Ressurreição de Cristo Ressurreição de Cristo 

A dúvida de São Tomé e a certeza de São Francisco de Assis

Para a Páscoa, não há atalho possível aos descrentes. Para chegar ao Reino, não há rotas alternativas. Há apenas um caminho, o Caminho

Fábio Tucci Farah

“Trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo” (Gl 6,17)

Uma farsa. Uma piada. Um desvario de mulheres. Desde os primórdios, desde o dia que deu origem à Festa da Páscoa, muitos desdenharam, debocharam ou duvidaram do episódio central da fé cristã. Entre os primeiros descrentes, importante observar, estavam os próprios seguidores de Jesus. Ao se deparar com o sepulcro aberto, bem cedo pela manhã, Maria Madalena pensou que os inimigos houvessem roubado o corpo do Mestre e se apressou em contar a terrível notícia a Pedro e João (1). Suas companheiras, porém, permaneceram ali e foram surpreendidas por seres angelicais que, sem meias-palavras, revelaram: “Por que procurais entre os mortos aquele que vive? Ele não está aqui: ressuscitou. Lembrai-vos de como ele vos falou, quando ainda estava na Galileia. É preciso que o Filho do Homem seja entregue às mãos dos pecadores, seja crucificado e ressuscite ao terceiro dia” (Lc 24,5-7).

Enquanto Pedro e João correram para conferir o que Maria Madalena lhes havia contado, os demais apóstolos não deram crédito algum ao testemunho das mulheres. Para eles, aquilo não passava de desvario. E o que dizer do relato daqueles dois discípulos a caminho de Emaús que haviam cruzado com o Crucificado? Boa parte dos apóstolos começou a acreditar que havia algo extraordinário quando Pedro relatou um encontro pessoal com o Senhor. O momento decisivo para sepultar a descrença de quase todos aconteceu pouco depois. Estavam reunidos a portas fechadas com medo da perseguição e… Jesus surgiu entre eles. No início, pensavam se tratar de um fantasma. Para convencê-los de que era Ele mesmo, em carne e osso, disse-lhes: “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne nem ossos, como estais vendo que eu tenho” (Lc 24,39). Como ainda permaneciam surpresos, Jesus tomou um pedaço de peixe assado e comeu diante dos atônitos apóstolos. Não, não era um fantasma.

Apenas um deles não estava ali. E apesar da descrença dos companheiros, acabou levando a fama: “Se eu não vir em suas mãos o lugar dos cravos e se não puser o dedo no lugar dos cravos e minha mão no seu lado, não crerei” (Jo 20,25). Oito dias depois, Tomé teve essa chance. E o evangelista registrou o seu belo testemunho de fé: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28). Mas também a observação sagaz de Jesus: “Porque me viste, creste.  Felizes os não viram e creram!” (Jo 20,29).

Aquele dedo já descarnado de São Tomé se ergue em uma capela da basílica de Santa Cruz em Jerusalém, em Roma. Menos como testemunha do episódio central da fé cristã. Mais como uma advertência aos que, quase dois mil anos depois, ousam duvidar do testemunho dos apóstolos. Após presenciarem o Senhor ressuscitado – e sua ascensão aos céus – eles jamais se trancafiaram novamente com medo. Pouco importava o último capítulo neste mundo. Todos sabiam o que os aguardava ao cruzarem a linha de chegada. À exceção de João, todos sofreram terríveis martírios. São Tomé, por exemplo, foi transpassado por uma lança em sua viagem missionária pela Índia.

Sem a ressurreição, declarou São Paulo, a nossa fé é vã. Não vale nada. Sem a ressurreição, o cristianismo não passa de um conto de fadas – ou de anjos! Mas não basta olharmos as feridas da Crucificado. Nem tocá-las. O verdadeiro encontro com o Ressuscitado nos exige um passo maior. E é esse passo maior que enxergamos claramente nos últimos capítulos dos apóstolos neste mundo. E em diversas considerações do décimo terceiro apóstolo, que descobriu o Caminho após a ascensão de Jesus: “...trago em meu corpo as marcas de Jesus Cristo” (Gl 6,17), “...completo o que falta às tribulações de Cristo em minha carne pelo seu Corpo, que é a Igreja” (Cl 1,24).

Para alcançar o Reino tão prometido não basta tocarmos nos estigmas do Crucificado, é preciso carregá-los em nossas vidas. Devemos, como exortou São Paulo, sermos crucificados com Ele. Dia após dia. E para nos entregarmos completamente, precisamos estar certos da ressurreição d’Aquele que nos precedeu e nos serve de Caminho. Para a Páscoa, não há atalho possível aos descrentes. Para chegar ao Reino, não há rotas alternativas. Há apenas um caminho, o Caminho.

E não é preciso se contentar unicamente com o contundente testemunho dos apóstolos, gravados com carne, sangue, ossos. O Senhor fez questão de desvelar esse sublime mistério no decorrer do tempo. E marcou alguns de seus santos para confirmar a fé dos cristãos – e zombar dos descrentes. Neste ano, a Igreja celebra oito séculos de um fato importante na jornada espiritual de São Francisco de Assis – um santo que transbordava felicidade. No monte Alverne, ele teve a visão de um Serafim crucificado e recebeu, no próprio corpo, as marcas da crucificação. Ele não foi o único. Já no século XX, o padre Pio de Pietrelcina testemunhou em sua própria carne a Paixão de Jesus Cristo. E apontou para a crença central da fé: a ressurreição. Recentemente, ao interpretar o padre Pio em um filme biográfico, o polêmico ator norte-americano Shia LaBeouf experimentou uma súbita conversão e provocou alvoroço nos meios católicos.

Sublevados pelo testemunho dos evangelistas e de São Paulo e por dezenas de santos estigmatizados, nossos olhos se voltam a Nosso Senhor Jesus Cristo – não apenas a alguém que morreu há quase dois mil anos, mas a alguém que ainda se coloca no meio de nós. E, em uníssono com o apóstolo que ganhou fama de descrente, nossos lábios proclamam: “Meu Senhor e meu Deus”.

Epílogo

Pouco após o Natal, celebrei o Dia de Reis ao lado do padre Márlon, em seu quarto. Antes de descobrir ser portador de uma doença rara, ele confessou em um sermão que desejava ser um “pregador pregado”. Embora não tenha os estigmas visíveis, como os santos aqui relembrados, ele se tornou um pregador pregado com o Senhor. Ele carrega em sua vida os estigmas de Cristo.

Após a visita, que durou algumas horas, a Mariana comentou comigo: “Acho que o padre Márlon tem esse sorriso porque encontrou o caminho”. Sim, ele encontrou o Caminho. Ao lado do padre Márlon, as palavras de Jesus são ditas ao pé do ouvido: “Felizes os que não viram e creram.” Ao lado do “pregador pregado”, aquele bolo de reis, aberto para celebrar a Epifania, tinha o doce sabor da Páscoa.

(1)  A sequência das aparições de Cristo ressuscitado, neste artigo, é baseada na cronologia apresentada pelo monsenhor Charles Pope. E pode ser conferida, na íntegra, no sítio:

https://padrepauloricardo.org/blog/uma-cronologia-das-aparicoes-de-jesus-ressuscitado.

(*) Fábio Tucci Farah é perito em relíquias sagradas da Arquidiocese de São Paulo, delegado brasileiro da International Crusade for Holy Relics (ICHR) e curador adjunto da Regalis Lipsanotheca, em Ourém.

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30 março 2024, 18:21