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Vidas que recuperam a dignidade Vidas que recuperam a dignidade 

Entre o Marrocos e a Argélia, missionários ajudam migrantes

O relato de Alex Zappalà, diretor do Centro Missionário de Concordia-Pordenone, que liderou um grupo de jovens em Oujda: “vivemos em uma parte do mundo em que fazemos tantas coisas, mas não temos tempo para estar perto das pessoas, e é disso que se trata a missão. Há muitas vítimas de tráfico, não podemos mais ficar em silêncio”.

Antonella Palermo – Vatican

Enfaixar as feridas de quem viaja pelos desertos perseguindo o sonho de uma vida sem guerra, sem ditadura, sem privações. É isso que os Missionários da Consolata fazem há anos, vivendo em Oujda, a cidade marroquina mais próxima, a apenas sete quilômetros, da fronteira com a Argélia. Uma fronteira sangrenta, cheia de obstáculos para quem quer cruzá-la, na qual ocorreu a infame Guerra das Areias em 1963, um dos picos do antagonismo que separa hostilmente os dois países, embora compartilhem muitos elementos linguísticos, religiosos e étnicos. As diferenças históricas, políticas e ideológicas de suas respectivas independências ainda influenciam fortemente as relações, e quem paga o preço são justamente os migrantes que tentam subir das regiões subsaarianas em direção à Espanha, escolhendo ou sendo forçados a escolher essa rota em busca de um futuro digno.

Longas caminhadas com os pés destruídos: a chegada de migrantes exaustos em Oujda

Alex Zappalà, diretor do Centro Missionário Diocesano de Concordia-Pordenone, lançou luz sobre uma realidade da qual pouco se fala e, em Popoli e Missionecontou a experiência de acompanhar, de 21 a 29 de abril, cerca de quinze jovens do grupo “Missio Giovani” a Oujda. Uma viagem de espiritualidade missionária em contato com a vida exausta de pessoas que aqui encontram um lugar para parar, cuidar-se e recomeçar. Uma viagem de conhecimento in loco depois de um ano de trabalho sobre os temas da acolhida e da migração, que fez redescobrir o verdadeiro sentido da missão: “estar com”, além de “fazer”.

Quando Alex e seus jovens chegaram a Oujda, cerca de 80 outros jovens africanos estavam presentes na casa dos Padres da Consolata. E imediatamente começou uma troca, uma escuta de histórias até mesmo “indizíveis”, de tanta dor. “Quase todos eles tinham vindo de quatro anos de caminhada, pelo deserto ou nas prisões da Líbia. Eles nos contaram sobre a violência, abusos visíveis em seus olhos. No entanto, também havia muita força e desejo de continuar o caminho para perseguir seu sonho. Poucos voltam atrás. Se voltam, é porque não têm mais dinheiro, por exemplo. Ou acham que seu sonho não está mais ao seu alcance. Há um constante ir e vir, diz Alex. Os missionários ficam ao lado dos migrantes, alimentam-nos e cuidam deles.

Eles chegam com as pernas destruídas e feridas. Os religiosos, que estão abertos para recebê-los 24 horas por dia, levam-nos ao hospital, se necessário. No ano passado, 3.800 pessoas passaram por aqui, 10% são mulheres e crianças. Em sua maioria, chegam meninos, menores desacompanhados e jovens. A maioria vem da Guiné Conakry, cerca de 60%. Depois, do Sudão do Sul, preferindo pegar a rota para o Marrocos a fim de evitar a Líbia. Eles também vêm de Camarões, Costa do Marfim, Mali, Chade e Burkina Faso. Alguns também vêm do Congo, Benin, Togo e Senegal. Aqueles que atravessaram a Líbia tentaram várias vezes, foram maltratados nas prisões, vítimas de todo tipo de abuso. Alguns tentaram a rota da Tunísia e, se não conseguiram, tentaram a rota pelo Marrocos, na esperança de chegar a Melilla, outra fronteira difícil entre a África e a Europa.

Novos encontros
Novos encontros

Padre Mandondo: nós curamos as feridas e oferecemos um lugar para descansar

“Nosso trabalho é de testemunho cristão e substitui a falta de operadores capazes de realizar essa realidade de acolhida”, diz à Rádio Vaticano - Vatican News - o padre Patrick Mandondo, pároco de Saint Louis, responsável pela pastoral migratória no Centro Paroquial Accueil migrants Oujda (AMO). Originário da República Democrática do Congo, ele se especializou em teologia pastoral e mobilidade humana em Roma, onde foi ordenado sacerdote em 2020. Desde 2022, ele está no Marrocos, onde realiza, junto com seus dois coirmãos, este projeto assumido pela diocese de Rabat e iniciado por um padre local em 2018. É uma experiência muito rica e desafiadora", conta ele, ‘temos poucos recursos, vivemos da providência e não temos possibilidades econômicas adequadas, considerando que esse é um projeto que exige muito dinheiro, até 300 mil euros por ano’. Ele explica como muitos meninos chegam com os pés arrebentados: “se você vier nos visitar um dia, verá isso com seus próprios olhos”.

Para os menores sozinhos, os missionários criaram um programa de alfabetização e, para os mais velhos, um programa profissional (eletricista, padeiro...). “Avaliamos caso a caso como ajudá-los”, diz Patrick, dessa cidade de trânsito onde, ele ressalta, não há estruturas de recepção, nem do Estado nem de associações. “Aqui a Igreja é realmente um hospital de campanha, como diz o Papa Francisco. É uma Igreja que está aberta ao sofrimento”. St Louis' é a única paróquia em uma cidade de 600 mil habitantes, onde os cristãos não representam mais do que um por cento da população. “Nossa pequena comunidade é formada principalmente por jovens da África subsaariana que vieram para cá para estudar com bolsas de estudo do Marrocos. Eles assistem à missa dominical, quase cem deles, e durante a semana não os vemos porque estão ocupados com suas atividades. Portanto, realizamos o projeto com os migrantes, aplicando nosso carisma de missionários ad gentes. Para nós, a promoção humana é muito importante”. E ele insiste em descrever a fronteira entre os dois países, um fosso com dois muros, guardados por grandes forças policiais que frequentemente usam de violência contra aqueles que desejam atravessá-los.

Missionários desafiam as armadilhas e as chantagens do tráfico

“Eles nos contam as dificuldades pelas quais passaram, como atravessaram o deserto, como foram vendidos por traficantes, deportados para a floresta, abandonados a si mesmos, roubados de tudo, privados de comida e água. Eles contam essas recordações com lágrimas nos olhos", continua Patrick, que insiste no trabalho arriscado que os religiosos fazem para salvar os migrantes das ameaças dos traficantes. “Fazemos um trabalho muito perigoso porque entramos nos bairros para libertar esses meninos que estão sendo abusados pelos mafiosos”. Ele conta que há pessoas dos dois lados da fronteira que pegam esses meninos que são vítimas de fato, do tráfico. “Eles são mercadorias, que valem cerca de 300 euros cada. Quando chegam ao Marrocos, são bloqueados nas 'casas' dos traficantes que, segundo Mandondo, começam a chantagear suas famílias de origem. O padre se lembra de uma vez em que quarenta meninos foram deixados em um quarto de três por quatro metros. Uma vez interceptados, os religiosos tentam mediar a situação, não sem o risco de serem espancados. “Isso acontece com frequência. No final, conseguimos”. O apelo que o pároco faz à comunidade internacional é para que não vejam a migração como um problema. “As pessoas não tentam saber por que as pessoas se mudam. Temos que ir à raiz dos problemas. Temos que dar dignidade.”

Vidas ceifadas
Vidas ceifadas

Zappalà: garantir canais regulares de migração

Zappalà insiste nesse compromisso de restaurar a dignidade perdida. “Isso nos deixou impressionados. Deveríamos criar, e isso não se aplica apenas à Itália, canais regulares pelos quais esses jovens possam ter uma chance", enfatiza. “Não há vistos ou há muito poucos. Eles são pessoas em um tráfico que está causando morte após morte. Não podemos mais ficar em silêncio. Fechar-se por medo significa, antes de tudo, perder a riqueza do encontro com o outro”. E ele lembra como os jovens de 20 e 30 anos que ele guiou para Oujda puderam compartilhar os sonhos de seus colegas. “Um jovem entre eles, Jacob, com quatro anos de estrada, tem o sonho de ser chef. Ele não parava de sorrir enquanto nos contava o drama de seu caminho. No último dia, no momento de se despedir, ele tirou a camiseta com as cores de sua terra natal, Guiné Conacri, e a deu a uma garota do nosso grupo. “Quero que você não se esqueça”, disse a ela. Ela doou seu moletom, que era o da JMJ em Portugal. Desde então, existem canais de comunicação entre os jovens que se tornaram amigos.

A missão não é apenas “fazer”, é acima de tudo “estar presente

“Se perdermos a humanidade do outro, não teremos mais restrições para apertar um botão e fazer explodir tudo”, conclui Alex, resumindo o fruto mais precioso dessa viagem. “Partimos sem um projeto específico para fazer. Mas estávamos com eles. Muitas vezes associamos a palavra “missão” apenas à dimensão do “fazer”. Mas 'ser' é ainda mais valioso, mesmo quando não se pode fazer nada. Vivemos em uma parte do mundo em que fazemos tantas coisas, mas não temos tempo para estar com as pessoas. Nossos dias são pontuados, desde a mais tenra idade, por agendas lotadas. Perdemos o gosto de estar e falar uns com os outros, de encontrar os olhos uns dos outros”. Alex observa como a experiência na fronteira levou a uma redescoberta do profundo valor da humanidade. Não se trata de uma leitura “moderna” do Evangelho, isso sempre foi assim na época de Jesus, que pedia precisamente para “estar com”, para colocar a outra pessoa no centro, a fim de ter um olhar mais tenro. Que eles acreditem – é o seu desejo - que nesta parte do mundo não é verdade que só há pessoas que não querem você, mas que há pessoas que se abrem. O medo apenas distorce a verdade. Há uma parte do mundo em que ainda podemos confiar e que deve vencer de alguma forma: é o profumo do Reino sobre a qual Jesus nos falou”.

Novas esperanças
Novas esperanças

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05 maio 2024, 09:50