“Ponto de Cruz”: somos chamados todos a participar
Rui Saraiva – Portugal
“O foco do ‘Ponto Cruz’, mais do que discutir propostas eleitorais, é o de promover a reflexão e o diálogo”, refere Rita Sacramento Monteiro, rosto do projeto lançado pelo Ponto SJ, que é o portal de informação dos Jesuítas em Portugal.
O projeto “Ponto de Cruz” é um espaço de participação e de abertura à comunidade a partir dos princípios da Doutrina Social da Igreja: a dignidade da pessoa humana, o bem comum, a solidariedade e a subsidiariedade. Este desafio surge em período pré-eleitoral, porque em março Portugal terá eleições legislativas.
Rita Sacramento Monteiro foi entrevistada pela Rádio Renascença e pela Agência Ecclesia, num trabalho dos jornalistas Henrique Cunha e Paulo Rocha. Publicamos aqui uma última parte dessa entrevista.
Na apresentação do Ponto de Cruz, é rejeitada qualquer conotação política e partidária. Mas é possível o debate político sem debater as propostas concretas dos vários partidos?
Não. É preciso debater as propostas. Mas eu diria que aqui a nossa rúbrica tem como intenção, por um lado, numa primeira fase a montante de olhar para os programas eleitorais, a proposta é: através da lente doutrina social da Igreja – que tantas vezes é desconhecida dos próprios católicos e haverá até alguns que acham: “mas a minha fé também diz agora a forma como eu voto ou como eu penso o mundo?”.
Ainda existe doutrina social da Igreja?
Sim. “Mas, ah, mas isso não tem mais de um século?”. É absolutamente extraordinário, mas este pensamento ainda hoje ilumina as realidades atuais e tem um sentido para a atualidade. Numa primeira fase, o Ponto de Cruz pretende dar este quadro de “o que é que é a doutrina social da Igreja?”, explicando os seus quatro principais princípios. E depois, numa segunda fase, em que vamos promover conversas pelo país, em relação a quatro temas principais, a partir deste sonho para Portugal - o sonho que pensámos aqui é para um país digno e coeso, um país com futuro, um país a crescer e um país mobilizado. Escolhemos aqui quatro temas, podiam ser outros, podiam ser mais, e aqui nestes temas discutem-se os desafios. E aí, sim, podem entrar perspetivas dos programas eleitorais, mas nós quisemos ir além disto, porque nós também achamos que esta rúbrica serve o propósito de promover uma reflexão que vai além das eleições, vai além do voto. O voto é absolutamente fundamental, é um dever para qualquer católico e diria que para qualquer pessoa de participação. É um dever de participação pública, mas a ideia irá além disso. Aqui há quase que a ideia de nós termos que pôr uma cruz também em cada um de nós, na caixa de participação que diz respeito a cada um de nós. E é o papel que cada um de nós pode assumir na sua comunidade. Desde a comunidade eclesial, à comunidade local, à comunidade nacional. O foco do Ponto Cruz mais do que discutir propostas eleitorais - porque há muitos outros órgãos que o fazem, até se calhar com mais mandato e muito mais focados nisso-, é de promover a reflexão e o diálogo. Depois, as pessoas com este quadro de princípios e de valores, com os seus critérios e através do seu próprio discernimento, escolhem tomar uma decisão em relação a dia 10, mas não termos ilusão de uma coisa. O que quer que aconteça dia 10, o país atualmente o que pede é um envolvimento de todos. E se calhar este é o tempo, a partir da Igreja e da lente da Doutrina Social da Igreja, de afirmarmos isto. Nós somos chamados todos a participar.
Os leitores também são desafiados a participar e a contribuir para a reflexão. Já há alguns contributos. Quais são as principais preocupações, se é que já há alguma contribuição?
Vamos lançar essa fase em breve e vamos pedir aos nossos leitores. Estamos a receber comentários muito positivos em relação à rubrica. As pessoas dizem: “ah, parece-me importante”, “parecem-me claras as explicações”, “é bom saber mais sobre os princípios da Doutrina Social da Igreja”. Sentimos que também há aqui uma parte pedagógica ou de renovação do conhecimento de todos nós. Para além de uma catequese, queremos revisitar estes conceitos e em que é que eles se traduzem. Mas vamos pedir aos leitores que possam não só enviar questões, mas, quem sabe, até envolvê-los na construção do que gostávamos que fosse um manifesto no final desta rubrica. É um manifesto sem pretensões, mas simplesmente com o objetivo de contribuir para a construção de um sonho, que tem que ser coletivo, mas que possa ser pela positiva a apontar caminhos para o país.
Mas esse manifesto terá depois será enviado aos partidos? Tem a finalidade de provocar também a transformação no debate político?
Ainda não fechámos essa ideia, mas se calhar poderemos vir a enviá-lo para várias entidades, nomeadamente para os partidos políticos. Quem sabe. É um manifesto que não se esgota no próprio manifesto – porque para isso precisávamos de ouvir os 10 milhões de portugueses-, mas certamente queremos que seja um contributo e gostávamos muito que esta rubrica fosse além da Igreja Católica e pudesse chegar a outras comunidades religiosas. Gostávamos que saísse da esfera religiosa. A ideia do Ponto Cruz é que claramente as tradições religiosas tenham um contributo a dar para o diálogo e para a discussão, mas o diálogo e a discussão fazem-se com todos. Por isso, gostávamos que a rubrica também saísse das fronteiras da Igreja e do partilhar de uma religião para todas as pessoas que possam ver estes princípios, porque são bastante abrangentes.
Os princípios da doutrina social da Igreja?
Sim, os princípios da doutrina social da Igreja. Quando pensamos na dignidade da pessoa humana, no bem comum, na solidariedade, na subsidiariedade, que significa este auxílio, esta rede de entreajuda, toda a gente pode identificar-se com os princípios. Vão para além de partilhar ou não de uma mesma fé.
E, se calhar, este manifesto pode ter um horizonte temporal até mais longo porque, perante o quadro que se prevê decorrente do resultado das eleições, já há quem admita que haverá novo processo eleitoral a breve prazo.
Sim e, para além dessa possibilidade e risco - digo risco, porque acho que cria mais instabilidade e o país precisa de ter também as suas lideranças estáveis para avançarem com o governo do país-, temos também as eleições europeias e temos um quadro internacional muito complexo com uma escalada de conflitos preocupante. Sem dúvida que este sonho e esta rúbrica pode viver para além deste tempo e deste espaço. A tónica está sempre em cada um de nós ser agente de mudança. Cada um de nós tem uma palavra a dizer não só no dia 10, mas tem uma palavra a dizer todos os dias na forma como constrói o bem comum nas suas decisões, como agente económico, como agente político, como agente social. É importante relembrar-nos disso. O sonho é construído todos os dias. O Papa diz a dada altura, quando estive a fazer também estas leituras sobre a doutrina social da Igreja, que o bem comum, o amor, a solidariedade não são uma construção de um dia. São uma construção que se recomeça todos os dias.
Este projeto “Ponto de Cruz” vai levar o debate sobre a participação política dos cidadãos a diferentes zonas de Portugal, sempre refletindo sobre os princípios da Doutrina Social da Igreja. O objetivo é que a partir da realidade local seja possível produzir um manifesto que possa apontar caminhos para o país.
Laudetur Iesus Christus
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