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Dom Oriolo: Evangelização no mundo digital

A evangelização, no mundo digital, defronta-se com recursos dos quais devemos ter uma noção mínima. São ferramentas que nem sempre são bem usadas no cenário (écran) virtual.

Dom Edson Oriolo - Bispo da Igreja Particular de Leopoldina MG

O dia mundial da paz, tradicionalmente celebrado em 1º de janeiro tem como tema, no corrente ano: “Inteligências Artificiais e Paz”.  O Papa Francisco conclama a todos para a construção de um diálogo aberto sobre o significado dessas novas tecnologias, dotadas de potencial disruptivo e de efeitos ambivalentes. O Pontífice suscita a urgência de orientar a concepção das inteligências artificiais de forma responsável, para que elas estejam a serviço da humanidade e da proteção da nossa casa comum.

Tais provocações fazem com que a reflexão ética se estenda ao âmbito da educação e do direito, ressaltando a abrangência da importância do tema colocado em discussão.  É um conteúdo que chega na rotina das famílias em todas as suas dimensões e que, a indiferença a ele não diminuirá seu impacto, por isso, a reflexão madura se apresenta como criteriosa oportunidade discernimento.

O mundo digital tem se tornado, cada vez mais, um aspecto predominante do presente. Contudo, acredito que será a tecnologia dominante do futuro e trará consequências para a evangelização. Entramos em um mundo totalmente desconhecido, a “era digital”, para anunciar as verdades sobre Jesus Cristo, a Igreja e o homem. Em tal cenário, encontramos desafios e, sem muita expertise para evangelizar, e por ignorância digital, caímos, muitas vezes no ridículo. Não estamos sabendo administrar o espaço virtual.

A evangelização, no mundo digital, defronta-se com recursos dos quais devemos ter uma noção mínima. São ferramentas que nem sempre são bem usadas no cenário (écran) virtual. Esse mundo digital, baseado no algoritmo, faz-nos defrontar com bolhas digitais, ou seja, com envio de assuntos via internet, condicionando nosso universo de notícias. Junto das bad news, good news, fake news, surge a deepfake, ampliando o mundo da pós-verdade.

As deepfakes são vídeos criados com inteligência artificial com a finalidade de imitar as expressões e até a voz das pessoas, fazendo com pareça que uma pessoa fez ou disse algo que nunca fez.  Trata-se de um recurso ou ferramenta que tem uma finalidade que pode ser desvirtuada por quem a maneja. Por detrás da ferramenta, está sempre um ser humano que é o responsável pelo uso que faz desse instrumental. Essa prática polêmica já se encontra nas redes sociais. Está se tornando uma brincadeira entre os adolescentes e jovens, e também sendo usada para sátiras com autoridades e pessoas comuns.

Hoje, os membros da geração dos écrans virtuais têm uma facilidade enorme em criar vídeos falsos usandodeepfakes em espírito de brincadeira, mas com alta dose de ingenuidade. Existem diversos aplicativos capazes de fazer manipulação de imagens com resultados convincentes. Esses vídeos, criados pela inteligência artificial, reproduzem a aparência, as expressões e até a voz de alguém do mundo real. São vídeos falsos cada vez mais realistas - com evolução da tecnologia, fica difícil discernir o que é real e o que não é.

Essa técnica, usando a inteligência artificial, manipula o rosto das pessoas. Essa substituição de um rosto ou de uma fala tem sempre intenção e objetivo humanos. Como são vídeos manipulados com perfeição técnica, fica difícil saber o que é o real ou falso. Colocar rostos de pessoas em vídeos ou em fotos dos quais os indivíduos não participam é sempre uma fraude. O intuito é enganar os espectadores. Pode-se dizer que se trata de uma mentira profundamente bem construída. Com tal ferramenta, criam-se sátiras políticas; humilham-se pessoas, colocando autoridades ou pessoas comuns à sombra do ridículo; aumenta-se a desinformação; manipulam-se discursos de personalidades políticas e eclesiásticas.

O que acentua a dificuldade é o fato desse recurso ser disponibilizado por seu caráter curioso e que pode desvirtuar a imagem de alguém. Ele pode ser um simples objeto de diversão, um brinquedo sofisticado, mas pode também ter uma conotação mais pejorativa pelo intuito de colocar o indivíduo como vítima não só do ridículo, mas de desonra. Assim, fere-se a sua dignidade ou prejudicam-se suas atividades e as convivências familiar, eclesial e social.

Há uma responsabilidade moral tanto para quem utiliza de forma perversa o instrumento como para quem o recebe o material e o difunde. Por mais que se queira exaltar a inteligência artificial, seu universo radica-se na criatividade humana e, como tal, é regido pelos princípios de individualização, personalização, conhecimento e comunicação da verdade, e pela responsabilidade quanto aos resultados bons e maus das próprias ações.

No entanto, usar a inteligência artificial como um falsificador incorrerá em muitos desafios. Dizem os especialistas que, daqui a três anos ficará difícil distinguir o verdadeiro do falso. Temos que ficar alertas e ser mais proativos, críticos em relação aos vídeos que estamos recebendo e compartilhando. Uma expressão que vamos escutar muito será uma mentira profundamente bem construída.

A popularização do deepfake fica no aspecto curioso ou divertido, sem que se atine para a má intenção com que faz uso desse recurso. O que falta, portanto, é a educação para o discernimento de como lidar com um resultado perverso que é veiculado nas redes sociais. Existem indícios que nos ajudam a identificar um vídeo manipulado, com o rosto desfocado e embaçado, o movimento dos olhos, da boca e das sobrancelhas, entre outros detalhes perceptíveis.

Contudo, com a evolução da tecnologia, é possível concordar que ficará difícil, mas não impossível, distinguir o verdadeiro do falso. Afinal, desde que as tecnologias da comunicação sobre a vida (fumaça, tambor, rádio, televisão) e da representação da vida (pintura, fotografia, cinema) foram sendo aperfeiçoados, usos com diversos sentidos foram feitos, e pouco se conseguiu acerca de como interpretar as informações, sejam palavras, seja imagem.

A evangelização dá importância aos meios de comunicação (cf. EN 45), ao contato pessoal (cf. EN 45), aos sacramentos (cf. EN 45) e principalmente a verdade que é o próprio Cristo (cf. Jo 14,6; 18,37-38). A internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus. Formas atuais de comunicação nos orientem efetivamente para o encontro generoso, a busca sincera da verdade íntegra, o serviço, a aproximação dos últimos e compromisso de construir o bem comum. No entanto, não podemos aceitar um mundo digital projetado para explorar nossas fraquezas e trazer à tona o pior das pessoas (cf. FT 205). É responsabilidade da Igreja, Mãe e Mestra, orientar os cristãos sobre o diálogo com mundo digital.

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28 dezembro 2023, 13:00