O martírio de padre Hamel deixa sofrimento, mas ensina o amor, diz bispo de Rouen
Benedetta Capelli - Lourdes
Nas fotos divulgadas após a sua morte, padre Jacques Hamel está em oração, absorto em um diálogo contínuo e profundo com o Senhor. As imagens deixam transparecer uma calma típica deste sacerdote assassinado aos 86 anos, no dia 26 de julho de 2016, na sua igreja em Saint-Étienne-du-Rouvray. Ele foi o primeiro sacerdote católico assassinado na Europa pelo autodenominado Estado Islâmico.
Um assassinato ocorrido 12 dias após o atentado de Nice, no qual morreram 86 pessoas, e oito meses após os atentados de Paris, em 13 de novembro de 2015. O Papa Francisco na Missa de sufráfio celebrada na Casa Santa Marta em 14 de setembro de 2016, no presença de familiares do sacerdote, havia recordado o padre Hamel como aquele que “deu a vida por nós, deu a vida para não negar Jesus. E este exemplo de coragem, mas também o martírio da própria vida, de esvaziar a si mesmo para ajudar os outros, de criar fraternidade entre os homens, ajude todos nós a seguir em frente sem medo".
Dom Lebrun: uma morte que gerou amizade com os muçulmanos
Também ontem o Papa, em uma mensagem por ocasião da entrega do Prêmio Hamel em Lourdes, que pretende reconhecer obras que exaltem o diálogo inter-religioso e os valores do diálogo e da paz, recordou a bondade e a mansidão do Padre Jacques. Na entrega do prêmio às jornalistas Sarah-Christine Bourihane e Romina Gobbo, estavam presentes também a irmã de Hamel, Roselyne, e a mãe de um dos terroristas que assassinaram o padre. Um diálogo iniciado há anos e que nasceu do reconhecimento da dor de cada um.
Dom Dominique Lebrun é bispo de Rouen, diocese do Padre Hamel, e presidente do júri que concede o reconhecimento. Ele falou à Rádio Vaticano:
O que permanece, na sua opinião, da vida deste sacerdote e em que modo hoje, em um momento de convulsão, como recorda o tema dos Encontros de Lourdes, este mártir da Igreja pode ser um exemplo para muitos Cristãos?
Para mim, o que permanece é o sofrimento e também o amor. Mas não podemos dividir as coisas. Dizer que hoje tudo é lindo porque temos um mártir que nos ensina coisas lindas, nos oferece uma luz, não é toda a verdade. Hoje há sofrimento. Há uma irmã, há sobrinhos que perderam um tio que era muito importante, e perderam-no de uma forma incrível que também tem efeitos psicológicos ainda hoje para os sobrinhos, bem como para a comunidade paroquial, mas também para os nossos amigos muçulmanos que têm vergonha disso. E isto permanece, é um golpe como o sofrimento de Cristo, que não é um sofrimento de 2.000 anos atrás. E agora temos santos tão lindos? Não? A santidade passa pela provação e há também o amor que surge desta tragédia, o amor que se traduz em uma aproximação talvez mais verdadeira entre muçulmanos e cristãos que podem questionar-se sobre o que significam estes comportamentos radicais e que fingem ser religiosos. Interrogam-nos em como dentro de nós também existem essas ideologias que fazem mal aos outros. Agora existe esta relação com os amigos muçulmanos em Saint-Etienne e na minha diocese, na qual podemos abordar estas questões com uma amizade que cresceu. Acredito também que a comunidade paroquial hoje encontra uma forma mais verdadeira de ser comunidade, ou seja, não discutem entre si por bobagens porque viveram algo que realmente nasceu do ódio e da inimizade. Hoje é um belo exemplo de uma comunidade que foi mais profundamente unida pelo amor de Cristo e que é levada a ver a vida não só sobre a terra, mas da terra até o céu.
Aqui se fala de um tempo de convulsão, de turbulência. Estamos dentro das mudanças provocadas pela inteligência artificial, estamos dentro de um Sínodo sobre a sinodalidade, mas também somos espectadores de um conflito tanto na Ucrânia como no Médio Oriente. Como pode o exemplo do padre Hamel ajudar e iluminar a esperança de uma mudança sincera?
Tenho o privilégio de presidir ao júri que atribui o prêmio Jacques Hamel aos jornalistas e que foram em busca de lugares de reconciliação, de paz e de diálogo. Estes lugares não estão fora dos dramas, tão grandes como o da guerra na Ucrânia, mas também estão dentro, na alma e é belo ver como os jornalistas conseguiram compreender isso mesmo nas tragédias que estão sendo vividas. E de fato para mim foi como um céu iluminado com muitas estrelas que vi através destes artigos de jornal ou de televisão ou de rádio que de fato mostravam tanto amor mas havia tanto sofrimento.
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