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"Vós sois todos irmãos" - não basta saber disto!

Que em nossas comunidades, famílias e sociedade haja ambientes para construir a amizade social; ambientes não só geográficos mas, sobretudo, e principalmente, existenciais.

Padre Thiago Zacarias Linhares - Diocese de Campos/RJ

O contexto bíblico da afirmação de Jesus “Vós sois todos irmãos” é aquele que Nosso Senhor orienta seus discípulos contra a tentação de se impor ao outro pelo desejo da vaidade sutil de ser chamado de mestre, pai etc. É verdade que, impreterivelmente, no cotidiano da vida assumimos certas responsabilidades e posições de liderança sobre outros. Pensemos nos pais, professores, pastores, comandantes militares. Contudo, todas estas relações devem ser permeadas de um sentido cristão de Fraternidade, em que uns olhem para os outros acima de tudo como irmãos, porque esta é, segundo o evangelho, a forma legítima de nos relacionarmos - não de quem olha de cima, corrigindo, admoestando, mas dos que se olham como iguais, mesmo que haja diferenças de responsabilidades.

Verificamos, contudo, que não basta sabermos que “somos todos irmãos”, pois é preciso viver como irmãos. Só a ciência de ser não transforma o coração, senão tendo gestos e atitudes que fomentem a fraternidade e a amizade social. Daí a necessidade de compreender que este desejo de Jesus não é secundário, irrelevante ou não urgente. Pelo contrário, a maneira como nos relacionamos com os outros é imprescindível no tocante à conversão evangélica. Ainda trazemos dentro de nós ideologias que geram comportamentos que nos separa uns dos outros e gera o pecado da falta da unidade.

Repito: Não basta saber que “somos todos irmãos” se ainda olhamo-nos como inimigos, estranhos ou concorrentes. O Papa Bento XVI, quando cardeal, no seu livro “Sal da Terra”, alertou para esta realidade ambígua que pode ser a fraternidade, em que, apesar de irmãos pertencentes a grupos sociais, religiosos e até familiares, podemos, mesmo assim, não nos comportarmos como fraternos, dando contratestemunho do evangelho e prejudicando a já tão ferida fraternidade social. Assim fala o Cardeal Raztinger:

“(...) a expressão ‘amor fraterno’ é uma bela expressão, mas não se deve esquecer a sua ambiguidade. O primeiro par de irmãos da história mundial é, segundo a bíblia, Caim e Abel, e um deles matou o outro. (...) Os irmãos não são, portanto, automaticamente a imagem do amor e da igualdade.” Ratzinger, Joseph. Sal da Terra, Ed Imago,1997, p. 153.

Este é ou não é um apelo à nossa conversão pessoal? Ninguém que queira, de fato, levar a cabo todo o Evangelho, pode desconsiderar que a Fraternidade e a Amizade Social só serão possíveis quando a consciência de que “somos todos irmãos” superar a mera constatação desta verdade, e levar a ter comportamentos fraternos que nos remetam para além dos vínculos de sangue, sociais e religiosos.

Pensemos em que comportamentos são estes. Vou colocar alguns, mas tenho certeza que podemos fazer um bom exame de consciência e aumentar a lista:

- Saber expressar a opinião sem diminuir a opinião do outro, seja por comentários grosseiros ou feições negativas;

- Evitar falar sobre temas sem que haja conhecimento de causa pelo simples fato de contestar o outro;

- Abandonar radicalmente o sutil pecado, às vezes entranhado em nós, de fazer comentários da vida alheia, fazendo o outro ser tema de conversa em nossos círculos;

- Respeitar quem pensa diferente, seja em aspecto religioso ou político, enxergando-o como irmão e não como adversário;

- Estar atento ao bem que precisa ser feito na comunidade, mesmo que seja pequeno e, principalmente, se não for visto, contribuindo para a promoção do outro;

- Ser conciliador nas causas em que se detecta desavenças e divisões. Ser pacífico e pacificador é um desejo de Jesus;

- Assumir nossa posição em casa, estreitando laços familiares nem sempre fáceis, superando os laços de sangue e buscando nos tornar próximos, manifestando afeto;

- Não falar mal de membros da família com outros membros;

- Saber corrigir com caridade. A verdade não precisa ser dita de modo grosseiro;

- Perceber os vulneráveis em cada situação e incluí-los, favorecendo sua participação e ajudando a promovê-los;

- Não reclamar de tudo, exigir tudo, corrigir tudo. Existem coisas não essenciais das quais a paz é preferível a elas. Discernimento! Discernimento!

Enfim, são simples contribuições que me saltaram à mente mas que, tenho certeza, são bem pequenas diante das várias que o Espírito Santo pode suscitar nos corações dos homens. 

Que em nossas comunidades, famílias e sociedade haja ambientes para construir a amizade social; ambientes não só geográficos mas, sobretudo, e principalmente, existenciais. A fraternidade não nasce pronta, ela se constrói. Não basta ser irmão, ou saber-se irmão. É imprescindível converter-se em um.

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02 março 2024, 09:31