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Cardeal Odilo Pedro Scherer  - Arcebispo metropolitano de São Paulo Cardeal Odilo Pedro Scherer - Arcebispo metropolitano de São Paulo 

Cardeal Scherer: A fraqueza poderosa das coisas de Deus

Jesus anuncia a chegada do reino de Deus e conclama a todos a acolherem esse reinado divino. Isso corresponde ao chamado a superar a ruptura entre o desígnio de Deus Criador sobre o mundo e a restabelecer a paz e a harmonia no mundo criado, sobretudo no mundo dos homens.

Cardeal Odilo Pedro Scherer  - Arcebispo metropolitano de São Paulo

“Creio em Deus, Pai todo-poderoso”: assim começa a nossa profissão de fé cristã católica. A Deus pertence todo poder e não se poderia supor que houvesse algo mais poderoso que Deus. Se houvesse, seria “deus” aquilo que tem mais poder do que Deus. Mas não há. E atribuímos imediatamente a esse poder soberano a potência criadora de Deus, que deu origem ao céu e à terra e a tudo o que neles se contém. Ao poder divino está imediatamente relacionada a providência divina, com leis que a tudo governam com sabedoria e harmonia. Contrariamente, este mundo de criaturas seria um caos total.

A alguns parece que Deus perdeu o controle da situação e, por isso, o mundo está mergulhando no caos novamente. Em certos aspectos, o mundo de fato vive em um caos, mas não porque Deus perdeu o controle da situação. Não se trata de pedir que Deus retome o controle da situação e que esteja constantemente intervindo para ajustar as coisas neste mundo dos homens. Aqui entra o papel do homem no contexto da criação: ele foi criado para ser colaborador com o Criador no cuidado da obra da criação. A presença de Adão e Eva no paraíso, para serem “cuidadores do jardim de Deus”, mostra bem esse chamado divino primordial ao ser humano (cf. Gn 2,15-25).

A desordem neste mundo dos homens seria causada por defeito na criação divina, ou pelo homem, chamado a ser colaborador de Deus e cuidador da obra da criação? Ou por alguém outro? O texto bíblico explica que Adão e Eva preferiram ignorar a harmonia divina posta na criação e deram ouvidos ao “tentador”, que os convenceu de que isso não era necessário e que eles próprios podiam ser como Deus e decidir pelo bem e pelo mal. Essa atitude fez com que se introduzisse a desordem nas relações entre as pessoas e com o mundo criado (cf. Gn 3,1-24). A humanidade continua sendo tentada a ignorar a lei divina, tomando decisões que desencadeiam a desordem no mundo e o tornam infeliz.

Jesus anuncia a chegada do reino de Deus e conclama a todos a acolherem esse reinado divino. Isso corresponde ao chamado a superar a ruptura entre o desígnio de Deus Criador sobre o mundo e a restabelecer a paz e a harmonia no mundo criado, sobretudo no mundo dos homens. Com o anúncio do reino de Deus, Jesus também realiza os sinais da chegada desse reino: expulsa os demônios tentadores e escravizadores do homem; cura os doentes, ressuscita os mortos, sacia os famintos, restitui a dignidade aos humilhados, anuncia a liberdade a todos e a esperança na plenitude da vida. Deus Pai não nos quer escravos, mas filhos queridos; não nos quer vivendo sob o fardo das injustiças e violências, mas livres, respeitosos e fraternos.

O reino de Deus é Deus reconhecido e sua vontade sendo acolhida como a suprema sabedoria para a vida deste mundo, do qual o homem faz parte. O anúncio do reino de Deus refere-se à reversão do estado de infelicidade e escravidão introduzido no mundo mediante o “reinado do Maligno”, que encontrou seus colaboradores neste mundo naqueles que se opõem à sabedoria do Criador e Salvador. O reino de Deus refere-se ao mundo novamente em ordem, com os homens colaborando responsavelmente com o Criador para cuidar do jardim, ou da “casa comum”, para usar uma expressão cara ao Papa Francisco.

Jesus compara o reino de Deus à força da semente: o semeador lança a semente no campo e vai para casa; deixa passar o tempo e a semente germina e a plantinha cresce e produz o seu fruto com o passar do tempo. O semeador e a terra fazem a sua parte. Mas é a sementinha que tem a força da vida para nascer e produzir o fruto. Jesus ainda compara o reino de Deus à sementinha bem pequena de mostarda: parece nada, mas quando é semeada em terra boa, ela produz uma planta grande e frutifica. Há também o semeador preguiçoso, que não lança a semente; e há a terra ruim, que não acolhe bem a semente. Nesses casos, não há planta nem fruto.

O reino de Deus parece coisa pouca e, para muitos, até desprezível. A tentação sempre pode ser aquela de Adão e Eva: seguir a própria lógica, desobedecendo à vontade de Deus e impondo a lógica do poder, da força, das vaidades, das vantagens imediatas... E a desordem no mundo segue adiante. Jesus convida à conversão: “O tempo chegou: arrependei-vos e crede no Evangelho” do reino de Deus (cf. Mc 1,14-15). É preciso crer no poder das coisas de Deus, do reino de Deus, que parecem insignificantes, como a pequena semente. Mas elas têm a força de Deus e produzem o seu fruto com o tempo, a colaboração e a paciência de nossa parte.

Sejamos semeadores generosos da pequenina semente todos os dias, também nós: na educação dos filhos, na catequese, nos processos de evangelização, na atuação e testemunho cristão no mundo social. Acreditemos na fraqueza poderosa das coisas de Deus.

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20 junho 2024, 16:23