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Rita Sacramento Monteiro /foto Agência Ecclesia Rita Sacramento Monteiro /foto Agência Ecclesia  (foto Ecclesia)

“Sem diálogo, não se gera um sonho comum e não se gera confiança”

Rita Sacramento Monteiro é o rosto do projeto “Ponto de Cruz”, um espaço do portal de informação dos Jesuítas, que pretende refletir sobre os princípios da Doutrina Social da Igreja em período pré-eleitoral em Portugal.

Rui Saraiva – Portugal

“Essencial é que os partidos e os políticos falem a verdade”, quem o diz é Rita Sacramento Monteiro, rosto do projeto “Ponto de Cruz”, um espaço que pretende “ajudar a pensar o futuro” a partir dos princípios da Doutrina Social da Igreja. Este desafio foi lançado pelo Ponto SJ, que é portal de informação dos Jesuítas e surge em período pré-eleitoral, porque em março Portugal terá eleições legislativas.

Rita Sacramento Monteiro foi entrevistada pela Rádio Renascença e pela Agência Ecclesia, num trabalho dos jornalistas Henrique Cunha e Paulo Rocha. Nesta entrevista ficamos a conhecer este projeto de diálogo e debate que coloca no centro da reflexão e da participação política os princípios da dignidade da pessoa humana, do bem comum, da solidariedade e da subsidiariedade.

Mais de 50% de abstenção nas eleições legislativas em Portugal, quase 70% nas europeias, é esta aparente desistência da democracia que está na origem do Ponto de Cruz?

“É uma das razões, sim, esta ideia de um desinteresse, de um desencanto com a política e de uma sensação quase de descrédito nas pessoas que nos governam e podem desenhar as políticas para o nosso país e na relação do nosso país com o resto do mundo. Portanto, acho que essa foi uma das nossas intenções, um dos pontos de partida e depois esta ideia de, de facto, como católicos, somos chamados a envolvermos e a pensar a realidade atual e o momento que estamos a viver em Portugal, consideramos que é um momento sério e importante para além dessa sensação em relação à política e aumentada por um conjunto de casos que têm vindo, de facto, a fragilizar as nossas lideranças e a nossa perceção em relação a quem nos governa. Temos também um contexto económico muito desafiante de inflação elevada.” 

Já lá iremos, mas neste contexto de desconfiança nas instituições democráticas, de que forma é que o ponto de cruz vai ajudar a restaurar a confiança?

“Eu penso que nós, quando discutimos pela primeira vez esta rubrica no Conselho Editorial, a ideia que nos veio foi a de querer contribuir positivamente para a reflexão e para a discussão. Nomeadamente através da dinamização de um sonho para Portugal, de congregar as pessoas à volta desta ideia do que é que nós desejamos para o nosso país, que país queremos ter. E, portanto, nessa medida, esta rubrica pretende promover a reflexão que ajuda, obviamente, ao momento que vamos viver eleitoral agora e depois ao momento eleitoral para as europeias, mas que vai além disso. Pretende, de facto, que as pessoas se impliquem e percebam que a política tem a ver com a nossa construção coletiva e com a forma como nós participamos e desenhamos aquilo que queremos ver e ser. Portanto, achamos que é um contributo positivo para essa mesma reflexão e participação.”

E sentem que há espaço para esse debate, para esse sonho, que sem dúvida nenhuma que é um ótimo objetivo? O debate político não fica recorrentemente marcado pela crispação, pela polarização? 

“Sim, sentimos que sim. Por isso é que achamos que o Ponto de Cruz, mais do que até trazer pessoas de partidos, mais do que falar de programas eleitorais, podia-se fazer uma análise de programas eleitorais à luz do pensamento social da Igreja, achamos que era interessante focar as pessoas, por um lado, em primeiro lugar, conhecer qual é o pensamento da Igreja para as realidades sociais e, portanto, que implica naturalmente a política e depois pensar, a partir desse quadro de valores e de princípios, que sonho é que podemos ter. E, de facto, o ambiente atual está marcado por crispação e polarização. Por isso, o Ponto SJ, que tem no seu estatuto editorial esta preocupação de habitar a tensão, sempre de uma forma construtiva, de uma forma geradora de diálogo, apesar das perspetivas diferentes de cada pessoa dentro e fora da Igreja, acreditou que esta rubrica podia contribuir não para a crispação e polarização, mas para, de facto, um efetivo diálogo. Porque também, sem diálogo, não se gera um sonho comum e não se gera confiança. Porque não nos ouvimos e só intensificamos as diferenças.” 

Acreditam, portanto, que ainda é possível dialogar na política? Não é isso que vemos, infelizmente....

“Sim, sim. Acreditamos que é fundamental fomentar o diálogo. E, portanto, acreditamos que esta rubrica, desejamos muito que esta rubrica contribua para isso.” 

Falou da tensão e chegámos a estas eleições num contexto particularmente sensível por causa dos casos de justiça que envolvem diretamente os responsáveis políticos. Como é que é possível restaurar a confiança na politica quando, mediaticamente, se discutem, essencialmente, este tipo de situações?

“É um desafio muito grande. Eu acho que a primeira coisa que eu diria que é essencial é que os partidos e os políticos falem a verdade. A realidade que nós vivemos é complexa. O Papa Francisco tem dito isso muitas, muitas vezes. A Companhia de Jesus está no terreno e vê muito isso. A realidade é muitíssimo complexa. Toda esta conjuntura económica e social traz grandes desafios para a vida concreta das pessoas. E, portanto, um primeiro contributo é, ao olharmos a realidade e isto também favorece o diálogo no nosso entendimento, é preciso falar da realidade com essas complexidades e com as matizes. As coisas não são a preto e branco. E penso que um contributo, não só que esta rubrica pretende dar, mas algo que pedimos, que achamos que é importante para os políticos e para os nossos líderes, é de facto falarem a verdade para restaurar essa confiança. E depois de facto haver um exercício, naquilo que é o exercício de poder, haver uma consciência, uma consciência muito séria e muito ética, porque sem ética não é possível favorecer a confiança. E, portanto, verdade, ética, são palavras absolutamente fundamentais para restaurarmos um olhar sobre o exercício público e político que seja positivo. Porque atualmente, infelizmente, tornou-se um olhar negativo, desacreditado. E isso não é construtor. Não é construtor do bem comum no nosso entendimento.”

E essa também é uma situação que está em causa quando um cidadão pode decidir ou não por ser um ator político. Não é hoje mais difícil atrair talentos para a política, atrair... homens e mulheres que possam dar o seu contributo na política?

“Provavelmente afeta. Afeta não só a forma como hoje se olha para a política, mas também como a pessoa, a partir do momento em que entra no espaço público e no espaço político, é altamente escrutinada. E a forma como nós falamos uns dos outros. E aqui também chamava a atenção para a linguagem. Eu acho que a nossa perspetiva como cristãos, a perspetiva desta rubrica, a perspetiva da Companhia de Jesus, é que a linguagem seja construtora também. As palavras e a forma como falamos e a narrativa que usamos. E, portanto, hoje nós vemos falar das pessoas que entram neste espaço público de uma forma que faz a pessoa pensar bom, eu não me quero meter ali…”

Diz-se por vezes, são todos iguais...

“São todos iguais. Não, e nós se olharmos, se observarmos para a forma como falamos, às vezes, saem-nos coisas sem querer que não refletem ou que não promovem a construção. Promovem este descrédito e este desânimo coletivo. Portanto, acho que é importante cuidar disso. E acho que, para quem tem fé, e neste caso, em concreto, para os católicos, acho que há uma obrigatoriedade de olhar para a participação política com um olhar altamente positivo. Porque a nossa fé, a doutrina social da Igreja, olha para a política como um exercício fundamental para a construção da polis. Não no sentido de apenas de cidade fechada ou de cidade como única realidade, mas para a construção de uma comunidade que vive em conjunto, que vive bem, que partilha valores e que partilha princípios. Portanto, há aqui uma responsabilidade também do lado da Igreja de contribuir para esta discussão e para esta reflexão e para os católicos não deixarem - apesar do momento ser difícil e das condições serem muito desafiantes - não deixarem de arriscar porque, na verdade, cada um de nós, se não se implicar, também o espaço político e o espaço público não se alteram, não se transforma.”

Este projeto “Ponto de Cruz” vai levar o debate sobre a participação política dos cidadãos a diferentes zonas de Portugal, sempre refletindo sobre os princípios da Doutrina Social da Igreja. O objetivo é que a partir da realidade local seja possível produzir um manifesto que possa apontar caminhos para o país.

Laudetur Iesus Christus

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31 janeiro 2024, 12:20