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Um policial queniano está ao lado de uma fileira de veículos blindados antiminas enquanto a Embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, visita a missão de Apoio à Segurança Multinacional (MSS) na base do Haiti, perto do aeroporto de Porto Príncipe, Haiti, em 22 de julho de 2024. Roberto Schmidt/Pool via REUTERS Um policial queniano está ao lado de uma fileira de veículos blindados antiminas enquanto a Embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, visita a missão de Apoio à Segurança Multinacional (MSS) na base do Haiti, perto do aeroporto de Porto Príncipe, Haiti, em 22 de julho de 2024. Roberto Schmidt/Pool via REUTERS  (AFP or licensors)

Haiti: uma missão da ONU para reavivar a esperança

Um mês após o início do governo de transição encarregado por conduzir o país rumo às eleições de 2026, os primeiros soldados da força internacional da ONU sob o comando queniano estão sendo destacados para o Haiti. A sua presença já fez com que os gangues recuassem, mas a violência persiste. O testemunho do padre Claudy Duclervil, diretor da Rádio Télé Soleil de Porto Príncipe.

Jean-Charles Putzolu – Cidade do Vaticano

No Haiti, o primeiro trimestre de 2024 foi o mais violento registado pelas Nações Unidas desde 2022. Mais de 2.000 pessoas foram mortas desde o início do ano. No país mais pobre do continente americano, 5 milhões de pessoas, ou metade da população, estão diretamente ameaçadas pela insegurança alimentar. O país mergulhou em uma crise profunda desde o assassinato do seu presidente Jovenel Moise, em julho de 2021. Desde então, o vácuo de poder favoreceu o ressurgimento de gangues, que continuam a agravar a situação.

O Haiti já não é notícia e, no entanto, desde a demissão do primeiro-ministro Ariel Henry, o que era fortemente exigido pelas gangues, o contexto mudou muito pouco.

Em 12 de junho, um novo primeiro-ministro, Garry Conille, foi encarregado de formar um governo de transição que terá a missão de restaurar as instituições e organizar eleições antes de fevereiro de 2026.

Este primeiro passo para a estabilização do país coincide com o envio da Missão da ONU. Um primeiro contingente de 400 soldados quenianos já está em Porto Príncipe. Esta força internacional, comandada pelo Quênia, deve prestar apoio às forças de segurança haitianas para pacificar o país.

O seguinte testemunho é o de um sacerdote haitiano. Padre Claudy Duclervil, diretor da Rádio Télé Soleil em Porto Príncipe, fala sobre a violência das gangues e a esperança ligada à chegada da Missão de Apoio das Nações Unidas atualmente em fase de implantação em seu país.

 

Padre Claudy Duclervil, que descrição o senhor poderia dar hoje da situação Porto Príncipe? As gangues parecem ter parado de lutar entre si para formar um bloco unido contra o governo. O que eles estão exigindo?

Ninguém sabe o que estão pedindo. Um dia dizem uma coisa, no dia seguinte dizem outra. Mas, por enquanto, a situação não é tranquila. Em Porto Príncipe, com a chegada das tropas estrangeiras, que começaram a reconquistar terreno, as gangues estão recuando um pouco, mas há certas áreas onde as gangues ainda fazem valer a sua lei e muitas pessoas tiveram que sair de casa, abandonando tudo, alguns morando na rua. Aqueles que têm amigos ou vizinhos que podem acomodá-los irão morar com eles. Mas a grande maioria vive nas ruas. Na cidade velha de Porto Príncipe, capital, centro administrativo e político, praticamente não há mais vida. As gangues arrasaram quase tudo.

Mas concretamente, no dia a dia, no seu quotidiano, isso significa que é difícil até mesmo se deslocar, por exemplo, para ir de casa ao trabalho?

Onde moro é um pouco mais tranquilo. As gangues não conseguiram chegar, embora de vez em quando exista alguma incursão de alguns membros das gangues, mas não se estabelecem. Moro entre Delmas e Pichon e de onde moro, para ir à Rádio Télé Soleil, leva apenas cinco minutos. Então para mim é fácil, mas a cidade está praticamente cercada. Não podemos percorrer dez ou quinze quilômetros, porque as gangues ocupam as principais artérias da capital.

Nas últimas semanas, fala-se muito menos sobre o Haiti. Mas, como o senhor disse, a situação não é nada pacífica. Essas gangues estão muito bem armadas. Mas como eles conseguem essas armas?

Essa é a grande questão, e você sabe disso tão bem quanto eu: conseguir armas é difícil. Você não entra em uma loja ou supermercado como se fosse comprar pão. São armas automáticas, armas de guerra que eles têm nas mãos. Existem certas pessoas, certos grupos que ajudam as gangues a obter essas armas.

Grupos de dentro ou de fora do país?

De acordo com algumas pesquisas, há pessoas no âmbito interno que armam gangues. Em nível internacional, as armas vêm de fora. Em todo caso, existe cumplicidade entre certas pessoas que vivem aqui e outras pessoas que vivem fora do país.

Quais são os objetivos almejados por quem arma as gangues?

Criar o caos. Porque quando não há estabilidade, muitas coisas se tornam possíveis. Quem trafica órgãos, por exemplo, lucra com isso; os traficantes de drogas também se beneficiam. Quando não há segurança, quando não há estabilidade, quando nada é controlado, as pessoas de má-fé fazem cumprir a sua lei.

Recentemente, o primeiro-ministro Garry Conille fez um apelo às gangues para que depusessem as armas. Seu chamado pode ser ouvido? Ele tem meios para se fazer ouvir?

Essa declaração provocou muita polêmica na sociedade. Porque as pessoas que foram vítimas, ou cujos entes queridos foram vítimas, não querem ouvir falar de depor as armas. A população exige uma coisa: neutralizar as gangues do país. Que garantia teremos de que eles deporão todas as suas armas? Não há certeza. Quando você não tem certeza, você tem que ir até o fim. Porque durante três anos, eles fizeram reinar a sua lei. Eles foram impiedosos com a população e às vezes nos perguntamos até que fim. O que eles querem? Porque somos todos haitianos.

Vimo-los também atacar membros da Igreja e civis, nomeadamente com sequestros para obter resgate. A Igreja também foi vítima destes sequestros.

Padres, religiosas e leigos foram sequestrados e, em alguns casos, certas famílias tiveram que pagar grandes somas para a libertação dos seus entes queridos. É uma situação traumática, quase insuportável, insuportável. Há 2 ou 3 meses as coisas se acalmaram um pouco, depois a violência recomeçou nos últimos dez dias, sabendo-se que a força multinacional começa a ser mobilizada. Não sei se é para assustar a população, mas agora eles não querem que as pessoas que vivem em bairros desfavorecidos saiam dos seus bairros. Eles as usarão como escudos humanos, porque sabem muito bem que haverá operações para expulsá-los de onde estão. Então a violência recomeçou.

Os primeiros contingentes quenianos desta força internacional já chegaram ao país. O senhor já sente o impacto de sua presença?

No centro da cidade, sim. Alguns bairros foram retomados e algumas áreas também, como o hospital geral, o maior hospital do país onde as gangues haviam instalado a sua sede. A força multinacional desalojou-os. E é assim em boa parte do centro da cidade também. A polícia tornou-se muito mais presente e isso começa por dar um pouco de esperança à população.

Que instituições continuam a funcionar hoje, por exemplo, polícia, exército, educação, saúde? Em que estado se encontra o tecido social?

Eu tenho que fazer uma pequena diferenciação. A situação está se deteriorando em Porto Príncipe e em algumas áreas das províncias. Mas para a grande maioria das pessoas que vivem noutros departamentos, as instituições funcionam. É em Porto Príncipe e em algumas cidades do departamento de Artibonite que a presença de grupos armados é mais notável. Em outros lugares, a escola está funcionando, as pessoas podem continuar suas atividades normalmente.

Quais são as perspectivas a médio prazo, digamos, até ao final do ano? O que podemos esperar?

A grande esperança é que as pessoas consigam cuidar da sua vida até ao final do ano e recuperem a esperança. O povo haitiano é um povo que sabe lutar, que viveu situações difíceis ao longo da sua existência. Vivemos situações extremamente difíceis e complicadas, mas sempre nos recuperamos. Então esperamos superar isso.

Vimos que durante estes períodos de violência, várias paróquias tiveram que fechar suas portas para proteger os fiéis. Isso ainda acontece? Como a Igreja proclama o Evangelho neste contexto?

Mesmo que soprem ventos maus, devemos proclamar o Evangelho. Os padres que vivem em bairros extremamente difíceis, ocupados por gangues, ficam na sua paróquia. Eles não abandonam os seus paroquianos. Aqueles que foram sequestrados e posteriormente libertados estão em sua paróquia para continuar evangelizando. Portanto, mesmo que seja difícil, o sacerdote não deve ter medo de anunciar o Evangelho. É nestas condições que devemos anunciar o Evangelho e que devemos dizer às pessoas que, o que as gangues estão fazendo, não é bom.

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23 julho 2024, 08:07