Cardeal Scherer: Muito mais que o ‘aniversário’ de Jesus
Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo metropolitano de São Paulo
A aproximação do Natal deixa no ar uma expectativa alegre. Haverá muitos motivos humanos para isso: as festas natalinas, a perspectiva dos presentinhos, dos encontros familiares, luzes, enfeites típicos, presépios, música, espetáculos… Tudo isso, porém, tem origem em algo que supera e transcende todas essas manifestações, que não deram origem ao Natal, mas são consequência dele.
O motivo da alegria e da festa no Natal é anunciado e percebido pela fé cristã: é o nascimento de Jesus Cristo, nosso Salvador. Sendo e permanecendo o Filho de Deus, Ele se fez humano (“se fez carne”) no seio da virgem Maria. Uma criança como tantas outras que nascem todos os dias, mas, ao mesmo tempo, uma criança única no seu ser e no seu “mistério divino-humano”. Fato extraordinário, possível apenas a Deus.
Aconteceu uma vez na história do mundo: Deus enviou seu Filho Unigênito a nós, para ser um de nós, assumindo nossa “carne”, sem deixar de ser quem ele é desde toda a eternidade. O eterno entra no tempo, o Criador se faz também criatura, o Santo se mistura com os pecadores e, sem deixar de ser Santo, lhes comunica a graça e a misericórdia divinas. “Ó magnum Mysterium!” – óh, grande Mistério! – exclamava São Leão Magno e proclama a Liturgia do Natal ainda hoje! Aos homens, impossível, mas não a Deus!
Temos a tendência de reduzir a celebração do Natal aos seus “contornos”, que são os aspectos sociais, culturais e artísticos. Tudo isso é bonito e apreciável, mas ainda não vai ao significado profundo do Natal, podendo até distrair-nos e desviar-nos dele. Alguns dirão que se trata de lenda ou criação mítica dos cristãos. Mas é preciso lembrar que os Evangelhos não falam de mitos nem são criação literária tardia, tendo sido escritos já pelos anos 60 do primeiro século do Cristianismo; portanto, muito perto dos fatos, quando ainda viviam muitas testemunhas oculares. Outros dirão que se trata de uma cristianização do mito do “sol eterno”, existente entre os pagãos da época. Mas é preciso lembrar que todo o contexto dos anúncios proféticos do povo eleito, sobretudo de Isaías, já falava do nascimento do Messias como de um fato extraordinário.
Os Evangelhos não tinham a necessidade de recorrer aos mitos pagãos para expressarem a fé em Jesus Cristo, Filho de Deus, que se fez humano como nós, sem deixar de ser Deus. Outros ainda se complicam com a data de 25 de dezembro, fixada pela Igreja para a comemoração do nascimento de Jesus, esquecendo que o estabelecimento das datas para as comemorações litúrgicas não pretende afirmar a cronologia dos fatos, como tal, mas os próprios fatos. Alguns, enfim, pretendem a apresentação e confirmação documental do nascimento de Jesus, esquecendo que isso seria absolutamente anacrônico e que os próprios testemunhos cristãos, afirmados de muitas maneiras desde as primeiras origens cristãs e não contestados, também valem como referências de credibilidade para a história.
O significado do Natal, no entanto, vai além dos testemunhos históricos e só é acolhido de modo adequado pela fé cristã. Pela fé, aceitamos que Deus pode fazer o que é impossível ao homem; que não está limitado à estreiteza de nossas condições e possibilidades humanas. Que seria pretensão nossa limitar a ação do Criador aos limites estreitos de nossa condição de criaturas. Quando a Liturgia do Natal convida, por meio de muitas e belas expressões, à alegria, louvor, contemplação e adoração desse “grande mistério”, ela também nos pede a abertura do coração e a humildade, para nos deixarmos envolver por tão sublime realidade celebrada. Será por isso que, justamente as crianças, são as que mais conseguem se alegrar e se extasiar na contemplação do “magnum Mysterium” do nascimento do Salvador, como nos falam os Evangelhos e como testemunha a Liturgia?
Neste ano, comemorando os 800 anos do primeiro presépio vivo, que São Francisco fez com os moradores de Greccio (Itália), lembramos como esse Santo quis criar um ambiente realista, vivo e envolvente, semelhante ao de Belém na Judeia, no nascimento de Jesus, descrito nos Evangelhos. Ele era fascinado pela simplicidade, humildade e profundidade do mistério do Natal. Para São Francisco, o nascimento de Jesus não devia ser lembrado apenas como um fato do passado. E vale para nós também. Por isso, não faz sentido cantar os “parabéns” a Jesus, pelos 2023 anos do seu nascimento. A celebração do Natal nos lembra da realidade perene e permanente: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigênito, nascido de Maria, no tempo, na história, num lugar, numa cultura. Deus entra na vida da humanidade para estender a mão a todos e se faz “Emanuel”, que significa, “Deus no meio de nós”.
Não comemoramos o aniversário de Jesus, mas o seu nascimento, como dom de Deus para o mundo. “Tanto Deus amou o mundo que lhe enviou seu Filho único, para que todo o que nele crer, não pereça, mas tenha a vida eterna”. O Natal é uma permanente boa notícia para a humanidade inteira e não apenas para os cristãos e aqueles que têm fé. Comemoremos, festejemos, convidemos todos a se alegrarem conosco. O que cremos é dom divino, é bom, é bonito, é proveitoso também para aqueles que ainda não creem.
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