu coração com o amor divino e que possa crescer em nós com nossa fé prometida para a reconciliação com Deus e com o próximo no desejo da salvação das almas", concluiu monsenhor Grušas na homilia. "Um amor tão grande por nossos inimigos, para desejar convertê-los e trazê-los totalmente para o amor de Deus, para que todos sejam uma coisa só".

O Padre Robert Lisseiko, superior geral da Ordem Basiliana de São Josafá, conta em uma entrevista à Rádio Vaticano - Vatican News como seu fundador colocou em prática o conceito de unidade - pelo qual deu sua vida, que papel sua Ordem desempenhou na construção do tecido social e religioso da sociedade ucraniana e que ensinamentos de São Josafá podem ajudar os fiéis ucranianos de hoje a enfrentar a tragédia da guerra.

São Josafá Kuncewycz é conhecido como "mártir da unidade". O senhor pode explicar por que ele é chamado dessa forma?

São Josafá é um santo do período em que a Metrópole de Kiev, após a União de Brest (1595-1596), passou da jurisdição do Patriarcado de Constantinopla à jurisdição do Papa, recuperando assim a unidade com o Romano Pontífice da Igreja primitiva cristã. Como monge basiliano, como sacerdote e depois como bispo, São Josafá sempre procurou levar o povo que lhe foi confiado à unidade - antes de tudo com Cristo. Às vezes, sua figura era vista como alguém que procurava converter os ortodoxos à fé católica, mas se olharmos para sua vida, veremos que sua atitude era bem diferente.

Em primeiro lugar, como monge que entrou no mosteiro da Santíssima Trindade em Vilnius, ele buscou a unidade pessoal com Cristo por meio da oração pessoal e litúrgica e da ascese profunda. Josafá entrou em um mosteiro em ruínas, material e espiritualmente, onde quase não havia mais ninguém e a vida monástica havia se deteriorado. Em vez disso, por meio do exemplo que deu aos outros, conseguiu atrair muitos jovens para a vida monástica em apenas alguns anos. Depois, levou muitas almas humanas à unidade com Cristo, porque era um grande confessor que pregava a Palavra de Cristo, o Evangelho, conclamando à conversão e à penitência. É por essa razão, acima de tudo, que Josafá é um apóstolo e mártir da unidade, porque sua missão foi vista com um olhar malévolo por aqueles cuja sua palavra provavelmente havia tocado a consciência: eram aqueles que não queriam ouvir a palavra de verdade de São Josafá; a raiva foi a causa do martírio.

Que papel sua Ordem, fundada pelo santo, desempenhou na construção do tecido religioso e social da Ucrânia ao longo desses 400 anos?

A nossa Ordem, desde o início do século XX, era a única ordem monástica daquela que hoje conhecemos como Igreja Greco-Católica Ucraniana. Como a única ordem monástica renovada, fundada por São Josafá e pelo metropolita Josyf Veljamyn Rutskyj, foi a força que levou adiante o desenvolvimento da Metrópole de Kiev em unidade com o Papa. Ao longo dos anos, ele se dedicou não apenas em pregar o Evangelho, mas também em educar as pessoas: tínhamos muitas escolas que educavam a classe "saudável" da sociedade. Tínhamos gráficas (a mais famosa é de Pochaiv), onde foram impressos não apenas livros eclesiásticos e litúrgicos, mas também livros populares em língua comum. Isso ajudou o crescimento da sociedade porque as pessoas que sabiam ler podiam acessar diferentes fontes de conhecimento e se tornaram interiormente mais livres.

Ao celebrarmos o aniversário de 400 anos do martírio de São Josafá Kuncewycz, a Ucrânia vive um dos períodos mais difíceis da sua história devido à guerra. Que lições podemos aprender com a vida desse santo para enfrentar a tragédia atual?

Acredito que, no contexto em que estamos vivendo, a figura de São Josafá pode nos ensinar algumas coisas fundamentais, ou seja, a ter a coragem de denunciar o pecado e a tentar crescer na verdade de Cristo. No contexto da guerra, há dois extremos: um é dizer que devemos perdoar nossos inimigos e não defender o povo ucraniano, é o que podemos chamar de "falso pacifismo"; o outro extremo é se vingar, porque nosso inimigo agora está destruindo nosso povo. Em vez disso, o Evangelho nos ensina outra coisa: devemos saber perdoar o nosso inimigo, não com o objetivo de aniquilá-lo, mas trabalhando pela sua conversão.

“Cristo nos diz: 'Rezem por seus inimigos, amem seus inimigos', não no sentido de não se opor à violência que vem dele, mas no sentido de fazer tudo o que depende de nós para sua conversão, para que o inimigo se torne um irmão.”

 

Foi isso que São Josafá fez como sacerdote, como bispo: procurou converter à verdade de Cristo todos aqueles que estavam longe do Evangelho, e conseguiu converter pessoas tanto durante sua vida como depois de seu martírio: muitos de seus adversários se tornaram verdadeiros cristãos somente porque viram o exemplo de São Josafá de serviço a Cristo na verdade.

O santo foi morto por uma multidão enfurecida que não aceitava a sua ideia de unidade. Nesse contexto, o que o senhor pode dizer sobre a tolerância entre representantes de diferentes confissões e religiões? Qual deve ser o critério justo para a defesa da identidade de alguém, nesse caso religiosa? Que cuidados devemos ter para não ultrapassar a linha da injustiça na defesa da identidade?

Acredito que a tolerância no contexto evangélico é a atitude de respeitar a opinião do outro que é diferente da nossa. Respeitamos o fato de que todos têm limites e que para chegar à verdade, para entender a mensagem de Cristo, é preciso tempo. Para entender muitas verdades pregadas por Cristo, é preciso tempo; é um crescimento contínuo, uma meditação contínua na Palavra de Deus. Isso é tolerância: tolerar as limitações de pessoas diferentes, até mesmo as nossas, sabendo que queremos crescer.

Ao mesmo tempo, devemos ser verdadeiros: se no diálogo inter-religioso podemos discutir certos tópicos, devemos sempre fazê-lo para buscar a verdade de Deus, não apenas para fazer prevalecer uma opinião, mas para encontrar aquilo que nos ajuda a viver em unidade, em amor mútuo inclusivo, capaz também de renunciar a certas coisas. Pois, sem renúncia, não é possível alcançar a unidade e o amor cristãos entre irmãos de outras religiões. Portanto, ser tolerante é sempre buscar a verdade de Deus que nos criou como irmãos e irmãs.

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13 novembro 2023, 11:41